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farol n.º 12 - mil novecentos e sessenta e três ♦ sessenta e quatro, págs. 8 a 10.

O Liceu Nacional de Aveiro


e o ULTRAMAR

A nossa Missão continua...

 

Em princípios de Dezembro enviámos para o Ultramar mais de 30 encomendas com revistas e livros que para esse fim juntámos.

As revistas são antigas... mas pensámos que, para quem está no mato, em Angola ou na Guiné, mesmo as mais desactualizadas servem para amenizar as horas livres e esquecer um pouco as saudades da família...

Chegaram-nos muitos agradecimentos, muitas palavras de carinho que nos dão coragem para prosseguir.

Hoje, publicamos esta carta que nos chegou de Angola. Melhor do que nós, ela falará...

Algures em Angola

Caríssima colega:
Votos da melhor saúde e Paz em Nosso Senhor Jesus Cristo!

Embora tenha já escrito ao nosso estimado Reitor, Senhor Dr. Orlando de Oliveira porque pessoalmente o conheço e não podia deixar passar esta data que tão carinhosamente me fizestes recordar e viver, eu quero dirigir-te duas palavras que, se vão para ti são também extensivas a todos os teus colegas do liceu.

Foi ontem, precisamente na hora da nossa consoada, que recebi a vossa encomenda.

Imaginai um «garoto» de 27 anos entusiasmado a abrir esse grande embrulho que, mais não fora encerrava o carinho e o apoio daqueles que agora se sentam nas mesmas carteiras que eu já outrora ocupei há dez anos, quase.

Podes crer que foi para mim um dos momentos mais felizes deste noite em que há 1963 anos, relembrava eu, a humanidade inteiro viu nascer Aquele que devia ser através dos tempos... CAMINHO, VERDADE E VIDA. E, porque o desprezámos, eis agora essa mesma humanidade em guerra. Mas...

Desculpa falar-te nestas coisas, mas deves calcular ou até mesmo imaginar quão difícil é esquecermo-nos destes problemas. É que aqui, a vida conta-se em cada hora, em cada minuto que se passa. Eu sou alferes miliciano do nosso / 9 / exército e, tenho à minha responsabilidade 25 homens bravos e nobres de coração. Estou sempre com eles em todas as horas amargas e até nas poucas que nos possam proporcionar alegria. Eu gostaria que tu ouvisses, com os teus camaradas estes homens que todos os dias rezam comigo o terço unidos numa só Fé, oferecendo ao Senhor os seus sacrifícios por causas justas. Aqui, no meio da guerra temos um cantinho de paz, mais que não seja nas nossas consciências. Nós não temos medo. Só pedimos a Deus que nos ajude a não perder a força para tudo vencer.

Eu não queria maçar-te muito, mas pareceu-me que talvez pudesses compreender o que te disse, sobretudo para que possas transmitir aos outros teus colegas uma pequenina mensagem não só de gratidão como de incitamento sobretudo para aqueles que sendo rapazes, um dia possam ter também a responsabilidade que eu tenho. Estou certo que nunca faltarão homens para se comporem exércitos, mas o que poderá vir a faltar são Homens condutores dos homens que possam vir a constituir esses exércitos.

Estais a angariar conhecimento, cultura; estais talvez a pensar já no que podereis vir a ser. Há que ir sempre para a frente, sem desfalecimentos, ultrapassando todas as barreiras, para um dia ser-se Homem.

É sempre no futuro que se poderá avaliar do nosso esforço pela conquisto do que somos nesse futuro. Eu já vi aqui muita gente chorar lágrimas de sangue, arrependidos de não terem trabalhado e aproveitado os «talentos» que o Senhor tinha deposto nas suas mãos. Eu sei que o nosso querido Liceu tem todas as condições para formar Homens que saibam mais tarde agradecer aos seus mestres e por isso sinto orgulho de por lá ter passado.

Pedes que te diga as leituras que prefiro. Eu não te vou pedir as minhas leituras preferidas. A razão é simples e passarei a explicar, porque não quero que penses que sou mal agradecido.

Foi em 1961 que fui chamado para o Curso de Oficiais Milicianos. Estava a acabar o meu curso de Arquitectura. Depois foram quase dois anos de serviço em várias unidades na Metrópole e, logo de seguida a minha vinda para o Ultramar, para Angola.
Deves calcular que é difícil para quem tem um certo nível cultural e certas exigências artísticas inerentes à sua profissão, pedir que lhe enviem certos livros, que pessoalmente se podem conseguir embora com alguma dificuldade é certo.

Porém, eu vou dizer-te, quase como se fosse um segredo, / 10 / a melhor maneira de ajudares.

Trata-se de ajuda espiritual que tu e os teus camaradas de liceu podem e querem dar tão generosamente, não em relação a mim, mas a todos aqueles que tenho sob o meu comando.

Para esses já é fácil conseguires algo de positivo. Para tanto fazendo um balanço superficial das leituras que eles aqui possuem, chego à conclusão de que lhes faltam aqueles que possam ter sabor religioso e até de formação moral. Para isso julgo fácil obter revistas como a da «MIRIAM», «MAGNIFICAT», jornais que sejam publicações de paróquias, etc...

Tudo o que fizeres pelos nossos homens estás a fazê-lo directamente a mim. Eu me encarregarei, tal como desta vez o fiz, de lhes pôr à disposição o que enviares e, não só a eles como a outros rapazes de outros companhias Assim, teremos uma acção mais extensivo e completa.

Se a organização a que pertences não estiver de acordo, perdoa a minha sinceridade e acredita que, já lá vão oito longos meses, tenho lutado sempre a favor do nosso soldado, para o qual dou tudo da melhor vontade e com o melhor espírito de caridade.

Imensamente agradecido pela atenção dispensada renovo os meus agradecimentos e faço votos para que tenhas umas Boas Festas e Ano Novo... cheio de boas classificações.

Um Alferes Miliciano de Artilharia,
antigo aluno do liceu de Aveiro.

 

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08-06-2018