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D. Arcelina
Valente Moreira quando tinha 23 anos |
D. Arcelina Valente Moreira nasceu
no Porto, a 30.04.1894 e faleceu em Lisboa a 17.07.1976.
Era filha de Eduardo António
Moreira e D. Laura Cardoso Valente, sendo sua mãe, irmã do Conde João
Cardoso Valente e de D. Mónica. A 10.04.1894, os pais fizeram doação às
filhas Teresa e Arcelina, quando esta última tinha 20 dias.
Sendo D. Arcelina mais nova do que
a Condessa 31 anos e sua tia por afinidade, veio a sobreviver-lhe 30
anos. Mas enquanto vivas, partilharam, juntas, grande parte da sua
existência. O povo de Taboeira também a chamava de condessa, como que
dando continuidade à vivência das duas senhoras que, através dos seus
atos de beneficência, conquistaram o coração de alguns.
Diz, quem a conheceu, que era
alta, imponente, com busto volumoso. Pelas fotos que chegaram até nós,
não se poderá dizer que fosse uma mulher bonita, mas simpática, e o seu
nariz aquilino dava-lhe um ar determinado e inteligente. (Quando tinha
17 anos, D. Arcelina foi operada ao nariz pelo Dr. Avelino Monteiro,
tendo pago 317.000 réis).
Vestia-se com elegância, usando,
frequentemente, chapéu que ia da capeline, quando jovem de 18 anos, até
a uma simples boina, quando se encontrava na Quinta.
Depoimento de Maria Rosa “Rosa do
Campo” que mora em frente ao solar e que trabalhou na Quinta. Dona
Arcelina era alta, com ar de respeito. Usava blusa com laçarote e usava
chapéu, bengala e sapatos fechados. Andava acompanhada de um cão preto
chamado “Negus”. Os trabalhadores tinham muito respeito por ela.
Dona Arcelina era mais doce no
trato do que D. Aurora. Passava seis meses cá e seis meses em Lisboa
para onde iam no dia 3 de Outubro. Era uma verdadeira mãe para os pobres
e para os sobrinhos. Era muito religiosa. Mandava comer aos pobres e ia
a Aveiro comprar roupa para os mais necessitados. Apesar da idade, D.
Arcelina vestia-se com elegância, vestindo um vestido de veludo vermelho
com folhos e chapéu preto com véu.
Outro depoimento de quem
frequentava o solar diz que D. Arcelina era muito íntima da família
Costa Leite (Lombrales), e que era alta, elegante, simpática, polida e
uma autêntica fidalga.
Ninguém conheceu nenhum homem na
vida de D. Arcelina, mas um poema de sua autoria revela-nos um amor
frustrado que, pelos vistos, sempre encobriu. “Fantasia”, contraria um
pouco esse conhecimento.
“Não me deixes, não me largues
Sendo tu a minha vida
Pois sem ti estou perdida
Nesta imensa escuridão
És a luz e não a apagues
És a chama e o calor
Embora sejas traidor
És a minha salvação.”
Tinha sessenta e dois anos quando
o escreveu. Viveu e morreu agarrada a um amor impossível,
compensando-se, distribuindo amor por todos aqueles que dele
necessitavam. Entretanto, uma pessoa que frequentava o solar e conheceu
D. Arcelina, diz que esta senhora teve um caso de amor em Lisboa.
Enquanto vivas, D. Aurora e D.
Arcelina partilharam juntas grande parte da sua existência. É evidente
que D. Maria Aurora moldou o caráter da sua “filha” Arcelina (era assim
que a condessa a tratava), já que esta e sua irmã Teresa, desde tenra
idade e devido ao comportamento de sua mãe, sempre dependeram da
condessa, principalmente D. Arcelina, pois não tendo casado, acompanhava
sempre a tia.
Como não havia consanguinidade, é
natural que D. Arcelina tivesse uma personalidade e fisionomia
diferente, mas um sentimento D. Arcelina adquiriu, que foi o amor ao
próximo, tal como uma personalidade vertical. Quem conheceu a tia e a
sobrinha, diz que esta última era mais simples e meiga.
O seu comportamento cívico e
filantrópico, levou o Governo do Estado Novo, a 25.09.1963, a
condecorá-la, com a comenda do Grande Oficialato da Ordem de
Benemerência, nos jardins do Solar de Taboeira, no dia 13.09.1964.
Bartolomeu Conde, que a conheceu
pessoalmente, sintetiza no jornal Ecosde Cacia, de março de 1984, a
personalidade desta Senhora:
Embora a Sr.ª D. Arcelina não
herdasse o título de Condessa, nem alguma vez o tivesse usado em vida, o
certo é que o povo a tratava por Condessa de Taboeira, tratamento que a
Senhora não rejeitava e a que era afecta.
Dadas as suas reais virtudes de
caridade e bondade manifestadas a todos quantos recorriam aos seus
préstimos, aquela senhora era muito benquista na região e,
principalmente, no castiço povoado de Taboeira, onde tinha o seu Solar.
Não é de espantar portanto, que
toda a povoação se engalanasse no dia em que as autoridades, vindas de
Aveiro, lhe foram prestar a solene homenagem da imposição das insígnias
de Grande-Oficial da Benemerência, acto realizado nos jardins do Solar,
à sombra de frondoso arvoredo.
O povo, sempre grato a quem o
trata bem, trouxe para a rua, nesse dia, todos os vasos de flores que
Taboeira tinha, e até os pobres, que aproveitaram os penicos furados e
panelas velhas para os seus manjericos e cravos, ornamentaram em alas
floridas o trajecto por onde iria passar a comitiva oficial.
Eu, que nessa altura era um
assíduo colaborador do Ecos de Cacia, sensibilizado com estas
manifestações de ternura, fiz naquele semanário um relato mais ou menos
lírico do acontecimento. E escrevi às tantas, mais ou menos isto:
«Senhora, quando um povo recebe
assim os seus convidados, é porque a senhora vive no coração desse
povo!».
Fosse por isso ou não — mas creio
que foi por isso — a Sr.ª D. Arcelina escreveu-me uma amável carta
convidando-me a passar pelo seu solar, pois gostaria de me conhecer
pessoalmente.
Não corri ao convite, mas,
passados alguns meses, por companhia que fiz a um amigo que se ia
avistar com a Condessa (sempre foi esse o tratamento) tive ocasião de me
apresentar àquela distinta dama.
Agradeceu-me então o que a
propósito da condecoração eu havia escrito no Jornal de Cacia,
desviando-se depois a conversa para assuntos triviais do quotidiano.
Durante essa breve conversação
sempre a tratei por Sr.ª Condessa, e ela, por sua vez, chamando-me de
Sr. Conde.
Não dei conta, então, do caricato
da situação: a Senhora, aceitando o título; eu enfiado no meu fato
domingueiro, um Conde por benefício do nome.
Acabada a entrevista e já
respirando o ar puro dos ciprestes do jardim do solar, o meu amigo dá
uma sonora gargalhada:
— Gaita!... Sr.ª Condessa para
aqui, Sr. Conde para acolá, até me julguei na Corte do Rei de
Inglaterra.
Saímos o portão da quinta, a
rirmo-nos a bandeiras despregadas. Ainda hoje, quando encontro esse
amigo, a nossa conversa é precedida duma boa e saudável gargalhada.
(Reproduzidas apenas as 5 primeiras páginas.) |