A Ria de Aveiro - Um olhar resvés

MARINHAS, CAPELAS E ROSSIO

 

E de novo as marinhas: Parda, Viloa, Vigária, Leoa, Misericórdia, Carapuceira, Rabequinha, Pacheca, Freira, Reduzia, Passã, esta por detrás da lota do peixe, Novazinha, Rosa Branca, – que juntamente com a Apresentação é hoje pertence do sargento Rocha e dos herdeiros do Dr. Jorge –, depois a Caniceira, a Ponte de Lés, Noeirinha, Rendalha, Balacozinha, a Rata e a Ponte, mesmo à beira do canal de S. Roque e à vista da Ponte de S. João.

E o Canal das Pirâmides a quem depois chamam Central e Canal do Cojo e já chamaram da Ribeira, esse “ex-libris’ que passa por dentro da cidade ladeado de muralhas, e a sombra das 29 palmeiras do Rossio alinhadinhas, talvez trazidas nos olhos de navegadores de paragens tropicais de além-Atlântico. Canal onde as bateiras e lanchas estão amarradas a estacas iguais àquelas das gôndolas, imitação grotesca para que chamem a Aveiro Veneza de Portugal! E o Rossio, local onde existia a marinha Rossia, e que teria precisamente esse nome por ser contígua à Praça Pública, ou seja a Ressio, ou Rossio como há noutras cidades, expropriada em 1851 e depois terraplanada dando origem ao actual terreiro; daqui, o homem sem noção do que é o património cultural destruiu em 1911 a capelinha de S. João construída em 1607. Há quem diga que a capela era da altura da fundação de Portugal, o que leva a admitir que já havia o Rossio nessa época.

Será esta marinha Rossia, a de nome Resio, da doação de Afonso Domingues em 1417?

O Rossio da cidade onde ainda há bem pouco se fazia a celebérrima Feira de Março!

Foi El-rei D. Duarte, o “Eloquente’, que em 1434 ordenou a seu irmão o Infante D. Pedro que se fizesse uma Feira Franca no primeiro dia de Maio até ao dia de S. Miguel, isto é, durante oito dias. Podia vender-se tudo menos carne e vinho. Os guardas, que andavam montados nas suas bestas e armados, não podiam prender ninguém que fosse criminoso, a não ser que cometesse novo crime na própria feira.

Também ninguém podia ser citado por causa das suas dívidas!

A partir de 1497, a Feira passou para Março. Feira de Março, onde, em miúdos, ficávamos paralisados e de boca aberta a ver o João da Carolina que se derretia todo, ou comprávamos com os magros tostões um colorido apito de barro!

A Feira findava, e as barracas ainda ali ficavam alinhadinhas durante algum tempo, servindo de templo de amores a troco de dinheiro; e onde o Zé Lito, pintor de azulejos da Fábrica Aleluia, aliciava a Berta Canuda para “ir com ele”, a troco de um lápis, um pente e dois tostões!...

Que o Rossio foi palco de grandes acontecimentos que marcaram as varias épocas da evolução de Aveiro não há dúvida. O mais remoto, depois de ser marinha de sal, foi o decreto do Prior do Crato, em 3 de Julho de 1580, para se fazer um forte de terra, pois aqui não havia pedra, no Rossio da Vila, para os espingardeiros desembarcarem e se defenderem; o que faz supor serem atacados por invasores vindos por mar, sim, que a vida não era pacífica, pois em 1492 os Franceses roubaram uma caravela carregada de mercadorias, e em 1571 saiu uma lei para que as naus, que fossem ao bacalhau à Terra Nova, fossem armadas.

Quando da crise de 1580/1640, os mouros roubaram muitos navios, e em 1585 Marcos Vidal, navegador Aveirense, movia caça aos piratas ingleses na Terra Nova.

Depois, a construção da capela de S. João, em 1607, da qual transitaram, em 1911, após a sua destruição, para a capela de S. Gonçalinho, as imagens de S. Sebastião, São Nicolau e São Bento. A imagem de S. Sebastião, que pertencera à Capela de S. Miguel, demolida em 1835, e que se dizia anterior à fundação da nacionalidade, veio em 22 de Julho de 1856 em solene procissão para a Capela de S. João, o que levou a população a manifestar o seu regozijo pela restituição ao culto da venerada imagem.

A capela de S. João estava construída junto ao canal numa zona aterrada; parece que o restante Rossio ainda era alagado, pois a 13 de Maio de 1843 saiu uma postura camarária a proibir a apanha de serradela no Rossio!

Há fotos anteriores à sua demolição em 1911, onde ainda se vê ao seu lado um enorme palheiro e os algibés das marinhas de sal.

Em 13 de Maio de 1809 as tropas inglesas desembarcaram em Aveiro acampando no Rossio.

Curiosamente, o primeiro Matadouro de que há notícias também existiu no Rossio, lá por 1817!

Já em 1820, nas datas solenes, eram deslocadas para ali peças de artilharia para darem as respectivas salvas!

Não se conhecendo tradições tauromáquicas em Aveiro, é curioso saber-se que a 6 de Junho de 1756, dia do “Corpus Christi” houve, entre outras manifestações, uma corrida de touros “por ser uso antiquíssimo”, e que em 1863 houve uma improvisada Praça de Touros, e uma corrida com nomes famosos nos dias 16 e 19 de Setembro de 1875, e ainda que em 1876 foi construída uma praça em alvenaria!

Em 21 de Julho de 1907, dez anos após a demolição da Praça de Touros, cujo proprietário fora José Joaquim de Oliveira Vinagre, foi inaugurado um novo Tauródromo erguido por Domingos João dos Reis, que por sua vez o desmontaria e venderia em Setembro do ano seguinte. Entretanto, tinha-se realizado a 30 de Agosto de 1908 uma tourada com “diestros” espanhóis, organizada pelo S. C. Beira-Mar.

Só mais tarde, em 2 de Julho de 1916, e numa improvisada Praça de Touros em madeira, se realizou uma garraiada a favor da Cruz Vermelha, vindo a realizar-se outra em 2 de Setembro de 1917.

De triste memória foi a última execução à forca, em 1841, dum homem conhecido pelo nome de Cospe Fora, acusado, parece que sem fundamento, de ter matado o seu tio Más Horas. O pelourinho que existia no Rossio foi demolido em 1834.

O aterro definitivo, que lhe deu a forma actual, data de 1875 e foi aproveitado para jogos de futebol, sendo de destacar um Beira-Mar — Belenenses em 1922! Mas o Beira-Mar já tinha aparecido a público no Rossio em 25 de Dezembro de 1921.

Mas já em Maio de 1851 o Presidente da Câmara “achava conveniente aterrar a Marinha Rossia com vista a dar ao Largo do Rossio uma forma regular, arborizando-o e aforando-se uma tira deste campo para construção de armazéns”.

Logo em Agosto desse ano, foi proposta a compra ao seu proprietário, Ricardo de Sousa Romão, que pediu a pronto pagamento 400.000 reis. Entretanto, só em 28 de Abril de 1909 a C. M. Aveiro deliberou a sua regularização e ajardinamento.

A 7 de Janeiro de 1865, o Dr. Bento de Magalhães expunha na C. M. Aveiro a grande falta de casas, em especial para a classe pobre dos pescadores em cujo bairro estavam famílias aglomeradas, avançando que se podiam construir novas habitações no terreno Municipal da aterrada Marinha Rossia. Ficou deliberado o traçado das ruas e a construção do bairro e que se desse de aforamento em hasta pública por lotes iguais.

Em 2 de Junho de 1895, é inaugurado o Velódromo do Rossio, que passou em 1904 para o Côjo. Em 12 de Maio de 1906, nos festejos de Sta Joana, houve espectáculos do Theatro Lisbonense durante três noites! Nos festejos houve também corridas a remos, tiro aos pombos e o Canal Central foi feericamente iluminado.

É inaugurado no dia 1 de Junho de 1928 o “Rossio-Cine” com o filme “Dagfin Patinador”. Também em 14 de Julho de 1930, o capitão de fragata Silvério Cunha, já preocupado com a cidade e a sua Ria, fez, naquele cinema, uma palestra subordinada ao tema “Aveiro no Passado, a história da laguna e a fase actual da questão”.

Em 1936 é inaugurada uma casa de chá, casa essa toda construída em madeira, prestando-se para que o maroto do António Maria e outros fossem espreitar as senhoras pelas frinchas das casas de banho!...

O terreiro espaçoso, que é no fundo uma praça pública, e que existe com o nome de Rossio em muitas terras, cá em Aveiro já teve o nome de Resio, Roxio e Rossia!...


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