Em princípios de
Dezembro enviámos para o Ultramar mais de 30 encomendas com revistas
e livros que para esse fim juntámos.
As revistas são antigas... mas pensámos que, para quem
está no
mato, em Angola ou na Guiné, mesmo as mais desactualizadas
servem para amenizar as horas livres e esquecer um pouco as
saudades da família...
Chegaram-nos muitos agradecimentos, muitas palavras
de carinho
que nos dão coragem para prosseguir.
Hoje, publicamos esta carta
que nos chegou de Angola. Melhor do
que nós, ela falará...
Algures em Angola
Caríssima colega:
Votos da melhor saúde e
Paz em Nosso Senhor Jesus Cristo!
Embora tenha já escrito
ao nosso estimado Reitor, Senhor Dr. Orlando
de Oliveira porque pessoalmente o conheço
e não podia deixar passar esta data que tão carinhosamente me
fizestes recordar e viver, eu quero dirigir-te duas palavras que, se vão para ti são também extensivas a todos os teus
colegas do liceu.
Foi ontem, precisamente na
hora da nossa consoada, que recebi a
vossa encomenda.
Imaginai um «garoto» de 27
anos entusiasmado a abrir esse grande
embrulho que, mais não fora encerrava o carinho e o apoio daqueles que
agora se
sentam nas mesmas carteiras que eu já outrora ocupei há dez anos,
quase.
Podes crer que foi para mim um dos momentos mais
felizes deste noite em que há
1963 anos, relembrava eu, a humanidade inteiro viu nascer
Aquele que devia ser através
dos tempos... CAMINHO, VERDADE E VIDA. E, porque o desprezámos, eis
agora essa
mesma humanidade em guerra. Mas...
Desculpa falar-te nestas coisas, mas deves calcular ou até mesmo
imaginar quão difícil é esquecermo-nos destes problemas. É que
aqui, a vida
conta-se em cada hora, em
cada minuto que se passa. Eu sou alferes miliciano do nosso
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exército e, tenho à minha responsabilidade 25 homens bravos e
nobres de coração. Estou sempre com eles em todas as horas amargas e
até nas poucas que nos possam proporcionar alegria. Eu gostaria
que tu ouvisses, com os teus camaradas estes homens que todos os dias rezam comigo o terço unidos numa
só Fé, oferecendo ao Senhor os seus sacrifícios por causas
justas. Aqui, no meio da guerra temos um cantinho de paz, mais que não seja nas nossas consciências. Nós não
temos medo. Só pedimos a Deus que nos ajude a não perder a força
para tudo vencer.
Eu não queria maçar-te
muito, mas pareceu-me que talvez pudesses compreender o que te
disse, sobretudo para que possas transmitir aos outros teus colegas
uma pequenina mensagem não só de gratidão como de incitamento
sobretudo para aqueles que sendo rapazes, um dia possam
ter também a responsabilidade que eu tenho. Estou certo que nunca
faltarão homens para se comporem exércitos, mas o que poderá vir a
faltar são
Homens condutores dos homens que possam vir a constituir esses
exércitos.
Estais a angariar conhecimento,
cultura; estais talvez a
pensar já no que podereis vir a ser. Há que ir sempre para a frente,
sem desfalecimentos, ultrapassando todas as barreiras, para um dia ser-se Homem.
É sempre no futuro que se poderá
avaliar do nosso esforço pela
conquisto do que somos nesse futuro. Eu já vi aqui muita gente
chorar lágrimas de sangue, arrependidos de não terem trabalhado e
aproveitado os «talentos» que
o Senhor tinha deposto nas suas mãos. Eu sei que o nosso querido
Liceu tem todas as condições para formar Homens que saibam mais
tarde agradecer aos seus mestres e por isso sinto orgulho de por lá ter passado.
Pedes que te diga as
leituras que prefiro. Eu não te vou pedir as minhas leituras preferidas.
A razão é simples e passarei a explicar, porque não quero que
penses que sou mal agradecido.
Foi em 1961 que fui
chamado para o Curso de Oficiais Milicianos. Estava a acabar o meu curso
de Arquitectura. Depois foram quase dois anos de serviço em várias
unidades na Metrópole e, logo de seguida a minha vinda para o
Ultramar, para Angola.
Deves calcular que é difícil para quem tem um certo nível cultural
e certas exigências artísticas inerentes à sua profissão, pedir que
lhe enviem certos livros, que pessoalmente se podem conseguir embora com alguma dificuldade é certo.
Porém, eu vou dizer-te, quase como se fosse um segredo,
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a melhor maneira de ajudares.
Trata-se de ajuda espiritual que tu e os teus camaradas de liceu
podem e querem dar tão generosamente, não em
relação a mim, mas a todos aqueles que tenho sob o meu comando.
Para esses já é fácil conseguires algo de positivo. Para tanto
fazendo um balanço superficial das leituras que eles aqui possuem,
chego à conclusão de que lhes faltam aqueles que possam ter sabor religioso e até
de formação moral. Para isso julgo fácil obter revistas como a da «MIRIAM», «MAGNIFICAT», jornais que sejam publicações de paróquias, etc...
Tudo o que fizeres pelos nossos homens estás a fazê-lo directamente
a
mim. Eu me encarregarei, tal como desta vez o fiz, de lhes pôr à disposição o
que enviares e, não só a eles como a outros rapazes de outros
companhias Assim, teremos uma acção mais extensivo e completa.
Se a organização a que pertences não estiver de acordo, perdoa
a
minha sinceridade e acredita que, já lá vão oito longos meses,
tenho lutado sempre a favor do nosso soldado, para o qual dou
tudo da melhor vontade e com
o melhor espírito de caridade.
Imensamente agradecido pela atenção dispensada renovo os meus
agradecimentos e faço votos para que tenhas umas Boas Festas e Ano
Novo... cheio de boas classificações.
Um Alferes Miliciano de
Artilharia,
antigo aluno do liceu de Aveiro. |