TEMPOS que correm são de desvairo do
homem, do homem que se desvia da Pátria da Luz, para se abismar
no mundo da Treva — Quase se não vêem almas na trágica
ostentação dos corpos. Olhos que se não erguem para o Alto para
se fixarem apenas no lodo dos pântanos. Espírito que se submerge
no turbilhão da matéria. Corações que se não comovem perante a
miséria do seu semelhante. Egoísmos que se não detêm vendo em
farrapos vidas que se decompõem (ainda no mundo, antes de baixar
à terra fria) no lodaçal do vício, na lepra da luxúria, ou no
horror da fome a desfazer em sangue pulmões que forças não têm
já para oxigenar, em haustos de vida, corpos exangues. Sibaritas
ou gozadores dos «cabarets» ou das tertúlias mundanas que não
têm um movimento de amor, de caridade, para estender o braço em
socorro do aflito, do violentado pelas forças da natureza ou
pela cegueira do ódio. Homens da selva, da barbárie, do
primitivismo animal, desafiando uma civilização milenária que
Cristo criou quando, no mundo, se sacrificou e pelos homens
ofereceu a vida em holocausto dos seus vícios, das suas misérias
e, pedindo ao Pai, do alto da Cruz, perdoasse aos que o
crucificaram, porque não sabiam o que faziam, instituiu essa
cruzada de amor, amor ao próximo, por amor
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de Deus — «amai-vos uns aos outros como eu vos amei». — Foi
outro o Mundo depois de Cristo. Virou-o do avesso, diz um
consagrado escritor. Dois mil anos passados, porém, regressa-se
à selva, à crueza dos tempos pagãos em que a lei era a da
vontade do opressor, em que a pessoa humana se desconhecia,
simples escravo, de cuja vida o senhor podia dispor a seu
talante, esmagados todos os direitos pelo culto da Força, pela
violência do ódio.
Como se
tornam belas, nestes tempos de tão asfixiante baixeza moral, os
actos heróicos dos que se erguem da lama que os cerca para, em
caridade cristã, socorrerem o seu próximo, sem temor da morte,
nessa ânsia sublime de salvar a vida do seu semelhante! Os que,
com os olhos em Deus, a tudo o que é seu, a tudo o que do mundo
é, renunciam para correr em socorro dos aflitos, dos que se
sentem morrer sem que alguém lhes valha, dos que se contaminam
de lepra, e morrem nas leprosarias para socorrer os empestados,
como o célebre Padre Damião, numa ilha afastada do Pacífico,
para onde o mundo afastara esses seus irmãos; como um São
Vicente de Paulo, que substitui um galeriano para aliviar o
condenado dessa horrível pena:
É um ideal
cristão o que os inspira? Mas vós, Bombeiros, na vossa missão de
sacrifício, a toda a hora, a todo o instante, de dia ou de
noite, deixando o vosso o ofício, ou abandonando o vosso lar, a
vossa família, o vosso leito, em noites de tempestade, para
arrancar vidas das chamas crepitantes, tendes um ideal cristão
também, porque o ideal de humanidade que vos anima é o ideal de
Cristo, é o amor da caridade cristã por muito que o
desconheçais!
Perante o
vosso heroísmo, de tão sublimes audácias, curvo-me em respeito e
gratidão.
QUERUBIM
GUIMARÃES |