|
Na
ria é preciso muito cuidado, é preciso conhecê-la muito
bem, pois apesar da sua beleza e aspecto sereno e calmo tem os
seus perigos. Há as correntes, os ventos, os chamados pegões,
que são poços fundos e com remoinhos, os obstáculos
imersos, e depois aqueles pequenos pormenores que só a experiência
ensina.
|
Já
me aconteceu andar à caça no Gramato e querer atravessar na
maré-baixa o esteiro que vai até aos Bulhões. O esteiro é
muito fundo e eu escolhi o local onde fazia uma curva; do lado
oposto tinha abatido a barreira fazendo um plano inclinado até
ao meu lado. Quando tinha andado uns 3 metros, as botas altas
já estavam com lama até à virilha e vi-me em dificuldade
para sair daquela lama podre. Normalmente quando os muros
abatem em grande extensão e sem raízes do junco, a lama é
como se fosse podre, e se alguém cair lá vê-se em
dificuldade para sair.
Outro
pormenor importante é quando se anda à caça no junco e se
caminha junto aos esteiros que serpenteiam pelo meio do junco
e ter cuidado com as sarjetas, que são pequenas valas muito
estreitas e profundas que estão disfarçadas pela vegetação.
O caçador experiente conhece o local onde estão, porque a
vegetação é diferente. Normalmente o junco é interrompido
por uma mancha de folhas gordas verde claro e depois é só
tactear com o pé avançado. De contrário, é certo e sabido
que enfiamos uma das pernas até à virilha sujeitos a
parti-la, para além do susto certo pelo inesperado. Se for de
noite ou com a maré alta, o melhor é munir-se de uma pequena
vara e ir tacteando o chão, se não é banho certo até ao
pescoço, e se for de Inverno!...
Também
importante é ter a noção exacta das marés, pois de contrário
podemos esperar horas infindas, às vezes fazendo-se noite, até
que a embarcação se possa deslocar pelos esteiros. Já me
aconteceram duas ocasiões que ilustram situações em que não
tive na devida conta a hora das marés. Um dia fui à caça
para os Fornos; ao fim da tarde quis vir-me embora, mas a
lancha estava em seco e não vislumbrava a maré a subir.
Quando depois de muitos e suados esforços consegui pôr a
lancha a navegar, já o sol desaparecia no horizonte. Com as
botas de peitilho calçadas, reboquei a lancha fazendo grande
esforço, com o suor a correr em bica, percorrendo o esteiro
das Brazalaias que terá mais de um quilómetro. Quando tive
água para o motor trabalhar, tinha chegado ao Esteiro do
Gramato; só que era noite e um nevoeiro cerrado não deixava
ver a um metro de distância. Navegando devagarinho,
orientava-me pela sombra dos muros, o que se tornava perigoso
devido aos tijolos postos lá para defenderem os muros da erosão
das marés. De repente senti o hélice bater no fundo e as
tainhas a saltarem à volta da embarcação. Acendi o foco,
mas era como se batesse num muro a um metro! A minha
companheira tiritava de medo e frio, sugerindo que ficássemos
a dormir na lancha. Eu disse-lhe que morríamos de frio e que
os nossos familiares iam ficar aflitos. Valeu-me a experiência
e conhecimento da ria. Deduzi que, como me ia a orientar pela
sombra dos muros, tinha entrado pela marinha de Del Rei, que
tinha os muros rebentados. Peguei na vara impulsionando a
embarcação no sentido contrário e tacteando o fundo. Quando
senti que a água era funda deduzi que tinha chegado ao Canal
da Veia. Pus o motor a trabalhar e dirigi-me para a outra
margem orientando-me novamente pela sombra do muro. Como a maré
estava a subir em grande velocidade, parecia que estávamos no
mesmo sítio, e pelos meus cálculos devíamos estar próximos
da Lota. Mas tinha-me enganado. Tinha contornado o muro da
Boca Torta e prosseguido pelo esteiro do mesmo nome.
Pareceu-me divisar uma mancha branca, que era afinal o
palheiro da marinha. Mais adiante o nevoeiro era menos denso e
já se viam a tremelicar as luzes da cidade. Quando chegámos
a casa era meia-noite!...
|