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farol n.º 12 - mil novecentos e sessenta e três ♦ sessenta e quatro, págs. 6 e 7.

As crónicas de Zurara

Carla Maria Campos e Sá
(6.º Ano)


GOMES Eanes de Azurara, o sucessor de Fernão Lopes nos cargos de guarda-mor das escrituras da Torre do Tombo e de cronista-mor do reino, é autor de quatro crónicas: «Crónica da Conquista de Ceuta», «Crónica da Guiné), (Crónica de D. Pedro de Meneses» e «Crónica de D. Duarte de Meneses).

A primeira, complemento da «Crónica de D. João I», de Fernão Lopes, dá informações minuciosas da preparação e da execução da tomada de Ceuta.

A «Crónica da Guiné», que trata das primeiras viagens marítimas de descobrimentos, manifesta claramente o intento de exaltar a figura do Infante D Henrique.

A «Crónica de D. Pedro de Meneses» relata as lutas com os mouros ao tempo em que o referido conde era capitão daquela praça.

Na «Crónica de D. Duarte de Meneses» são descritos os feitos deste filho de D. Pedro de Meneses, no Norte de África, desde a conquista de AIcácer Ceguer, de que ele foi capitão, até ao ano de 1464, em que perdeu a vida para salvar a de D. Afonso V.

Há diferenças entre as crónicas de Fernão Lopes e as de Zurara: «À crónica do povo – diz António José Saraiva – substituiu Zurara a crónica dos heróis, isto é, o panegírico das altas personagens da nobreza, a tal ponto que os descobrimentos, obra de toda uma nação, aparecem nas suas páginas como obra de um só homem, o infante D. Henrique; protector de Zurara». Vemos, pois, que, de Fernão Lopes para Zurara, houve um recuo no conceito do História, que / 7 / em Fernão Lopes era adiantadissimo para o tempo, pois é o conceito da História dos nossos dias.

Se não se pode duvidar do probidade do historiador, não é menos certo que Zurara não possuía o superior critério que Fernão Lopes evidenciou na crítica das fontes. Diz Feliciano Ramos que «Zurara nem sempre é meticuloso na análise das datas da tradição oral, como também não aproveita com método as relações escritas existentes, pelo que caiu em inexactidões.» E, todavia, relatando acontecimentos da História contemporânea podendo aproveitar-se do relato de testemunhos presenciais, a obra de Zurara era de execução bem menos difícil que a de Fernão Lopes, cuja investigação incidiu sobre acontecimentos já muito distantes no tempo.

Quanto ao escritor, é manifesta a quem o lê a sua posição inferior, se o comparamos a Fernão Lopes. Novo-rico da cultura, pois, segundo Mateus Pisano, só bastante tarde, veio a adquiri-la, a cada passo pretende fazer dela ostentação, pelo que se perde em divagações que nada importam ao assunto, e recheia a sua prosa de citações, sobretudo de Aristóteles e Homero, o que fatiga o leitor e o faz perder o fio ao discurso. A construção da sua frase é alatinada, imitada de Tito Lívio e de Cícero, e o seu vocabulário é pomposo. Em suma, o estilo é grandiloquente, empoIado, pretensioso. No entanto, há momentos em que Zurara consegue comover-nos e se excede a si próprio, porque, tendo-se sensibilizado profundamente, esquece a preocupação de fazer estendal dos seus conhecimentos para nos dar um quadro pintado ao vivo, dum realismo profundo, convincente, tocante, como aquele que nos põe perante os olhos ao descrever a cena da partilha dos escravos, divididos em lote, nos areais de Lagos. Isto leva-nos a crer que Zurara teria sido muito maior como escritor se tivesse sabido usar com mais discrição as jóias que entesourara no seu espírito.

 

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08-06-2018