“Desta povoação antiquíssima,
anterior à formação da independência de Portugal, são os seguintes
documentos, os mais antigos que nos são dado conhecer.
Uma escritura de doação de
Taboeira ao Mosteiro de Lorvão por D. Afonso Henriques e um Foral deste
mesmo Mosteiro aos habitantes de Taboeira: o primeiro datado do séc. XII
e o segundo com data do séc. XIII13.
A povoação (Esgueira) recebeu o
Foral do Conde D. Henrique em 1110. Em 1106, o Mosteiro de Lorvão tinha
também bens, nesta vila, alargados pelo nosso primeiro rei com a doação
de Taboeira e outras, em 1176. Mas foi D. Sancho I que lhe definiu o
senhorio, por testamento à sua filha D. Teresa, em outubro de 1210.
Porém, na sequência de desavenças
familiares, foi por ação de D. Sancho II que a~situação se clarificou,
no ano de 1223, ficando Esgueira, à morte de D. Teresa, para o Mosteiro
de Lorvão, “DO JURE ET HEREDIDATE”. Relativamente à Freguesia de
Taboeira sabemos que, no século XV, esta era a mata que servia Esgueira.
Distante do agregado, cerca de 500
metros para este, entre as árvores que a compunham, destacam-se os
amieiros (esta árvore dá-se bem nos terrenos húmidos), o paul que a
integrava fornecia juncos e canas. Esta mata, cujo uso era livre e,
tradicionalmente, aberto aos moradores de Esgueira, pertencia ao Rei14.
Tinha monteiros e guardadores que,
em determinada altura, lhes tentaram vedar o usufruto, muito embora em
vão.
O foral de 1185 ou de 1211,
portanto, de há quase mil anos, rezava que os Habitatoribus In Nostra
Villa de Tauoeira. É difícil saber-se se gozava de categoria jurídica
superior a uma aldeia, ou se funcionava apenas como propriedade de
exploração agrícola, sendo esta hipótese a mais provável, dado que o
Mosteiro de Lorvão, como se disse atrás, determinava que “mandamos e
confirmamos por esta carta que todos os que por suas mãos lavrarem e
plantarem e construírem, deem a sexta parte com honestidade ao
Mosteiro”. Provavelmente, estas ordens eram cumpridas através de um
meirinho que controlava a administração, e de um anadel que obrigava a
cumpri-las. Estas autoridades seriam, com certeza, indivíduos de estirpe
social elevada e até mesmo nobres e que, a manterem essa linhagem,
tornaram Taboeira apetecível.
No entanto, outras razões tais
como: os seus terrenos produtivos, o seu encanto aprazível e bucólico e,
porque não, a proximidade do Rio Vouga que, navegável, permitia o acesso
a outras paragens e, que, além do pescado e do estrume, podem ter
atraído os seus primeiros habitantes.
A dada altura, os taboeirenses
tudo fizeram para que a sua aldeia passasse a freguesia, pretensão
justificada devido à grande distância dos centros de decisão.
Puseram a questão à condessa de
Taboeira que lhes comunicou “Que só com minha intervenção muito direta
junto dos Bispos do Porto e de Coimbra”15.
A 17 de maio, a pretensão dos
tabueirenses não foi avante. Havia um exemplo muito próximo que não
ajudou16/17.
No entanto, é de relevar o
interesse da condessa que conseguiu congregar muitos tabueirenses, como
comprova a transcrição da sua carta de 01.08.1915:
Logo que tive conhecimento dos
vossos desejos por intermédio do Manoel Lares, escrevi aos Exmos. e
Reverendos Bispos do Porto e Coimbra, e, depois de várias idas e vindas
do Manoel, a quem bem, como ele merece, apresentei por escrito a estes
senhores Bispos, apurámos, que só com minha intervenção muito direta
poderíamos, talvez, esperar o bom resultado dos vossos desejos... Poder
provar que este lugar merece tão alta distinção, preciso ouvir, de todas
as pessoas de Taboeira, que aprovam esta empresa em que me vou envolver
e se comprometerem, com as suas assinaturas, a pagarem anualmente a
quantia que for precisa... Imaginamos, que 61 fogos, pelo menos, dos 147
que tem este lugar, estarão dispostos a pagarem a quota que se lhes
indicar.
A condessa apresenta o rol das
despesas que importam em 500.000 réis e conclui “Se estes 61 fogos (Em
1758: Taboeira tinha 99 vizinhos e 225 pessoas) – em 1873, Taboeira
tinha 400 moradores, a que me referi, pagarem anualmente 8.500 réis,
crescerão para os 500.000 réis, 18.500 réis anuais... Que serviriam para
imprevistos... Só depois desta questão monetária resolvida serão
tratadas, assim como só então será feito o pedido formal... Uma vez que
seja concedida a Freguesia, todas as pessoas de Taboeira, que sejam
competentes terão direito a expressar as suas ideias com relação à boa
organização da Freguesia.” Por fim, a condessa exemplifica como os
interessados devem fazer a sua declaração, que aqui se segue: “Taboeira
1º de Agosto de 1915, declaro que estou conforme com pagar anualmente a
quantia de 912 réis, no caso de obter uma Freguesia para este Lugar de
Taboeira. João Rodrigues Calafate e Silva.” Por sua vez, o casal Ana de
Sebastião Gonçalves Cartaxo e Manual Simões Lares estavam dispostos a
pagar 5.475 réis por ano. Pelo que foi possível constatar, a adesão foi
maciça.
♦
Nos anos cinquenta, os
taboeirenses, mesmo longe do rincão que os viu nascer, nunca o
esqueceram e, prova disso, é a constituição de uma “Comissão Auxiliar do
Progresso de Taboeira”, com sede na Rua da Quintinha, Lisboa, tendo como
presidente Manuel Marques Fernandes (cremos que Manuel Oliveira Lares
estaria por detrás desta iniciativa, tanto mais que D. Arcelina era
sócia honorária da C.A.P.T.)
Os estatutos da C.A.P.T., no
Capítulo I, Artigo 3º, rezam: “A comissão tem especialmente por fim: 1º
Procurar, por todos os meios ao seu alcance, que Taboeira seja dotada de
todos os melhoramentos necessários ao seu progresso e desenvolvimento; –
2º Dedicar à causa da Instrução Pública, na referida terra, uma atenção
especial, estimulando e amparando as crianças em idade escolar; – 3º
Reclamar, de quem de direito, tudo quanto julgue necessário ao
desenvolvimento da mesma localidade e da sua população; – 4º Manter,
entre todos os filhos e amigos de Taboeira, a mais perfeita união,
fortalecendo as relações que entre eles existirem e, dispensando-lhe a
maior solidariedade, quando hajam sido vítimas de qualquer fatalidade,
para a qual não tenham concorrido.”
________________________
13 M. Rosa G.N.G.
14 Silva; 1994:120 - Divisão
de Museus e Património Histórico
15 Nessa época (1915),
curiosamente coincidente com a consagração do primeiro Bispo, após a
implantação da República que a 23.02.1918 por intermédio de Sidónio Pais
é alterada a Lei da Separação entre o Estado e a Igreja, dá-se a
10.07.1918 o reatamento das relações diplomáticas com a Santa Sé que
tinham sido cortadas em 10.07.1913. Talvez por estas razões a subdivisão
administrativa era paroquial, apesar da atual divisão do território
datar de 1835 (Mouzinho da Silveira, 1780-1849), mas mais de natureza
fiscal que judicial. Mouzinho da Silveira (1780-1849) a 4 de abril 1832
extingue morgados e capelas que não atingissem um certo rendimento
líquido e legisla no sentido de libertar bens vinculados e facilitar a
sua abolição. – A 16 de maio define a organização administrativa do
país, dividindo-o em províncias, comarcas e concelhos e regula o
referendo à organização judicial, que dividia o país em círculos
judiciais, comarcas, julgados e freguesias. (O decreto de 11.07.1822
criou 785 municípios e 4086 juntas de Paróquia). Em 1836, Passos Manuel
extingue 751 concelhos, passando a 351. Em 26.06.1867, foi publicada a
Lei da Administração Civil que tentou extinguir 104 concelhos, dando
origem a que o Governo caísse e fosse revogado o Decreto da Reforma
Administrativa.
16 O grande desenvolvimento
antigo de Esgueira nos tempos passados provém, em primeiro lugar, da sua
vida marítima e, depois, do facto de ter sido elevada a cabeça de
comarca, tendo jurisdição sobre trinta e uma vilas e dez concelhos.
A causa da sua decadência foi o afastamento progressivo da linha de maré
que fez com que ficassem no interior antigas terras do litoral, bem com
a vizinhança de Aveiro que, politicamente, a suplantou, absorvendo a sua
comarca. Criada em 20 de dezembro de 1533, esta comarca provém da
remodelação operada por D. João III. No princípio do século XVII, porém,
estava incorporada na comarca de Coimbra, vindo a recuperar, no século
XVIII, a sua independência e a ser uma das nove circunscrições que
formaram a província da Beira.
Com a elevação de Aveiro a cidade e a sua passagem à categoria de terra
da Coroa – após o confisco aos Duques de Aveiro implicados no atentado
contra D. José I – desapareceram antigos privilégios do ducado, passando
esta a ser cabeça de comarca, e transferindo-se então, logicamente, a
hegemonia administrativa anteriormente na posse de Esgueira. É de 11 de
abril de 1759 a lei que extingue a provedoria de Esgueira.
17 Esgueira – Cá está um
topónimo difícil de deslindar. Há várias versões, mas a mais consensual,
pelo menos entre o povo anónimo, é de que deriva de um barco que se
encontrava de esguelha, o que não nos parece viável, pois ao longo da
costa portuguesa sempre houve barcos de esguelha (esguelha = través,
oblíquo, soslaio, diagonal) e que se sabia não há outra Esgueira ou
sequer semelhante (veja-se o caso de Taboeira, que está espalhada por
todo o país e nas proximidades de água doce). O saudoso escritor
Gonçalves Venâncio também defendia a tese ‘esguelha’, fiando-se numa
lenda herdada do primeiro milénio da era de Cristo.
Há muitos anos lemos algures que Esgueira deriva de salário, no tempo em
que os romanos passaram por cá.
A dar algum crédito, lá vem na Grande Enciclopédia, página 150 que
“Esgueirar – significa que entre outras coisas: esgueirou-lhe dinheiro
sem êle perceber!” Mas a certeza deu-nos o atual Dicionário Enciclopédia
Português, volume quatro, página 369, onde vem claramente expresso que
“Esgueira significa o pagamento da jorna ao trabalho rural”.
Mas esta conclusão não deslinda de todo a origem do topónimo, pois se
Esgueira vem de salário, porque não há outras povoações com o mesmo nome
onde o salário funcionava!
“Esgueira, antiga vila bem assistida de famílias de distinção e avultada
fazenda, Concelho e cabeça de Comarca, à jurisdição da qual vinte e
nove, entre as quais Vilar (que pelo menos a 4 de agosto de 1515
dependia de Esgueira) se subordinavam, com a perda da sua autonomia
administrativa em 1836 e respetiva incorporação no Concelho de Aveiro,
viu decair e desaparecer a posição de relevo que até aí ocupava”. |