Acersso à hierarquia superior
 

Livro do 1.º Centenário do Liceu de Aveiro (1851-1951)

c) – Resposta do Dr. António Christo.

Senhor Presidente:

Sinto que não poderei corresponder, como tanto desejava e importava, à grandeza do acontecimento que celebramos e / 64 / nos proporcionou o gratíssimo ensejo de ouvir tão encarecidas palavras de saudação, de simpatia e de aplauso.

Mas espero me valham alguma indulgência a presteza com que obedeci a quem me solicitou e a sinceridade com que, em nome dos antigos alunos do Liceu de Aveiro, tão singularmente honrados com este carinhoso acolhimento, testemunho a V. Ex.ª a nossa mais extremada gratidão pela sua bondade e pela sua gentileza.

Porque o destino o trouxe do magistério das aulas para o da administração pública e pela mesma voz falaram o actual representante do concelho e o antigo professor, confessou V. Ex.ª duplicada alegria e redobrada emoção em nos receber e cumprimentar nesta casa.

Não me cansarei de festejar esta providencial coincidência. A razão do meu contentamento está em que, sendo V. Ex.ª modelo vivo de educador, acabado compêndio das virtudes de tantos outros que triunfantemente enobreceram o Liceu de Aveiro e enlevada mente evocamos - aqui mesmo podemos acrescentar ao agradecimento pela afabilidade da recepção o louvor dos mestres que nos ensinaram algumas verdades e algumas certezas, reafirmando-lhes a nossa simpatia, o nosso respeito, a nossa veneração, a muitos deles a nossa profunda e indelével amizade.

Sem dúvida, a nossa peregrinação é um reverdecer de afectos, pelo regresso ao convívio das pessoas e das coisas que nos bancos das aulas se nos apegaram à alma e ai criaram raízes cuja seiva alimenta para além de todas as adolescências e decrepitudes, elos que prendem para além de todas as dispersões ou desencontros...

É romagem de saudade – e a saudade ajunta ao nosso amor todas as delicadezas da nostalgia que nos sublima a ternura, obrigando-a, irresistivelmente, a transbordar e a brilhar numa lágrima...

Fujo deste caminho, porque não saberia traduzir em palavras a unção piedosa de tão intensos e aprimorados sentimentos.

Mas é certo que a luzida procissão dos devotos a caminho do santuário transcende estes esmeros da sensibilidade: pretende ser, principalmente, a afirmação de uma fé arreigada e esclareci da, a confissão pública de um amor sadio e fervoroso, o belo canto suavíssimo de uma gratidão imperecível.

Fé na ambicionada renovação da nossa mentalidade pela cultura moral e intelectual; amor pelo sacrário onde piedosamente se guarda e devotadamente se transmite às gerações o / 65 / depósito sagrado da doutrina; gratidão pelos que rasgada e amorosamente conceberam e ergueram o templo magnífico e pelos sacerdotes que, tantas vezes sacrificadamente, nele têm pontificado.

Posso assegurar a V. Ex.ª que nenhum dos romeiros esquece que no Liceu da nossa querida terra – cada vez (mais formosa e linda» – lhe ensinaram os princípios fundamentais de todo o método científico: que foi no Liceu de Aveiro que todos nós começámos a aprender a dissipar névoas e a ver claro, a saber orientar-nos por firmes critérios de objectividade, a sobrepor as certezas às opiniões, a distinguir as realidades das fantasias, a respeitar e a amar a verdade.

E porque são essencialmente morais os preceitos que regem toda a cultura científica, foi ainda ali que, no exemplo formosíssimo de tantos mestres e no aturado e probo labor do estudo, começaram a desenvolver-se e a robustecer-se as qualidades de carácter dos que souberam impor-se e triunfar na vida.

Todos nós compreendemos a grande honra e sentimos a felicidade invejável de havermos pertencido e pertencermos ainda, pelas afinidades da inteligência e do coração, à família de um instituto que em cem anos de actividade educativa orgulhosamente conta um século de incalculáveis benemerências.

Romagem de saudade, de fé, de amor e de gratidão – tudo afinal se consubstancia e traduz no reconhecimento de quanto Vale e do muito que devemos ao Liceu que nos instruiu e educou.

Razão de sobra teve V. Ex.ª para as equilibradas palavras com que se associou a este acontecimento de tamanho relevo e para as justas felicitações dirigidas ao ilustre Reitor que 'promoveu as festas comemorativas do glorioso centenário.

Eu só lastimo não ter cuidado de aprender mais para saber traduzir melhor o que nesta hora encantadora de rara beleza espiritual pensam e sentem os antigos alunos do Liceu de Aveiro aqui reunidos.

Ficaria, entretanto, contente, se de tudo quanto disse pudesse compreender-se que a nossa presença é um louvor e o nosso louvor um acto de justiça - porque, sendo a justiça uma das mais fecundas virtudes, o louvor que trazemos com a nossa presença há-de estimar-se como um acto simultaneamente dignificante e útil.

E então me quedaria por aqui, com os renovados agradecimentos por esta fidalga e amorável recepção e os melhores votos pelas prosperidades da Câmara e pelas felicidades pessoais de Vossa Excelência.

 

 

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