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De Oliveira de Azeméis a Vale de Cambra

De Oliveira de Azeméis a Vale de Cambra (1) (10,4 km Este, pela E.N. n.º 32-2.ª).

A * estrada, muito bela na maior parte do seu trajecto, sai da pequena praça triangular, fronteira à Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, onde liga com a n.º 10-1.ª, de Lisboa ao Porto; corta a praça maior, toda galante e airosa, com o seu ajardinamento novo, e mete à longa rua que termina no velho Teatro Oliveirense. Os prédios começam a rarear. Atravessamos Cidacos, «lugar honrado», afirmava-se num livro de inquirições do tempo de D. Dinis... A vila finda. Vê-se já, em frente, o dorso das primeiras serranias. As árvores, sobretudo o pinheiro, serão, por toda a parte, os infindos espectadores da viagem. Descemos aos lacetes. À direita, abre-se um formoso * vale, cheio de vegetação. É Vilar e as encostas de Macinhata da Seixa. As serras com seu arvoredo, e verdes socalcos, formam um cenário empolgante. A esquerda, vê-se uma minúscula construção circular: ela alimenta de água o monte de La Salette (pág. 601) que nos está sobranceiro, esforço e orgulho dos oliveirenses, que venceram, tornando-o viridente, o morro outrora bravo e sedento. Daqui em diante, a estrada, curva sobre curva, adquire a sua maior beleza, uma beleza lírica, íntima, cheia de recamos idílicos, pois carvalhos, sobreiros e pinheiros lutam em competência ornamental. Estamos já no condado do (1,5 km) Covo, com sua mata comprida de quilómetros, que desce as declividades desta encosta, refresca as raízes no riozito que passa lá ao fundo e, depois, subindo, cobre roda a serra de em frente, vence os seus cumes e espalha-se, ainda, para a outra banda. / 606 /

Termina o túnel de folhagem e, numa volta, dominando a estrada, ergue-se um aglomerado de edifícios – um casarão, uma capela, outras dependências, tudo com ar vetusto e um certo abandono poético. São as moradias dos condes do Covo, «senhores da honra de Cesar e Gaiate», aos quais Camilo se refere num dos seus livros. Não há nenhum primor arquitectónico, nenhuma obra de arte à vista; mas a paisagem, emoldurada em colinas, mostra uma austera beleza. Por detrás destas edificações do Covo encontra-se a primeira fábrica de vidros que houve em Portugal.

Já existia aqui no séc. XV e quando, mais tarde, surgiu uma fábrica concorrente no sul do Pais o rei concedeu à do Covo o exclusivo da venda de objectos de vidro, desde o Mondego ao Minho. No séc. XVI, D. Sebastião dava novo privilégio. Em benefício do industrial do Covo ninguém podia assentar outra fábrica desde a vila de Coruche à fronteira com a Galiza caso contrário, o forno ilegal seria destruído e o seu proprietário indemnizaria o fabricante do Covo com 200 cruzados. Se o consumo fosse inferior à produção, a fábrica podia deixar de laborar um ou dois anos mas devia ter reservas para, durante esse período, abastecer o mercado.

A existência desta fábrica em sítio ainda hoje quase despovoado, justificava-se, talvez, pela abundância de lenha e argila própria no local e, ainda, por se encontrar facilmente quartzo a 2 km apenas de distância, na aldeia de Vermoim, que iremos atravessar.

Agora, a estrada corre entre oliveiras e sobreiros, ladeia alguns campos, passa defronte de pobres casebres perdidos na solidão e, além, galga o pequeno rio Ínsua, murmurante de amieiros. Começa a subida da mata. Na Primavera, os medronheiros em flor espreitam os transeuntes e o verde tenro do carvalhedo contrasta com o verdor escuro do enorme pinhal. Quase ao fim da ingremidade, à esquerda, uma estrada municipal dá acesso a Pinhão, lugar lavado de sol, que vive sobre um cocoruto, aqui pertinho. A vegetação prossegue vigorosa: à beira da estrada, carvalhos vestidos de líquenes; nas encostas, os pinheiros cobrem todas as dobras do terreno. Cerra-se mais o horizonte. Continuando, porém, a subir, em breve se atinge o dorso da serra, fim do condado e princípio da freguesia de Ossela. Desce-se, agora. Dum lado e de outro ostenta- se o casario da aldeia de Vermoim.

A terra humilde e bela começa a ter história. Ossela, segundo Pinho Leal, é um dos mais antigos povoados do Pais. Já acendia o seu lume antes da fundação de Portugal. Já era paróquia no tempo dos Godos. Teve o seu crasto e viu travarem-se, nos seus vales, ásperas batalhas. Uma, de Lusitanos contra Romanos, tão dura teria sido, afirmam vários / 607 / cronistas, que as veigas e encostas ficaram cheias de cadáveres, mais tarde de esqueletos expostos ao sol, tantos, tantos, que a esse ossuário descoberto deveria Ossela o seu nome. Querem ainda outros pesquisadores que a freguesia de agora fosse, outrora, uma cidade, Ossa chamada, que os gregos fundaram em 1304 a. C. Posteriormente, no séc. X da nossa era, Ordonho II, rei de Leão, doava o padroado de S. Pelágio de Ossela ao mosteiro de Castromide. Rija baralha se teria realizado aqui pouco depois, isto é, no ano 996, quando reinava D. Bermudo II, o Gotoso. Dum lado, os Mouros, capitaneados pelo grande Almançor; do outro, os Cristãos, fortes nesta mesma aldeia de Vermoim que atravessamos agora e chefiados pelo progenitor dos condes da Feira, D. Froilaz Vermuiz, que ao lugar teria deixado o seu próprio nome. Claro, tão longa jornada no tempo não a pode fazer, incólume, a verdade; ela tem de chegar até nós, fatalmente como toda verdade histórica velha de séculos, com mutilações e deformações, inchada duma banda e mirrada da outra. De tão vasto passado além das sepulturas dum crasto, pouco mais existe que se saiba. A maioria dos actuais habitantes ignora mesmo o que a sua freguesia foi outrora. Gente boa e simples, que se levanta com o sol nado e se deita com o sol posto, ela trocou as armas guerreiras dos antepassados pela enxada com que amanha, infatigavelmente, a terra nativa.

A estrada salta um ribeiro, um velho chafariz mais além e principia a subir de novo, pinhal fora. Lá em cima, alguns casebres entre o arvoredo. É Sobradelo. Outra curva, em ascensão, logo duas casas e um ramal à direita. Este braço da estrada dá para Santo António de Ossela, a 1 km de distância, por uma galeria de pinheiros.

Santo António é o centro oficial da freguesia: ali está a escola, a igreja e o cemitério. Neste repousa a malograda escritora Diana de Liz, nascida em Évora, que morreu na juventude, autora dos livros «Pedras falsas" e «Memórias duma mulher da época", publicados postumamente. O sítio, mui romântico, espairece num promontório que domina o vale. Uma avenida de tílias desce para a velha capela de Santo António, donde se vislumbram as terras do Caima, as casitas dispersas na encosta fronteira e, lá em cima, na serra da Felgueira, o templo branco da Senhora da Saúde, afamado desde as regiões da beira-mar às montanhas de Arouca. É aqui, no pinhal à direita a capela de Santo António, que começa o nosso romance «Emigrantes».

Voltando à estrada deixada há pouco, entramos no lugar dos Salgueiros. Dele se obtém o melhor panorama do vale de OsseIa. Foi nesta longa bacia, que a serra de Felgueira fecha, como uma muralha imponente, que se teriam realizado algumas das batalhas a que já nos referimos. Foi nela, também, que se encontrou, trazida de Cambra, uma lápide romana, cuja inscrição Faria e Sousa traduz, assim, na sua «Europa Portuguesa»: «As coortes e companhias da legião décima, chamada fretense, que se alojavam e presidiam em Vouga, Ossela, Lanco, Cale e Emínium oferecem espectáculos e jogos de gladiadores ao imperador César, / 608 / Divo Augusto, contado no número dos deuses: e estas cidades da Lusitânia fizeram o dispêndio e diversas hecatombes».

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(1) – Este texto, até à pág. 612, é de FERREIRA DE CASTRO
 

 

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pp. 605-608