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farol n.º 5 - mil novecentos e cinquenta e nove ♦ sessenta, pág. 15 a 24.

As Henriquinas

Rosa Maria Mortágua Velho
(4.º Ano)


1.° ACTO

Rosa (aparecendo à porta) – A minha senhora dá licença? (vendo que a patroa não responde, repete) Dá licença que entre, minha senhora?

D. Branca (levantando a cabeça e olhando em direcção à porta) – Ah, és tu Rosa; entra. Estava tão absorta nos meus pensamentos que nem dava conta do que se passa em redor.

Rosa – A minha senhora desculpe ter de vir interrompê-la, mas é que...

D. Branca (interrompendo) – Não tem mal, Rosa; diz ao que vens...

Rosa – É que... minha senhora.. eu...

D. Branca – Mulher, parece que estás atrapalhada. (levanta-se)

Rosa – O caso não é para menos.

D. Branca – Jesus, credo. Assustas-me.

Rosa – Oh, não minha senhora. A senhora pode estar trenquila, que não é nada de mau.

D. Branca – Pois sim, Rosa. Mas olhe que eu já lhe tenho dito que não é trenquila, mas sim tranquila. Percebeu?

Rosa – Percebi, sim, minha senhora. Mas com isto já me esqueço ao que venho.

D. Branca – Ah, é verdade; já nem me lembrava.

Rosa – Eu nem sei como hei-de começar.

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D Branca – Ó mulher, fale. Você sabe que eu não sou de cerimónias. Gosto muito de atender seja quem for e até de ensinar.

Rosa – Ora aí está. É por causa de ensinar que eu aqui estou.

D. Branca – Por causa de ensinar?

Rosa – Sim senhor. Mas a senhora agora não pode dizer que não. Disse que gostava e que estava pronta a atender quarquer pessoa. Portanto...

D. Branca (interrompendo) – Ó mulher, diga ao que vem.

Rosa – Olhe, minha senhora. Eu venho falar-lhe por causa das Henriquetas.

D. Branca – Que Henriquetas?!

Rosa – Ai a senhora também não sabe?! E eu a pensar que sim. Sempre me disseram que a senhora, como era professora, devia saber. E afinal...

D. Branca – Mas havia de saber o quê? Não sei ao que se refere?

Rosa – Eu explico: eu ouvi dizer ao padeiro, ao carniceiro, etc., etc., que as Henriquetas são muito bonitas. Vai daí perguntei-lhes quem eram as Henriquetas e eles disseram que quem havia de saber explicar era a senhora professora. E vai eu resolvi vir perguntar-lhe.

D. Branca – Parece-me que estou a perceber. Você não deve ter ouvido ou percebido bem. Não é Henriquetas; mas sim Henriquinas. E...

Rosa (interrompendo) – Pois é isso mesmo; Henriquinas. (noutro tom) Ó minha senhora, o que é isso?

D. Branca – Ora bem, Rosa. Já que você não sabe o que isso é, eu quero explicar-lhe. Eu não quero que você seja menos instruída e, além disso, todo aquele que se preza de ser bom português deve saber por que razão apareceram na circulação monetária essas moedas, com a efígie de tão célebre homem.

Rosa – Ai minha rica senhora, então as Henriquetas andam com um homem célebre?

D. Branca – Ouve, Rosa. Eu não quero mais que tu faças confusões com isto. Demais, o assunto é sério e merece o nosso mais sincero respeito. Mas, como pelos vistos o leiteiro e o carniceiro também estão a zero na matéria, eu mando-lhes recado e logo, depois das cinco, depois de estarem todos aqui reunidos, eu explico-vos pormenorizadamente o assunto. E, além disso, dir-vos-ei alguma coisa sobre D. Henrique. Agora Rosa, vai trabalhar e logo, depois das cinco, saberás tudo o que quiseres.

/ 17 /

Rosa – Ai minha senhora, nem sabe quanto lhe agradeço! Eu sempre gostei muito de saber coisas novas. A senhora sempre é muito boa!

D. Branca – Vai ao trabalho Rosa e logo conversamos.

Rosa – Pois sim, minha senhora (sai).

D. Branca () – Valha-nos Deus. Pois ainda haverá gente que desconhece tão célebres acontecimentos?! Se assim continuamos, quem serão e o que serão os futuros portugueses? Gente nova que só sabe brincar e gozar a vida, passa por tão memoráveis acontecimentos com uma frieza inacreditável. Ia apostar que metade dessa rapaziada moderna, que diz com incomensurável orgulho – eu sou estudante –, desconhece o mais nobre e o mais português dos factos! Se lhes perguntarmos: – O que são as Henriquinas? Porque foram cunhadas? dizem talvez: – sei lá?! dizem para aí que são moedas. Oh, meu Deus; o mundo anda roto e não há quem o remende!

(cai o pano vagarosamente)

2.º ACTO

D. Branca (depois de pousar os livros) – Ora bem; vamos lá pôr isto em condições (ajeitando as cadeiras). Esta aqui, esta aqui, assim; está tudo pronto para começar a lição. Até já parece que estou numa sala de aula. Quanta pena eu tenho de não ter podido exercer o meu cargo. Se não fosse esta doença...

Rosa (à porta) – Dá licença, minha senhora?

D. Branca – Entra, Rosa, vens só?

Rosa – Venho sim, minha senhora. Mas o carniceiro e o padeiro não devem tardar.

Carniceiro (aparecendo à porta) – Vossa senhoria dá licença?

D. Branca – Entre, entre.

Carniceiro – Muito boas-tardes. Como vê, aceitei com muito prazer o seu simpático convite.

D. Branca – O prazer é só meu.

Carniceiro – A senhora sempre foi muito boa!

Rosa – Foi e é. Homessa!

(batem à porta)

D. Branca – Rosa, vai abrir.

/ 18 /
Rosa (indo à porta) – Olha! olha! tanta gene... Jesus! Santo nome de Maria.

Padeiro – Vossa senhoria dá licença?

D. Branca – Entre, Sr. Padeiro.

Padeiro – Vossa senhoria há-de desculpar o atrevimento, mas eu disse lá em casa o que vinha aqui fazer e vai aí a família também quis vir.

D. Branca – Ora que entrem, que entrem. Fez muito bem. Sentem-se todos aí nessas cadeiras. Rosa, vai buscar mais cadeiras lá dentro. (Rosa sai!)

Padeiro – Esta é a minha mulher Josefa. A senhora já a conhece; estes são os meus catraios.

Rosa (entrando) – Pronto, mais cadeiras. (batem à porta)

D. Branca – Deve ser o leiteiro. Vai abrir, Rosa.

Rosa (indo à porta) – Ai meu Deus! Ó minha rica senhora, venha cá ver isto. Ai, ai, ai. (benze-se três vezes) Santo nome de Maria Virgem Mãe!!!

D. Branca – O que é?

Rosa – O que é? Já vai ver. Entrem, entrem. (entra muita gente)

D. Branca – Que vêm fazer?

Sapateiro – Minha senhora, eu sou o sapateiro João. Ouvi dizer que a senhora hoje ia falar dum homem da nossa Pátria, que foi muito importante e dumas moedas que para aí andam e resolvi vir pedir-lhe para me deixar ouvir. Estes quiseram vir comigo. Esta é a minha mulher, este o meu filho, este o ferreiro, esta a mulher dele, estes os seus filhos, esta a leiteira, esta a padeira, esta a filha da leiteira e esta a filha da padeira. Podemos ficar?

D. Branca (sorrindo) – Podem sim. Alegro-me muito por saber que vocês estão interessados em saber.

Josefa – Ai, minha senhora, isso nem se pergunta. Eu cá quero aprender até morrer.

D. Branca – Muito bem; assim é que é. Ora sentem-se nessas cadeiras; como elas são poucas, os miuditos que se sentem no chão. E agora escutem.

Todos – Pode começar quando quiser.

D. Branca – Vocês já têm ouvido falar de umas moedas a que chamam Henriquinas (D. Branca apercebe-se de que está gente a escutar à porta e diz) Ó gente, entrai. Aqui ainda há lugar para mais.

Mendigo (assomando à porta) – Vossa senhoria dá licença?

D. Branca – Dou sim, senhor. Vossemecê também quer ouvir?

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Mendigo – Eu queria, sim senhor.

Rapaz dos jornais (entrando) – E eu também posso?

D. Branca – Podem todos. Sentem-se para aí e escutem. Posso começar?

Carniceiro – Em nome de todos lhe digo que sim.

D. Branca – Então ouçam. Vocês já têm ouvido falar de umas moedas a que chamam Henriquinas, não é verdade?

Padeira – Já, sim senhor. Eu até aqui tenho uma de cinco escudos. Veja a senhora. (mostra a moeda)

D. Branca – Eu também aqui tenho a colecção completa para vos mostrar. Mas primeiro explico-vos, para vocês poderem compreender melhor.

Josefa – É como a senhora achar melhor.

Varredor (aparecendo à porta) – Posso entrar?

D. Branca – Quem é?

Varredor (entrando) – Sou eu, o varredor; vinha pedir a vossa senhoria se também podia ouvir.

D. Branca – Podes, sim. Senta-te aí e escuta. Ora bem. Este ano de 1960 faz anos que morreu o Infante D. Henrique; faz precisamente quinhentas anos.

Rapaz dos jornais – Ena pá, tantos anos!

D. Branca – Porque o Infante D. Henrique foi um vulto muito ilustre da nossa história, o nosso Estado não podia deixar no olvido tão memorável data.

Sapateiro – Pois claro.

D. Branca – Por isso resolveu, e muito bem, que fossem lançadas na circulação moedas de vinte, dez e cinco escudos, com a efígie de D. Henrique. É uma maneira de mostrar a sua sincera veneração por tão ilustre homem.

Carniceiro – Eu não compreendo muito bem aí uma coisita.

D. Branca – O que é?

Carniceiro – É que a senhora fala aí em efígie e eu não sei o que isso é.

D. Branca – Eu explico. Vocês sabem que nas moedas está cunhada a imagem de D. Henrique; e é a isso que nós chamamos efígie. Perceberam todos?

Padeira – Percebemos, sim senhor. Quem é que não percebe com a senhora a explicar tão bem?

Luisinha V Eu, por exemplo, Não percebo patavina.

Josefa – Olha para ela I Ainda és miúda para perceber.

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D. Branca – Não se zanguem; e tu, Josefa, não digas que a tua filha é miúda; já tem dez anos e pode muito bem saber estas coisas, Foi para isso que cá veio; não foi Luisinha?

Luisinha – Pois foi, minha senhora. Eu ouvi dizer que a gente deve gostar muito de saber. Mas continuo sem perceber.

D. Branca – Assim é. Não é vergonhoso não saber. O que é vergonhoso é nós sabermos que não sabemos e não procurarmos saber.

Ferreiro – Pois claro, pois claro. Estais a ouvir, meus filhos?

Rosa – A senhora tem um dom especial para ensinar estas coisas que eu nem sei!...

D. Branca – Ora vem para aqui, Luisinha. Tu não percebeste o que queria dizer efígie, não é verdade?

Luisinha – Percebi, sim senhor. Efígie é a imagem da cara duma pessoa gravada numa moeda. Não foi o que a senhora disse?

D. Branca – Foi! Mas então tu não tinhas dito que não tinhas percebido?

Luisinha – Ah, mas não era isto. Eu não percebia era porque a senhora padeira estava a falar sem ninguém lhe perguntar nada.

Graça – A mana tem razão. O papá ensinou-nos que não devemos dizer nada sem nos dirigirem a palavra.

Padeira – E agora alguém te dirigiu a palavra, catraia? Ora!

D. Branca – Eu não quero aqui discussões. A Luisinha vai estar caladinha e, quando não perceber alguma coisa, pergunta. Ora agora eu vou continuar a minha explicação. O nosso Estado lançou então no mercado essas moedas. E como têm a efígie de D. Henrique, Infante de Sagres, chamamos-lhe Henriquinas. Agora já sabem o que são as Henriquinas e porque foram cunhadas. Não tornará a haver confusões. Quando falarem de D. Henrique, falem com o respeito e consideração que merece tal homem. Como ele, só houve um. E orgulhem-se porque foi português. Ora agora eu quero falar-vos um pouco do Infante de Sagres.

Padeiro – Desculpe interromper, mas eu queria saber por que chamam a D. Henrique, Infante de Sagres.

Rosa – Ora, certamente porque nasceu em Sagres.

D. Branca – Enganas-te Rosa. Ouçam todos com atenção o que vou dizer e depois saberão. Filho de D. Filipa de Lencastre e de D. João I, rei de Portugal, é o quinto dos oito filhos legítimos e o quarto dos seis varões.

Sapateiro – Que varões?

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D. Branca – Varões quer dizer do sexo masculino. Ao contrário do que pensa a Rosa, D. Henrique nasceu no Porto, no dia 4 de Março de 1394; foi numa Quarta-feira de Cinzas; (vendo num papel) foi baptizado na Sé do Porto, tendo tido por padrinho D. João Homem, bispo de Viseu. Quando era novo interessava-se muito pela caça, cavalgadas, façanhas guerreiras, episódios aventureiros e pitorescos, etc., etc.. Era muito religioso e linha o costume de usar cilícios.

Carniceiro – Que é isso?

D. Branca – Cilícios são qualquer coisa que se traz junto do corpo, que nos incomoda, e que é usada com espírito de mortificação. Voltando ao assunto, digo-vos ainda que D. Henrique trazia sempre ao pescoço uma relíquia que sua mãe lhe dera. Desde 1408 que vivia com seus irmãos D. Duarte e D. Pedro numa casa à parte. Não se casou. Aspirava as honras da Cavalaria e é por isso que o vemos ligado à façanha de Ceuta; entusiasmou-se profundamente por este facto e tomou parte activa na sua preparação.

Padeiro – Pelos vistos era muito trabalhador.

D. Branca – No dia 25 de Julho de 1415 foi armado cavaleiro juntamente com alguns irmãos. E por fim, depois da sua vida de árduo trabalho, morreu em Sagres no dia 13 de Novembro de 1460 às onze horas da noite. Agora chegou a altura de vos dizer por que se chama ao D. Henrique «o Infante de Sagres», e que fez ele de tanta importância que elevou assim o seu nome à glória dos séculos.

Padeiro – Ai que se não fosse a senhora, morríamos todos estúpidos.

Rosa – Homessa! Olhe que eu sou muito inteligente.

D. Branca – D. Henrique passou a maior parte da sua vida em Sagres. E porque foi lá que fez os seus estudos sobre os descobrimentos, e porque foi lá que fundou a Escola Náutica, foi chamado D. Henrique, o Infante de Sagres. Agora dir-vos-ei porque é a D. Henrique que devemos a honra de termos sido o povo que contribuiu para a expansão marítima.

Padeira – Bem sei, bem sei. Se não fosse ele o meu Manel não tinha ido lá para as Áfricas.

D. Branca – D. Henrique fundou em Sagres uma Escola Náutica onde ensinava aos novos marinheiros tudo o que era preciso saber para poderem cumprir as suas ordens. E foi assim que se descobriu a Madeira, os Açores, S. Tomé e Príncipe e / 22 / tantas outras terras. Trabalhou activamente para engrandecer cada vez mais a nossa Pátria.

Carniceiro – Era um grande patriota.

D. Branca – É atendendo à sua importantíssima obra que, fazendo este ano quinhentos anos que morreu, se efectuam as Comemorações Henriquinas. Agora, que todos sabeis quem foi D. Henrique, nunca mais haverá confusões. Toda a gente agora
falará com respeito em D. Henrique, porque o seu nome o merece. E agora, se não tendes nada a perguntar, podeis ir à vossa vida quando desejardes.

Padeira – Eu só tenho a dizer-lhe que lhe estou muito agradecida.

Todos – E eu também.

Mendigo – Bem haja, minha senhora.

D. Branca – Ah, é verdade. Vocês já conhecem as moedas. Olha, mendigo, esta é para ti; e esta para ti, varredor. Sois os que mais precisam. E agora está a sessão terminada.

Josefa – Eu muito lhe agradeço.

Varredor – E eu também. Agora já sei mais alguma coisa sem ser varrer.

Rapaz dos jornais – Ai e eu também. Nosso Senhor lhe dê muita saúde.

Todos – Adeus até à próxima e muito obrigado.

D. Branca – Adeus, meus amigos. Venham, quando desejarem.

Rosa – Agora já nunca mais digo Henriquetas. Henriquinas é que é.

Carlitos (entra pelo lado oposto àquele em que todos estão para sair) – Mamã, mamã.

D. Branca – Que tens meu filho, que vens tão corado?

Carlitos – Ai, mamã, venho muito contente. (para os presentes). Não saiam que eu quero que vocês ouçam. O meu professor mandou-nos fazer uma redacção sobre D. Henrique. Eu fiz e ele disse que a minha era a melhor e deu-me os parabéns. Disse que quase parecia um discurso e que se orgulhava de ter um aluno capaz de fazer tal coisa. Ai, mamã, estou tão contente! Leia, mamã; está aqui. O titulo é «D. Henrique, Infante de Sagres, um vulto inesquecível da nossa História».

D. Branca – Deixa ver, meu filho. Gosto muito de te ver satisfeito com os teus estudos. É sinal que trabalhas; (para os presentes) / 23 / lá agora esperem e ouçam. Isto vem mesmo a completar a nossa conversa. (começa a ler)

 

D. Henrique, Infante de Sagres,
um vulto inesquecível da nossa História

É do conhecimento de todos, desde o simples limpa-chaminés até ao homem mais culto, que D. Henrique foi o homem que, com o seu incessante trabalho e a sua valiosíssima colaboração, contribuiu para que Portugal tivesse um lugar de relevo na acção dos Descobrimentos. Foi devido a ele que as naus portuguesas atravessaram os mares até então desconhecidos e chegaram a terras também desconhecidas. E como não somos, nunca fomos e nunca seremos gente ingrata, não devemos esquecer tão nobre homem. Nós, os portugueses, não podemos, não devemos esquecer tais factos. Tal coisa seria inverosímil.

Temos o dever moral, quase que a obrigação de prestar homenagem à memória do homem que foi e será sempre o orgulho da gente lusíada.

Se é certo que fomos um povo valente e arrojado pelas armas, pela beleza d'alma e do espírito, é também certo que fomos considerados um povo destemido e arrojado, um povo que contribuiu imenso para o alargamento do conhecimento geográfico.

E a quem devemos nós tão nobres honras? Quem foi o homem que consagrou a sua vida a um árduo trabalho em prol da Pátria? A resposta é simples e a frase que a encerra é curta: é ao Infante de Sagres.

Seria, pois, justo que não venerássemos agora a memória de tão ilustre homem? Seria isso justo e correcto? Não ficariam manchadas e corrompidas as nossas consciências de Portugueses nobres e sinceros, como demonstram as mais sublimes passagens da nossa História? Repito: seria isso justo e leal?

A minha consciência de jovem estudante ainda no abrir de olhos para a vida diz-me, no entanto, que não.

Sim; não era justo nem leal. E tão pouco era comparável tal acto, que podemos apelidar de injustiça, com os nossos sempre tão nobres sentimentos. E, se possuímos nobres sentimentos, temos que os demonstrar. E não é só com palavras que se demonstra ter corações leais e justos. É sobretudo com acções.

Faz este ano de 1960, quinhentos anos que morreu D. Henrique; é esta data que nós comemoramos.

A vida do Infante foi dura e cheia de sobressaltos. Trabalhava intensamente para conseguir levar os seus ideais avante. E quantas noites não teria passado sem dormir, quantas horas de inquietação e desassossego, quando, em terra, esperava o regresso / 24 / de seus homens! Na sua mente, Mo ideias entrechocam-se. Que seria feito deles? Teriam morrido no mar? Ou teriam ancorado em alguma terra desconhecida? Teriam  morrido por lá ou voltariam sãos e salvos, cheios de glória e prestígio para si e para o seu país? Que teria acontecido?

Não sabia. Teria que esperar com paciência, dia após dia, até ver regressar alguma nau. Ou teria que esperar sem resultado se acaso por lá tivessem ficado.

Foram assim as horas de espera. Horas que poderiam desvanecer-se ante a glória ou ante a realidade fatal. Não o sabia. Seria o que Deus quisesse.

Ora, estas horas de aflição não podem ser esquecidas. O seu sacrifício muito menos; e o seu trabalho ainda menos.

Que fazer então por este homem que foi o mais célebre, o mais honrado e o mais virtuoso português? Tudo o que se fizer será pouco. Mas já poderemos fazer muito, se ao menos não apagarmos nunca da nossa mente o nome, a nobreza de alma e a pureza da vida daquele que foi, é e será o orgulho de todo aquele que saiba quanta beleza encerra tão nobre e simples frase: – eu sou português.

Qual foi a ditosa Pátria que viu nascer esse homem?

Portugal.

Quem é ele?

D. Henrique, Infante de Sagres, um vulto inesquecível da nossa História.

F I M

 

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06-06-2018