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Uma visita a Córdova

"Região Bairradina", n.º 752, Abril 2003

 

 

São apenas cerca de 650 quilómetros que nos separam de Córdova servidos por auto-estrada até Badajoz e por uma boa e bela estrada, que passando por Zafra, Fuente Obejuna e Peñarroya, nos leva finalmente a esta espantosa cidade tão cheia de memórias e de beleza.

A sua curiosidade primeira e a mais importante é, naturalmente, a mesquita, a umas escassas dezenas de metros do Guadalquivir.

Considerada uma das mais belas mesquitas do mundo, a sua construção foi iniciada no séc. VIII ao tempo do rei Abderramão I (756–788) e assentou sobre uma Basílica cristã (a Basílica de S. Vicente) que existia no local. A esta primeira fase seguiram-se mais três: as ampliações devidas a Abderramão II (821-852), Al Hakam II (961-976) e Almanzor (fim do século X) que lhe deu praticamente a dimensão que tem hoje.

Ela apresenta-se, actualmente, como uma floresta de 850 colunas de granito, sobrepujada de capitéis de mármore e de arcos sobrepostos para dar a palavra ao historiador Pierre Riché.

A multiplicação das colunas e das naves no decurso destas ampliações colocou problemas técnicos já que as primeiras colunas, por demasiado baixas, não permitiam a iluminação adequada da mesquita. Então, recorreu-se a uma segunda e até terceira série de arcadas sobrepostas às primeiras (arcos visigóticos, em ferradura) que possibilitaram levantar os tectos e resolver o problema da iluminação.

A queda de Córdova teve consequências ao nível da própria mesquita já que ela foi transformada em catedral católica com modificações de gosto mais do que duvidoso. O casamento entre as duas arquitecturas não dá ao visitante a ideia de diálogo que poderia ser desejável e interessante já que diálogo sempre tinha havido antes da reconquista pelas forças católicas pois as comunidades islâmica, judaica e cristã sempre tinham convivido lado a lado. Mas os tempos eram já outros, os que foram impregnados pela influência nefasta e mesmo criminosa do Tribunal da Inquisição.

Apesar de tudo, a mesquita não foi destruída e entre os cristãos que lá estão sepultados e que honram o género humano conta-se D. Luís de Gôngora, um dos maiores poetas castelhanos de todos os tempos e que pertencia a uma importante família de Córdova. O seu túmulo está numa das capelas laterais.

Mas Córdova não é apenas a mesquita. É bom não esquecer que ao tempo da construção da mesquita, Córdova possuía qualquer coisa como 113 000 casas, cerca de 6 300 palácios, outras tantas mesquitas, 913 banhos e 80 000 lojas. A sua biblioteca tinha mais de 100 000 volumes quando quatro séculos mais tarde a biblioteca do rei de França possuía apenas um escasso milhar de volumes. Tenhamos presente ainda que tudo isto se passa antes do nascimento de Gutenberg, o inventor da imprensa. É simplesmente espantoso. Claro que tudo ou quase tudo foi destruído pelo tempo mas também pela fúria purificadora dos fundamentalistas que sempre aparecem para estragar o que os outros fazem.

E para além da mesquita há também o Alcázar dos Reis cristãos e aquele dédalo de ruinhas maravilhosas onde se escondem esses pátios que constituem uma das referências da cidade, pátios que frequentemente albergam belos restaurantes onde o turista pode se compensar do desgaste físico. Porque andar é a melhor maneira de conhecer uma cidade. No entanto, há umas caleches muito simpáticas que durante uma hora ou hora e meia nos levam de visita à cidade. É claro que não podem entrar nas ruas mais estreitas onde a solução não tem alternativa: a pé... e é se queres.

O bairro da Judiaria é, justamente, um desses bairros constituídos por ruas labirínticas onde pululam artesãos e restaurantes.

Do outro lado da ponte (Ponte Romana) encontra-se a Torre de la Calahorra.

Pode ainda visitar a Sinagoga no bairro da Judiaria (próximo à praça Maimónides e à rua de Averroes, praça e rua que levam os nomes dos dois grandes pensadores que aqui nasceram, o primeiro, judeu e o segundo, muçulmano e a quem o ocidente deve em primeira mão o conhecimento da obra de Aristóteles) e ver ainda o que resta da Medina Azahara, grande palácio mandado construir pelo califa Abderramão III para servir de presente à sua mulher favorita Zahra (a cerca de 7 ou 8 quilómetros da cidade).

No regresso a casa, um pequeno desvio, em Zafra, pode levar-nos a Mérida, cidade muito mais pequena mas que tem para ver o Teatro Romano, o Anfiteatro e o Museu de Arte Romana (ao lado uns dos outros) e ainda o célebre Aqueduto Romano de Los Milagros e bem assim o que resta do aqueduto de San Lorenzo, ambos sobre o rio Guadiana.

Pelo caminho, quer em Espanha, quer em Portugal podem-se descansar os olhos por uma paisagem serena onde não raro aparecem árvores encimadas por ninhos de cegonhas.

Aconselharia vivamente este passeio fora dos calores estivais, isto é fora do período compreendido entre Junho e Setembro, já que se trata de uma das regiões mais quentes de Espanha. Há muitos vestígios da presença árabe na península mas eu destacaria Granada, Córdova e Mértola. E com estas sugestões me despeço. Até breve!

Luís Serrano, Abril 2003. 

 


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