Maria Teresa Silva
(5.º ano)
NELLY
levantou-se e dirigiu-se à porta do
quarto que fechou cautelosamente. Depois virou-se e contemplou a boneca loura que dormia
na sua própria cama. – Pobre Tucha, vais ficar sozinha! Amanhã
abre o colégio... mas não te zangues, não? – Dizia baixinho
a Nelly para não a acordar.
Os seus olhos verdes, grandes, expressivos, afastam-se mais e mais.
Parecem agora dois imensos lagos rodeados pela mais impenetrável
floresta. Nos
lábios frescos baila um sorriso e, como se abraçasse alguém, cruza
os braços
no peito e aperta-os com fervor. Oh, sim, iria vê-la, a querida
madre. – Coragem – dizia a si própria a Nelly – Hei-de dizer-lhe que gosto muito
dela, não é Tucha? – procurava inquieta a opinião da boneca – Não a conheces, pois
não? Qualquer dia hei-de levar-te ao colégio para a veres. É linda,
tão linda...
parece uma nuvem, tão branquinha...
Mas de repente, oh importuno!
– Nelly, oh Nelly, abre a pooorta... Vamos brincar aos polícias e
aos
ladrões, vens? Nelly...
A criança desperta assustada do seu belo sonho e, abrindo a porta,
claro, quem havia de ser? Só o Paulo!
– Não quero, não quero, não quero e pronto!
– Oh, Nelly, vem lá! Assim não gosto mais de ti, vais ver!
E o sardento Paulo fazia beicinho. Nos seus olhos, castanhos como as
folhas húmidas de Outono, estavam prestes a rebentar as lágrimas.
Então a
Nelly sorriu e estendeu a mão.
No dia seguinte Nelly levantou-se cedo, muito cedo. Estava
impaciente.
Oh, o enfadonho pequeno almoço. E para mais, o Paulo ainda em
pijama!
– Paulo, despacha-te! Assim não espero por ti. Mamã, diz ao Paulo
para
comer depressa, sim?
Mas a mamã não percebe a ansiedade da pequena; já é crescida!
– Nelly, para quê tanta pressa?
Na rua, enfim! Agora é questão de correr. Mas o Paulo, sempre o
Paulo.
– Olha Nelly, um carro de bombeiros... olha mais outro. Quando eu
for grande, hei-de ser bombeiro, e tu? Nelly, estás zangada? Não
gostas dos
bombeiros?
Oh, os rapazes não compreendem nada. Quero ir depressa, quero vê-la,
quero
dizer-lhe...
– Paulo, não fiques pasmado!
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Mas quê! Lá continuava ele, com o nariz colado ao vidro da montra.
– Nelly, olha um polícia sinaleiro... Ena! Olha aquele Mercedes
Benz!
Quando eu for grande hei-de ter um carro de corridas, e tu?
– Eu não! – responde irritada a Nelly.
Finalmente, oh felicidade, pôde transpor o portão do colégio. O
Paulo
desapareceu no momento mais oportuno. E então podia correr pelos
corredores.
O coração batia apressado. Ia vê-la, enfim! Lá adiante surge o vulto
duma freira.
Nelly corre para ela mas, em vez do sonho:
– Bom dia Nelly. Estás atrasada, vai depressa.
– Sim, minha madre.
E o vulto
desaparece no próximo corredor enquanto Nelly, parada, o
seguia, com olhar olhar triste humedecido.
Cabisbaixa, caminha lentamente, tentando
esconder a desilusão que lhe
enche a alma.
Ao meio dia Nelly espera o Paulo à saída. Mas que rapaz aquele! Primeiro que se decida aparecer... até que:
– Estiveste a fazer-te bonito?
– Nelly olha, o Zé tem uma bola tão grande, tão grande, tão grande!
Hei-de ter uma bola assim, não hei-de?
Caminharam algum tempo, de mãos dadas, silenciosos. O Paulo admirava os
eléctricos, a Nelly ia triste.
– Nelly, estás zangada?
Por Deus! Tudo, menos chorar ao pé do Paulo. Mas havia uma coisa
a
arranhar a garganta.
– Nelly, quem te fez mal? Quem foi Nelly? Não dizes ao Paulo? Mas
eu gosto de ti! Nelly...
– Pronto, já não choro mais.
O Paulo tranquiliza-se depressa; é rapaz! Então:
– Nelly, quando fores
grande hás-de ser o quê? Médica não, pois não?
Era o mesmo que costureira, não era?
A Nelly continuava
silenciosa, mas ele não via.
– ...coser carne ou pano é a mesma coisa, não é? Eu hei-de ser bombeiro! E tu? Queres ser professora?
– Não!
– Então Nelly, diz lá...
– Quero ser o que sou!
O Paulo não compreendia linguagem tão complicada, portanto, franziu
as sobrancelhas e mudou de assunto.
– Nelly, olha o jardim. Queres que te apanhe uma borboleta? Há muitas,
sabes?
E correram para o jardim. Mas o lago era paragem obrigatória.
Então,
o Paulo, irritado com a quietude das águas, atira uma pedrita. Mas a
Nelly
acha absurdo.
– Paulo, porque fizeste isso?
A resposta foi um riso sem timbre, um riso fresco que lhe ilumina o
olhar.
– Pronto, Nelly, a água já está parada.
– Paulo, olha o céu, ali em baixo.
E quedaram-se, algum tempo, silenciosos, admirando o céu sem nuvens
que se reflectia nas águas calmas do lago. |