Carla Maria
Campos e Sá
(6.º Ano)
GOMES Eanes de Azurara, o sucessor de Fernão Lopes nos cargos de
guarda-mor das escrituras da Torre do Tombo e de cronista-mor do reino, é autor de quatro crónicas: «Crónica da Conquista de Ceuta», «Crónica da Guiné), (Crónica de D.
Pedro de Meneses» e «Crónica de D. Duarte de Meneses).
A primeira, complemento da
«Crónica de D. João I», de
Fernão Lopes, dá informações minuciosas da preparação e da execução
da tomada de Ceuta.
A «Crónica da Guiné», que
trata das primeiras viagens marítimas de
descobrimentos, manifesta claramente o intento de exaltar a figura
do Infante D Henrique.
A «Crónica de D. Pedro de Meneses» relata
as lutas com
os mouros ao tempo em que o referido conde era capitão daquela
praça.
Na «Crónica de D. Duarte de Meneses» são descritos
os feitos deste
filho de D. Pedro
de Meneses, no Norte de África, desde a conquista de AIcácer Ceguer, de que ele
foi capitão,
até ao ano de 1464, em que perdeu a vida para
salvar a de D. Afonso V.
Há diferenças entre as crónicas de Fernão Lopes e
as de Zurara:
«À crónica do povo – diz António José Saraiva –
substituiu Zurara a crónica dos heróis, isto é, o panegírico das
altas personagens da nobreza, a tal ponto que os descobrimentos, obra de toda uma nação,
aparecem nas suas páginas como obra de um só homem, o
infante D. Henrique; protector de Zurara». Vemos,
pois, que, de Fernão Lopes para Zurara, houve um recuo no conceito
do História, que
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em Fernão Lopes era adiantadissimo para o tempo, pois é o conceito
da História dos nossos dias.
Se não se pode duvidar do probidade do historiador, não é menos
certo que Zurara não possuía o superior critério que Fernão Lopes
evidenciou na crítica das fontes. Diz Feliciano
Ramos que «Zurara nem sempre é meticuloso na análise das datas da tradição oral,
como também não aproveita
com método as relações escritas existentes, pelo que caiu em
inexactidões.» E, todavia, relatando acontecimentos da História
contemporânea podendo aproveitar-se do relato de testemunhos
presenciais, a
obra de Zurara era de execução bem menos difícil que a de Fernão Lopes, cuja
investigação incidiu sobre acontecimentos já muito distantes no tempo.
Quanto ao escritor, é
manifesta a quem o lê a sua posição inferior, se o comparamos a
Fernão Lopes. Novo-rico da cultura, pois, segundo Mateus Pisano,
só bastante tarde, veio a adquiri-la, a cada
passo pretende fazer dela ostentação, pelo que se perde em
divagações que nada importam ao
assunto, e recheia a sua prosa de citações, sobretudo de
Aristóteles e Homero, o que fatiga o leitor e o faz
perder o fio ao discurso. A construção da sua frase é alatinada,
imitada de Tito Lívio e de Cícero, e o seu vocabulário é pomposo. Em
suma, o estilo é grandiloquente, empoIado, pretensioso. No entanto, há momentos em que
Zurara consegue
comover-nos e se excede a si próprio, porque, tendo-se sensibilizado
profundamente, esquece a preocupação de fazer estendal dos seus
conhecimentos para nos dar
um quadro pintado ao vivo, dum realismo profundo, convincente,
tocante, como aquele que nos põe perante os olhos ao descrever a
cena da
partilha dos escravos, divididos em lote, nos areais de Lagos. Isto leva-nos
a crer que Zurara
teria sido muito maior como escritor se tivesse sabido usar com
mais discrição as jóias que entesourara no seu espírito. |