A Ria de Aveiro - Um olhar resvés

COSTA NOVA DO PRADO E BARRA

 

A Costa Nova do Prado, que deve a sua origem à abertura da nova barra de 1808, pois os proprietários Ilhavenses que possuíam “companhas”, ou seja a arte da xávega com aqueles barcos “meia-lua”, em S. Jacinto, ali pela Senhora das Areias, viram-se obrigados a deslocar-se mais para Sul.

Escolheram um local que ficasse na direcção de Ílhavo, em frente da Gafanha da Encarnação, antiga Gafanha da Gramata, que possuía um enorme prado, verdejante. Daí, a Costa Nova do Prado.

Em 1840 já lá operavam sete companhas utilizando até 1877 o homem que trazia um jugo cingido ao corpo puxando a rede para terra.

Só depois dessa data se acabou com esse processo desumano, começando-se a utilizar os bois.

Os carros de bois, de rodas largas para não se enterrarem na areia, traziam o peixe em enormes gigos até ao lado da ria onde se tinham construído os palheiros em tábuas sobrepostas, pintadinhos de vermelho escuro e assentes em estacaria, tendo à frente um pequeno cais onde atracavam as embarcações.

Em 1898 construiu-se uma pequena estrada na zona da Bela-Vista, só ficando concluída em 1932.

Entretanto, e já em 31 de Agosto de 1930, e na ligação com aquela estrada e Praia da Barra, fazendo um triângulo, disputou-se o 1 Circuito do Centro de Portugal em Motos, numa extensão de 20 Km. O vencedor, Mário Teixeira, que ganhou o prémio de 300$00 e uma taça de prata, atingiu a média de 81,374 Km/hora!

Aí por 1850 as pessoas de Ílhavo, Aveiro e de outras terras começaram a ir lá para banhos; e a prova disso é o facto de José Estêvão comprar a um tal Manuel Marinho de Viseu o palheiro que hoje é um pretenso Museu com o nome daquele ilustre Aveirense! É mesmo à entrada da Costa Nova!...

Quando era jovem, os meus pais alugavam uma “arrecoleta”, que era uma pequena casa de duas divisões e que ficava no pátio das casas grandes, seguidinhas umas às outras.

Lindo de se ver era o dia da Festa da Nossa Senhora da Saúde com a ria cheia de barcos de velas enfunadas e embandeiradas cheios de gente alegre, com enormes farnéis e acompanhados sempre por vários instrumentos musicais. Não faltavam os coretos, as armações, os altifalantes, os vendedores ambulantes, as barracas dos doces, os mendigos arrastando-se pelo chão e de mão estendida; e também o passeio dos namorados ao longo da pérgula que retinha as águas reflectindo os milhares de luzinhas das armações.

Fora desses dias e fora da hora do banho obrigatório, com banheiro façanhudo e de fato inteiriço às riscas, passava o tempo sentado na mota do lado da Ria, a apanhar caranguejos com um fio onde amarrava um bocado de sardinha. Depois trazia-os para casa, lá para a lomba, metendo-os dentro dum tanque onde morriam à fome, teimosamente, apesar de lhes encher o tanque de água doce com sal e muita comida!

Na Costa Nova, para além dos seus famosos palheiros, hoje pintados já com outras cores, e que são intercalados por outras casas de cimento autorizadas por Câmaras alheias à preservação do património e que servem de alvo a uma plêiade de pintores e fotográfos, há a Epifânia que misturando palavrões faz caldeiradas de se lhes tirar o chapéu, e a justa homenagem através dum busto de Abel Salazar ao arrais Gabriel Ançã, nascido em 1869, homem bom e justo, homenageado por António José de Almeida, após ter arrancado ao mar 103 vidas!...

Praia da Barra, conhecida ainda em 1777 por Caveira, com Farol da Barra como ex-libris, mas sobretudo para os mais antigos a celebérrima Festa da Nossa Senhora dos Navegantes, que se celebra na última segunda-feira de Setembro.

Tinha tanta importância para os Aveirenses que, em 1927, o Sindicato dos Empregados de Escritório e Caixeiros, ao celebrar o seu primeiro Contrato Colectivo, trocou, sacrificando os domingos durante a Feira de Março, por um feriado obrigatório na citada segunda-feira.

Nesse dia, a pé, de bicicleta, de carro de cavalos, munidos de um bruto farnel, toda a gente se deslocava para a praia da Barra; os principais atractivos eram a procissão com a imagem da Nossa Senhora dos Navegantes, desde a sua capelinha do Forte, construída em 1862, até ao Farol; e o bota-abaixo, ou seja, puxar as pernas das raparigas, de forma a elas caírem na areia. Era caricato vê-las a arrastarem-se pela areia para se deslocarem ou em pequenas passadas e logo se aninharem ao aproximar-se algum rapaz. Raro era o ano em que não houvesse pancadaria com namorados ciumentos, como eu vi uma vez um ficar com os óculos partidos e a escorrer sangue. Eles sabiam de antemão as regras do jogo; e se não queriam ver as suas namoradas molestadas não iam para a zona da praia. O Zé ria-se com ar maroto e dizia que sim com a cabeça.

Continuando, e passando por debaixo da ponte de madeira com onze vãos e 169 metros de comprimento ou pelas portas de água divididas pela Marinha Velha, que ainda fazia sal em 1930.

Chegamos ao ponto de tantas confluências - a Barra!

Barra que andou a saltar de lado para lado ao sabor da força do alteroso Atlântico e da consequente evolução das dunas. (...)


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