Vidas Atribuladas: Condessa de Taboeira e D. Arcelina Valente Moreira, Aveiro, 2013, 254 págs.

Taboeira antiga – breve historial

“Desta povoação antiquíssima, anterior à formação da independência de Portugal, são os seguintes documentos, os mais antigos que nos são dado conhecer.

Uma escritura de doação de Taboeira ao Mosteiro de Lorvão por D. Afonso Henriques e um Foral deste mesmo Mosteiro aos habitantes de Taboeira: o primeiro datado do séc. XII e o segundo com data do séc. XIII13.

A povoação (Esgueira) recebeu o Foral do Conde D. Henrique em 1110. Em 1106, o Mosteiro de Lorvão tinha também bens, nesta vila, alargados pelo nosso primeiro rei com a doação de Taboeira e outras, em 1176. Mas foi D. Sancho I que lhe definiu o senhorio, por testamento à sua filha D. Teresa, em outubro de 1210.

Porém, na sequência de desavenças familiares, foi por ação de D. Sancho II que a~situação se clarificou, no ano de 1223, ficando Esgueira, à morte de D. Teresa, para o Mosteiro de Lorvão, “DO JURE ET HEREDIDATE”. Relativamente à Freguesia de Taboeira sabemos que, no século XV, esta era a mata que servia Esgueira.

Distante do agregado, cerca de 500 metros para este, entre as árvores que a compunham, destacam-se os amieiros (esta árvore dá-se bem nos terrenos húmidos), o paul que a integrava fornecia juncos e canas. Esta mata, cujo uso era livre e, tradicionalmente, aberto aos moradores de Esgueira, pertencia ao Rei14.

Tinha monteiros e guardadores que, em determinada altura, lhes tentaram vedar o usufruto, muito embora em vão.

O foral de 1185 ou de 1211, portanto, de há quase mil anos, rezava que os Habitatoribus In Nostra Villa de Tauoeira. É difícil saber-se se gozava de categoria jurídica superior a uma aldeia, ou se funcionava apenas como propriedade de exploração agrícola, sendo esta hipótese a mais provável, dado que o Mosteiro de Lorvão, como se disse atrás, determinava que “mandamos e confirmamos por esta carta que todos os que por suas mãos lavrarem e plantarem e construírem, deem a sexta parte com honestidade ao Mosteiro”. Provavelmente, estas ordens eram cumpridas através de um meirinho que controlava a administração, e de um anadel que obrigava a cumpri-las. Estas autoridades seriam, com certeza, indivíduos de estirpe social elevada e até mesmo nobres e que, a manterem essa linhagem, tornaram Taboeira apetecível.

No entanto, outras razões tais como: os seus terrenos produtivos, o seu encanto aprazível e bucólico e, porque não, a proximidade do Rio Vouga que, navegável, permitia o acesso a outras paragens e, que, além do pescado e do estrume, podem ter atraído os seus primeiros habitantes.

A dada altura, os taboeirenses tudo fizeram para que a sua aldeia passasse a freguesia, pretensão justificada devido à grande distância dos centros de decisão.

Puseram a questão à condessa de Taboeira que lhes comunicou “Que só com minha intervenção muito direta junto dos Bispos do Porto e de Coimbra”15.

A 17 de maio, a pretensão dos tabueirenses não foi avante. Havia um exemplo muito próximo que não ajudou16/17.

No entanto, é de relevar o interesse da condessa que conseguiu congregar muitos tabueirenses, como comprova a transcrição da sua carta de 01.08.1915:

Logo que tive conhecimento dos vossos desejos por intermédio do Manoel Lares, escrevi aos Exmos. e Reverendos Bispos do Porto e Coimbra, e, depois de várias idas e vindas do Manoel, a quem bem, como ele merece, apresentei por escrito a estes senhores Bispos, apurámos, que só com minha intervenção muito direta poderíamos, talvez, esperar o bom resultado dos vossos desejos... Poder provar que este lugar merece tão alta distinção, preciso ouvir, de todas as pessoas de Taboeira, que aprovam esta empresa em que me vou envolver e se comprometerem, com as suas assinaturas, a pagarem anualmente a quantia que for precisa... Imaginamos, que 61 fogos, pelo menos, dos 147 que tem este lugar, estarão dispostos a pagarem a quota que se lhes indicar.

A condessa apresenta o rol das despesas que importam em 500.000 réis e conclui “Se estes 61 fogos (Em 1758: Taboeira tinha 99 vizinhos e 225 pessoas) – em 1873, Taboeira tinha 400 moradores, a que me referi, pagarem anualmente 8.500 réis, crescerão para os 500.000 réis, 18.500 réis anuais... Que serviriam para imprevistos... Só depois desta questão monetária resolvida serão tratadas, assim como só então será feito o pedido formal... Uma vez que seja concedida a Freguesia, todas as pessoas de Taboeira, que sejam competentes terão direito a expressar as suas ideias com relação à boa organização da Freguesia.” Por fim, a condessa exemplifica como os interessados devem fazer a sua declaração, que aqui se segue: “Taboeira 1º de Agosto de 1915, declaro que estou conforme com pagar anualmente a quantia de 912 réis, no caso de obter uma Freguesia para este Lugar de Taboeira. João Rodrigues Calafate e Silva.” Por sua vez, o casal Ana de Sebastião Gonçalves Cartaxo e Manual Simões Lares estavam dispostos a pagar 5.475 réis por ano. Pelo que foi possível constatar, a adesão foi maciça.

Nos anos cinquenta, os taboeirenses, mesmo longe do rincão que os viu nascer, nunca o esqueceram e, prova disso, é a constituição de uma “Comissão Auxiliar do Progresso de Taboeira”, com sede na Rua da Quintinha, Lisboa, tendo como presidente Manuel Marques Fernandes (cremos que Manuel Oliveira Lares estaria por detrás desta iniciativa, tanto mais que D. Arcelina era sócia honorária da C.A.P.T.)

Os estatutos da C.A.P.T., no Capítulo I, Artigo 3º, rezam: “A comissão tem especialmente por fim: 1º Procurar, por todos os meios ao seu alcance, que Taboeira seja dotada de todos os melhoramentos necessários ao seu progresso e desenvolvimento; – 2º Dedicar à causa da Instrução Pública, na referida terra, uma atenção especial, estimulando e amparando as crianças em idade escolar; – 3º Reclamar, de quem de direito, tudo quanto julgue necessário ao desenvolvimento da mesma localidade e da sua população; – 4º Manter, entre todos os filhos e amigos de Taboeira, a mais perfeita união, fortalecendo as relações que entre eles existirem e, dispensando-lhe a maior solidariedade, quando hajam sido vítimas de qualquer fatalidade, para a qual não tenham concorrido.”

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13 M. Rosa G.N.G.

14 Silva; 1994:120 - Divisão de Museus e Património Histórico

15 Nessa época (1915), curiosamente coincidente com a consagração do primeiro Bispo, após a implantação da República que a 23.02.1918 por intermédio de Sidónio Pais é alterada a Lei da Separação entre o Estado e a Igreja, dá-se a 10.07.1918 o reatamento das relações diplomáticas com a Santa Sé que tinham sido cortadas em 10.07.1913. Talvez por estas razões a subdivisão administrativa era paroquial, apesar da atual divisão do território datar de 1835 (Mouzinho da Silveira, 1780-1849), mas mais de natureza fiscal que judicial. Mouzinho da Silveira (1780-1849) a 4 de abril 1832 extingue morgados e capelas que não atingissem um certo rendimento líquido e legisla no sentido de libertar bens vinculados e facilitar a sua abolição. – A 16 de maio define a organização administrativa do país, dividindo-o em províncias, comarcas e concelhos e regula o referendo à organização judicial, que dividia o país em círculos judiciais, comarcas, julgados e freguesias. (O decreto de 11.07.1822 criou 785 municípios e 4086 juntas de Paróquia). Em 1836, Passos Manuel extingue 751 concelhos, passando a 351. Em 26.06.1867, foi publicada a Lei da Administração Civil que tentou extinguir 104 concelhos, dando origem a que o Governo caísse e fosse revogado o Decreto da Reforma Administrativa.

16 O grande desenvolvimento antigo de Esgueira nos tempos passados provém, em primeiro lugar, da sua vida marítima e, depois, do facto de ter sido elevada a cabeça de comarca, tendo jurisdição sobre trinta e uma vilas e dez concelhos.
A causa da sua decadência foi o afastamento progressivo da linha de maré que fez com que ficassem no interior antigas terras do litoral, bem com a vizinhança de Aveiro que, politicamente, a suplantou, absorvendo a sua comarca. Criada em 20 de dezembro de 1533, esta comarca provém da remodelação operada por D. João III. No princípio do século XVII, porém, estava incorporada na comarca de Coimbra, vindo a recuperar, no século XVIII, a sua independência e a ser uma das nove circunscrições que formaram a província da Beira.
Com a elevação de Aveiro a cidade e a sua passagem à categoria de terra da Coroa – após o confisco aos Duques de Aveiro implicados no atentado contra D. José I – desapareceram antigos privilégios do ducado, passando esta a ser cabeça de comarca, e transferindo-se então, logicamente, a hegemonia administrativa anteriormente na posse de Esgueira. É de 11 de abril de 1759 a lei que extingue a provedoria de Esgueira.

17 Esgueira – Cá está um topónimo difícil de deslindar. Há várias versões, mas a mais consensual, pelo menos entre o povo anónimo, é de que deriva de um barco que se encontrava de esguelha, o que não nos parece viável, pois ao longo da costa portuguesa sempre houve barcos de esguelha (esguelha = través, oblíquo, soslaio, diagonal) e que se sabia não há outra Esgueira ou sequer semelhante (veja-se o caso de Taboeira, que está espalhada por todo o país e nas proximidades de água doce). O saudoso escritor Gonçalves Venâncio também defendia a tese ‘esguelha’, fiando-se numa lenda herdada do primeiro milénio da era de Cristo.
Há muitos anos lemos algures que Esgueira deriva de salário, no tempo em que os romanos passaram por cá.
A dar algum crédito, lá vem na Grande Enciclopédia, página 150 que “Esgueirar – significa que entre outras coisas: esgueirou-lhe dinheiro sem êle perceber!” Mas a certeza deu-nos o atual Dicionário Enciclopédia Português, volume quatro, página 369, onde vem claramente expresso que “Esgueira significa o pagamento da jorna ao trabalho rural”.
Mas esta conclusão não deslinda de todo a origem do topónimo, pois se Esgueira vem de salário, porque não há outras povoações com o mesmo nome onde o salário funcionava!
“Esgueira, antiga vila bem assistida de famílias de distinção e avultada fazenda, Concelho e cabeça de Comarca, à jurisdição da qual vinte e nove, entre as quais Vilar (que pelo menos a 4 de agosto de 1515 dependia de Esgueira) se subordinavam, com a perda da sua autonomia administrativa em 1836 e respetiva incorporação no Concelho de Aveiro, viu decair e desaparecer a posição de relevo que até aí ocupava”.

 
 

21-03-2014