Discursos
na Sessão Solene (1)
d) – Discurso do Dr. Alberto Souto:
Começou
por se dirigir ao Sr. Governador Civil, tenente-coronel Dias Leite, a
quem saudou por o ver no alto cargo que desempenha e como antigo
contemporâneo no Liceu de Aveiro, velho aveirense e velho amigo,
pedindo-lhe que fosse o intérprete junto do Governo dos sentimentos de
gratidão dele e de todos os aveirenses pela realização de duas
importantíssimas obras que estão em curso entre nós: as da Barra, fulcro
de todo o desenvolvimento económico local e regional, e as do novo
Liceu, que vai satisfazer tão perfeitamente as necessidades do ensino
moderno como este edifício satisfez as do seu tempo.
Lamentou
a ausência do Sr. Arcebispo-bispo de Aveiro, seu antigo professor no
seminário de Coimbra, e dirigiu-lhe cumprimentos na pessoa do seu
representante; cumprimentou o Sr. Presidente da Câmara e saudou o Reitor
Sr. Dr. José Pereira Tavares, velho companheiro, camarada e amigo, cujo
renome literário e pedagógico ecoa nos meios culturais do País e que é
orgulho de todos nós.
Contudo,
diz, há uma falha na sua folha de serviços de promotor desta comemoração
centenária e de grande professor, escritor classicista e reitor deste
Liceu – foi a ideia que teve de o incluir a ele, orador, como número do
programa desta sessão solene, onde bastavam, para lhe dar brilho e
altura, a presença e a palavra do sr. Professor Doutor Fernando Magano,
autoridade abalizada na medicina e na cirurgia nacionais, vice-reitor da
Universidade do Porto, glória da nossa terra.
Os estandartes, entre os quais os
académicos de 1901 e 1930.
Alude à
pressão que sobre ele exerceram os seus amigos Drs. José Tavares e José
Vieira Gamelas para que saísse do seu mutismo e viesse falar a esta
festa e diz que não pôde resistir às suas instâncias por se tratar, na
verdade, de uma
/ 68 /
solenidade que lhe tocava o coração e que tinha seu lugar nos fastos de
Aveiro.
Retirado
das actividades públicas, Aveiro continua a ser o grande amor da sua
vida e não pôde resistir à tentação e ao dever de compartilhar da
alegria do momento e de a servir com as suas modestas faculdades. E
quando diz Aveiro, não designa apenas a cidade em que estamos, mas a
região e o Distrito a que pertencemos e de que a cidade é capital,
porque Aveiro e o anfiteatro geográfico que a cerca e que daqui se vê e
se domina, têm uma alma comum na solidariedade indissolúvel da beleza da
sua paisagem e na integração dos seus interesses e destinos.
Muito
devem a cidade e o Distrito, assim compreendidos, ao Liceu de Aveiro,
pelo ensino que dele tem dimanado, pela colaboração no progresso geral
que aqui se tem conseguido, pela economia material que sempre resultou
da presença de professores, estudantes, famílias e visitantes do serviço
de exames no antigo burgo acanhadinho e pobre que era o Aveiro de antes
do nosso tempo e do nosso tempo liceal e, sobretudo, pelo prestígio que
esta casa sempre deu à comunidade aveirense.
Gostosamente, como quem cumpre um grande dever moral e satisfaz uma
sincera devoção, aqui está o antigo aluno a prestar a sua homenagem de
filho de Aveiro ao Liceu que tanto honra e tem honrado a sua terra.
Por isso,
veio falar com a sua toga, porque entendeu tratar-se de pleitear aqui um
verdadeiro processo, não cível, nem criminal, nem contencioso, mas
gracioso e de mera declaração – o processo da saudade da nossa juventude
de liceistas e da nossa gratidão para com a brilhante, digníssima e
benemérita acção de preparação escolar, cultura geral, progresso local e
nacional do Liceu de José Estêvão) através da centúria em que se conta a
sua existência.
E
envergando a sua toga na discussão deste processo de gratidão e saudade,
quer ainda lembrar que, se um dia saiu dos Gerais de Coimbra e desceu os
degraus da Via Latina e saiu a Porta-Férrea com o direito de ser
advogado no Pretório) é porque a sua toga foi feita da capa com que
subiu os degraus de granito deste Liceu em muito saudosos e proveitosos
anos de seu estudante.
Viemos
aqui, de manhã, em cortejo. Viemos em cortejo, acompanhados pelas
músicas e representações locais, numa impressionante e consoladora
romagem de saudade e gratidão pela casa e estabelecimento a quem tanto
devemos da nossa
/ 69 /
preparação para a vida e dos benefícios gerais para o meio local e para
o progresso da Nação.
Foi o
cortejo dos vivos que terminou com as nossas palavras e os nossos vivas
no ádito do Liceu e dos Paços do Concelho, onde o Reitor e o Presidente
do Município nos acolheram e saudaram.
Mas vem
aí outro cortejo. Reparem, que ele está a chegar! Abram alas na
imaginação e no evocativo respeito e deixem passar os vultos que o
formam e a multidão que os acompanha. E' o cortejo do passado!
São os
reitores, os professores e os alunos que já não existem e são os
aveirenses que os viram e com eles conviveram nas grandes horas da
instituição e nas alegrias e nos transes da vida aveirense e da vida de
Portugal no século decorrido.
Vêm as
bandas tocando, aclamam-se os heróis da Pátria, festejam-se e
comemoram-se as grandes datas da Nacionalidade, e o corpo docente e a
Academia ainda vibram do entusiasmo das manifestações.
O povo da
cidade faz coro e companhia e compartilha do espírito cívico e
patriótico que sempre animou a alma do Liceu de Aveiro.
Homens
notáveis que chegam, Presidentes da República, Príncipes e Reis, Heróis
da Grande Guerra e Expedicionários de África, D. Manuel e Mouzinho de
Albuquerque, Capelo e Ivens, tunas espanholas, visitas das Academias
portuguesas, funeral de José Estêvão, inauguração do seu retrato,
acontecimentos, centenários, catástrofes, comemorações, solidariedade,
civismo, patriotismo, aveirismo, portugalismo, tudo isso no intervalo
das aulas e dos exames, dos estudos e trabalhos escolares, das ânsias e
das cólicas, do estudo e do ímprobo labor do ensino, enche a história
deste Liceu e figura no cortejo dos nossos mortos!
Curva-se
a nossa alma perante o centenário. Recebemos do Passado, digno e
glorioso, o facho do trabalho, do estudo e do dever, dever de homens, de
cidadãos e de portugueses, que nos cumpre agora transmitir às novas
gerações.
Que entre
na apoteose a mocidade! É a sua altura, o seu lugar, a sua hora.
Aí tendes o facho. É sombrio o horizonte. Avolumam-se os
perigos e as dificuldades de ordem mundial. Talvez seja a hora do
sacrifício. Mas empunhai e defendei com alma e honra o facho da vida que
depomos em vossas mãos – é o facho do Porvir!
______________________________
(1) –
Secretariaram a mesa o Reitor, o representante do Arcebispo-Bispo (P.e
Manuel Fidalgo), o representante do Comando Militar (Major Barroso), o
presidente da Câmara (Dr. Álvaro Sampaio), o Vigário-Geral da Diocese (Mons.
Raul Mira), e Francisco Augusto da Silva Rocha.
Antes da
inauguração dos retratos de sete reitores (1.º a 6.º, e 10.º), falou o
reitor J. Tavares sobre o significado do acto, teve palavras de apreço e
louvor para a acção do reitor Dr. Euclides de Araújo, e em seguida
apresentou os oradores.
Os
retratos do 1.º, 5.º, 5.º, 6.º e 10.º foram descerrados,
respectivamente, pelas seguintes pessoas de sua família: trineta (Maria
Virgínia Eça Soares), neto (Manuel Prat), sobrinho (Dinis Gomes), neta
(D. Maria da Conceição Regala) e filha (Maria da Graça Araújo).
|