Vidas Atribuladas: Condessa de Taboeira e D. Arcelina Valente Moreira, Aveiro, 2013, 254 págs.

Incidências que a memória guardou

Incidências que a memória guardou Numa análise crua e desinteressada, parece-nos que a morte prematura do conde de Taboeira esteve na base do desmoronar do grande património que seu pai herdou e acumulou, como grande comerciante da praça do Porto.4

D.5 Maria Aurora lutou, bravamente, para preservar o património que herdou, mas sozinha, e confiando em demasia em procuradores e feitores que agiam à distância, foi-lhe impossível travar o desmoronar de parte da fortuna. Por outro lado é sabido, no caso concreto do Cardoso Valente e Teles da Silva, que, na sua maioria, apenas viviam dos rendimentos, ou seja, muito gastavam e nada produziam.

A sumptuosidade em que se vivia exigia enormes despesas. Imaginemos os espaços habitacionais ocupados pelos condes. Assim, e mencionando os que temos a certeza que habitaram, referimos os palacetes, no Porto e em Lisboa, a casa na praia da Granja, o Solar de Taboeira e o Hotel do Porto, este a última morada do conde. Pessoas que frequentavam a corte e que todos os anos iam para termas no país e no estrangeiro, rodeados de serviçais, tinham, forçosamente, grandes despesas, e os produtos da terra e ações no Mercado da Bolsa ou em sociedades que muitas vezes fracassaram. Houve anos, em que as vinhas tiveram doenças como o míldio (popularizada por “mil-diabos” ou “mal negro”), e o minério entrou em colapso, assim como o Banco da Covilhã, onde tinham ações, que acabou por falir.

Por transmissão oral de uma senhora de noventa e três anos, mas absolutamente lúcida, soubemos que um feitor de propriedades de Alijó começou por vender vinho, cascos e terrenos sem prestar contas a D. Maria Aurora.

Por sua vez, os foreiros chegavam a estar seis anos sem pagar, obrigando a condessa a recorrer à Justiça (como consta nas cartas para o Dr. Jaime Duarte Silva acerca dos foreiros). Por volta de 1980, uma pessoa íntima do solar de Taboeira e sobejamente conhecida, pediu a D. Arcelina uma quantia à volta de cem contos e, como foi definitivamente para o Porto, nunca mais saldou a dívida, o que levou D. Arcelina a ter de vender património, para cumprir com os seus compromissos.

Mais recentemente, e comprovados por documentos, Maria Eugénia Teles da Silva Valente Moreira, constituiu um procurador com “plenos poderes para vender pelo preço e condições que julgasse conveniente, quaisquer imóveis ou direitos sobre imóveis, bem como quinhões hereditários, e assinar as necessárias escrituras”. Não se podendo daqui tirar conclusões, para além de uma confiança ilimitada mas também o facilitismo e ânimo leve, torna óbvio que um procurador menos escrupuloso pode ter tirado benefício de tal procuração.

Ouvimos também insinuações de que um notário, por intermédio de um empregado da Quinta, conseguia por favores mútuos obras de arte do solar. Há uma conjugação de factos que deixa interrogações. Como por exemplo, quando, em 1977, João Teles da Silva doou o terreno para a nova escola, D. Maria Eugénia apareça “apenas como beneficiária de metade do usufruto”. Estará este facto relacionado com o seu casamento com António Ezquierdo e posterior divórcio, ou com o seu comportamento menos condigno com a sua condição, e influenciada por uma ligação, diz-se que íntima, com um oficial da A.G.P.L.

Há várias versões acerca do comportamento de D. Maria Eugénia. Pessoa bem informada diz que ela traiu o marido com uma figura pública de Aveiro. Havia cartas comprometedoras que D. Maria Eugénia mandou uma empregada destruir. O seu comportamento, que levou D. Arcelina a deserdá-la em benefício de D. João, parece confirmar estes ditos.

D. João sobreviveu um ano à tia Arcelina, mas por relatos de quem viveu de perto com ele, depois da sua esposa morrer, foi sempre um homem que não cuidava de orientar os seus bens.

Pelo facto dos últimos donos não colaborarem nas nossas pesquisas, não sabemos em que estado estava e onde foi parar o recheio do solar. Há quem visse o que restava do solar e da capela ser carregado em camionetas fretadas pelos últimos herdeiros. Quando o visitámos pela primeira vez, apesar de terem sido montadas grades nas portas, estas estavam escancaradas e a ruína progressiva continuava, até à sua total derrocada.

Por fim, a 2 de Junho de 1999, os cinco herdeiros Teles da Silva, venderam à Câmara Municipal de Aveiro, o solar e os terrenos adjacentes. Entretanto, já um interessado, de nome Costa Rios, tinha, em 1995, comprado a área chamada Gramão. Nada sabemos em concreto dos atuais Cardoso Valente e Teles da Silva, apenas que dois dos cinco últimos herdeiros se dedicam ou dedicaram à Engenharia e ao Canto. Informações avulsas e, por isso, desconexas, deixam sempre pairar no ar a dúvida. Ilações e conclusões, cada leitor tirará as que entender.

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4. Admitimos que o início da fortuna tem a ver com o facto de, em 1625, o 3º conde de Tarouca, D. Duarte Luís de Menezes, ter ido na expedição da Restauração da Baía, assim como D. Fernando Teles da Silva Caminha e Menezes (09-06-1754 – 10-12-1818), 7º Conde de Tarouca, que foi governador das capitanias de S. Paulo e Rio Grande do Sul, sendo ambos ascendentes de D. João Valente Moreira Teles da Silva (14-01-1916 – 29-08-1977). A reforçar esta nossa congeminação, a 02-09-1896, aquando da entrega à co-herdeira D. Mónica Cardoso Valente (como consta, os Cardoso Valente estavam matrimonialmente ligados aos Teles da Silva) na questão da herança, está mencionado na rubrica “ouro-amoedado”, a verba nº 185 em que consta, “moeda d´ouro brasileiro”, isto é, setenta e oito anos depois de Fernando Teles da Silva demandar S. Paulo e o Rio Grande do Sul.

5 Nota: Em 1916, data de nascimento de D. João Valente Moreira Teles da Silva, já não existia a designação “Dons”, mas se inserimos este termo é porque todos os que gravitaram à volta das biografadas assim os tratavam.

 
 

21-03-2014