A
Murtosa
formava, até à sua autonomia concelhia (29 de Outubro de 1926), uma
única freguesia com uma população fixa de 12 000 habitantes e outra
emigratória. Hoje está dividida em três freguesias: Monte,
Torreira e Murtosa. Há mais uma freguesia, Pardelhas,
só eclesiástica.
Gente
de actividade e iniciativa, especialmente na arte marítima, estende-se
por todo o litoral, passa ao Brasil, às nossas colónias e, ultimamente,
à América do Norte. Algumas freguesias do concelho de Estarreja também
dão fortes contingentes a esta emigração, dedicando-se a diferentes
actividades, nos grandes centros fabris do Novo Mundo.
[O murtoseiro tem características especiais. Distingue-se
dos seus vizinhos, com excepção, talvez, dos vareiros. Parece mesmo que
colónias especiais trouxeram características diversas aos diferentes
agregados populacionais da Beira-Ria. De aldeia para aldeia notam-se
tendências, indumentárias e actividades que estão longe de ser
uniformes. A fonética diverge de terra para terra. As pessoas da região
conhecem a naturalidade das diversas freguesias confinantes pela forma
como falam.
Diz-se que as terras da Murtosa principiaram
definitivamente a ser habitadas em 1200, já depois de constituída a
monarquia portuguesa. Antes, colónias fenícias, gregas e outras, vindas
de zonas piscatórias do Norte da Europa, estabeleceram-se por estas
paragens; mas o estudo preciso destas colonizações, que se fundaram e
instalaram, a princípio, um pouco a nascente das terras furtadas à Ria,
e que só mais tarde desceram para os novos povoados, não está feito, e
não sabemos se poderá conseguir-se sobre bases seguras. O forasteiro que
vier a estas paragens em época de romarias, e em especial na de S. Paio,
e atentar no donaire, graça e traços fisionómicos da mulher
murtoseira e na elegância máscula e bem proporcionada dos pescadores
desta terra, recordará algumas esculturas gregas e as figuras que ornam
certas jarras das velhas civilizações mediterrâneas. Pinheiro Chagas
louva nas murtoseiras «as suas formas esculturais, a sua palidez morena,
o seu radioso olhar». Teófilo Braga insiste na ancestralidade
grega; mas não houve apenas essa colonização. Um facto nos parece certo:
a não uniformidade étnica de tipo da Beira-Ria.]
Chegados ao Monte, primeira freguesia do concelho,
densíssimo aglomerado de população que se estende principalmente para o
Norte,
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para os lados do Bunheiro e em que alguns telhados são caiados à maneira
do Douro, fica à direita, a sua nova matriz, de recente construção, e
logo adiante (6,9 m.) encontra-se Pardelhas,
com a sua azafamada Praça, onde se realiza todos os dias, de manhã cedo,
um importante mercado de peixe. Ao fundo da praça, vê-se a avenida que
leva a outra igreja, esta acabada de construir em 1939.
(Pensões: Costeira e Murtoseira, esta com restaurante;
automóveis de aluguer: Auto-Viação da Murtosa; iluminação. Luz
eléctrica; teIégrafo e telefone; dois teatros e dois clubes). É o centro
do concelho da Murtosa. É notável pelo seu asseio (casas muito caiadas).
Possui um hospital, sustentado pela Misericórdia da vila, denominado de
S. Lourenço. A água é de inferior qualidade. Uma estrada
municipal, à esquerda, une-a à povoação que tem o nome especial de
Murtosa, 1,7 km a Sudeste, já quase à beira-ria.
Veiros, Santa Luzia, o Monte, Murtosa, Pardelhas, formam
como que uma única e enorme povoação; mas cada uma delas já por si é
grande, sobretudo Pardelhas e Murtosa, sendo numerosos os seus
estabelecimentos comerciais.
As indústrias locais são a pesca e a apanha de algas da
Ria, utilizadas pela agricultura da região, que é importante. Fábricas
de moagem de milho e de manteiga. Tem tomado certo desenvolvimento a
indústria caseira de peixe em escabeche.
Possui algumas ribeiras, quase todas muito pitorescas. A
de Pardelhas e a do Bico são muito importantes pelo seu
grande tráfego (materiais de construção, lenhas, etc.), Além das duas
igrejas já mencionadas, há a matriz da Murtosa com um rico altar de
talha da Renascença, e a do Ribeiro. Pode seguir-se, entre tamargueiras,
à beira da ria da Murtosa, um dos braços da ria de Aveiro, da
Ribeira de Pardelhas até ao Bico da Murtosa, observando-se no trajecto a
fusão do viver piscatório com o campesino, que é um dos encantos da
região. A maneira como aqui têm proliferado os chalés é
espantosa; pode dizer-se que é hoje o tipo local da construção. Mas tão
aveludada é a atmosfera que envolve aqui os seres e as coisas que a
gente se sente disposto a ser indulgente para com estes ultrajes ao
gosto e à lógica geográfica. Do Bico, há uma larga vista para
Estarreja, Salreu, Fermelã, Canelas, Angeja, Cacia, Sarrazola, Póvoa do
Paço, Esgueira, etc.; como pano de fundo, a serra da Senhora da Saúde,
para os lados de Albergaria; na direcção de Angeja, em dias límpidos, o
Buçaco. Seguindo pela estrada que contorna a Praça de Pardelhas, e
passando pelo (8,2 km.) Esteiro. Donde se destaca, à direita, uma
estrada municipal que vai ao (2,6 km. Nordeste) Bunheiro e a
Pardilhó (pág. 552), chega-se (9,5 km.) à Béstida (telefone),
pertencente à freguesia de Bunheiro. É um espaçoso e bem construído
cais, e onde podem estacionar automóveis e donde se desfruta o
surpreendente panorama do estuário da Ria de Aveiro num dos seus pontos
mais interessantes. Atravessa-se em barco (carreira regular) o braço da
ria Torreira-Ovar, que aqui mede cerca de 1,8 km., o que constitui,
sobretudo em dias de vento regular, um dos mais agradáveis passeios da
região (aspectos interessantes, na travessia, da apanha do moliço, feita
aqui por centenares de barcos moliceiros). Desembarca-se no cais da
Torreira.
A Torreira
é uma freguesia com dois núcleos de população: um junto à Ria, e outro à
distância de 1 km., por estrada, entre dunas de areia, (Costa da
Torreira), que fica junto ao mar. É uma praia classificada, frequentada
sobretudo por gentes do distrito de Aveiro. Ali redigia José Luciano
de Castro, em 1854, para ser impresso em Aveiro, o discutido “Boletim
da Torreira”. Nos dias 7 e 8 de Setembro, realiza-se no cais uma das
romarias de maior fama do distrito, a de São Paio. Há várias empresas de
pesca – companhas – que
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laboram na costa marítima. A freguesia estende-se, a norte e a sul, por
matas de pinheiros e outro arvoredo, que tornam muito aprazíveis estes
lugares. A maior parte da população vive da pesca, mas só – com poucas
excepções – ali estaciona durante os meses em que pode dedicar-se à
faina do mar (Março a Novembro): aliás a decadência das artes de xávega,
observada em todo este litoral, tem tendência a anulá-la como praia de
pesca, para ficar sendo apenas praia de banhos. Outra parte da população
fixa, 1054 habitantes, dedica-se à lavoura e vive nas matas (quintas),
que enquadram a Torreira. Ainda se vêem por aqui alguns palheiros
construídos em madeira, mas com frontaria de adobe.
Pensa-se em ligar as duas margens da Ria, neste sítio,
por uma ponte, completando assim a E.N. 32-2.ª, e construir, do lado da
Torreira, uma estrada marginal, já iniciada, de S. Jacinto (pág. 523)
até Ovar. Estas duas obras farão destas paragens uma das mais formosas
regiões de turismo do País. A Torreira é muito visitada por artistas,
pintores e homens de letras.
Da Béstida ao Bunheiro e a Pardilhó
(8 km Nordeste, por estrada municipal).
– Toma-se para o Nordeste, à esquerda, vindo da
Béstida, a fim de atravessar a rica e populosa freguesia do
Bunheiro (telefone), do concelho da Murtosa, de feição notadamente
agrícola. É terra fertilíssima em cereais e frutas, especialmente
laranja, de óptima qualidade. Tem abundância de Bunho (tabúa), de
onde lhe vem o nome, uma fábrica de manteiga e várias desnatadeiras. A
ria divide-se, aqui, em três braços: Martinho, Gago e
Mancão. De qualquer deles se apreciam variados panoramas. São
notáveis as suas extensíssimas «marinhas», por entre cujos juncais
serpenteiam largas regueiras, que são outros tantos viveiros de peixe,
em especial de enguias e de tainhas. Excelentes algas para adubo.
As pastagens das terras marginais da ria permitem uma
importante criação de gado, sobretudo bovino e cavalar. Este
último provém do cruzamento de cavalos anglo-normandos com éguas
portuguesas, sendo de relativa corpulência. O gado bovino, conhecido por
marinhão, pertence à sub-raça chamada mirandesa – beiroa, sub-raça
que se distingue pela estreiteza e comprimento da cabeça, a finura e
irregularidade dos chifres, em geral curtos, e a pelagem clara.
Além da Béstida, tem o Bunheiro outros sítios dignos de
ser admirados, como, por exemplo Muro e Lourosa. Possui também algumas
capelas, como a de S. Silvestre, interessante pela sua galilé, de
apreciáveis dimensões, e a de S. Simão, que nos fica à esquerda, pequena
e modesta, mas curiosa, em forma de forno. Passa-se, desta capela, à
igreja paroquial, revestida exteriormente de azulejos, com bons
altares e belas imagens. Uma estrada cheia de pitoresco liga o
Bunheiro a Pardilhó (pág. 552), que outra estrada duns 6 km põe
em comunicação com Avanca.
4.º) A Oliveira Azeméis, (12,9 km, NNE) – Entre
Estarreja e Oliveira de Azeméis encontram-se, pela estrada, a cada
passo, mulheres com o chapelinho de testo tradicional na região.
Antes de subir a encosta, fica, à direita, a casa da
Fontinha, e à esquerda, outra que pertenceu à família Saraiva, ambas
de fraco valor arquitectónico. Subindo a encosta, vê-se uma interessante
casa do século XVIII, bem conservada e armoriada, e outras há na mesma
zona e do mesmo século, o que demonstra que o torrão era fértil e
apetecido. No alto da colina, a uns 400 metros de Estarreja, fica a
igreja de S. Tiago de Beduído, velho templo, como o atesta a
inscrição, que se lê em uma pedra de uma das suas paredes:
«D. Afonso III, Senhor Rei de Portugal, no ano do Senhor
1253 – D. Vicente, Bispo do Porto, dedicou esta Igreja ao 10 de
Fevereiro e fez Reitor dela Pelagio para glória de Deus e Santiago».
Beduído
provém, segundo se crê, da palavra árabe Badani (Bedoino),
«homem do campo», pois o local era habitado por camponeses.
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O cemitério ao lado guarda, em modesto mausoléu de campa rasa, as cinzas
do notável jurisconsulto José Homem Correia Teles, autor do «Digesto
Portuguez» e de outras obras de ciência jurídica. O cruzeiro tem
originalidade, por ter o Cristo crucificado e estar vedado às
intempéries por galilé de alvenaria e oratório de vidro.
Retomando a estrada de Oliveira de Azeméis, defronta-se
com uma pequena casa térrea, despojo, sem valor real, do antigo solar
dos condes de S. Tiago de Beduído (Mesquitelas). A Este, a Quinta da
Costa, que também foi sua pertença e é hoje de Carlos Marques
Rodrigues. Central mista de serviço particular, com queda de água do rio
Antuã, de 3 metros (24 kW), e estação termoeléctrica com potência
instalada de 30 kW; fornece energia a Estarreja (linha de 1,8 km).
Perto, existe um portão com escudo episcopal que dá acesso a uma casa de
escadaria exterior, com capela ao lado, de interessante construção do
séc. XVIII. Ali morou D. Frei Caetano Brandão, que nasceu em Loureiro,
ao tempo da freguesia de Avanca. Este insigne prelado, que foi bispo do
Pará e depois arcebispo de Braga, teve uma notável obra social de
auxílio aos pobres e doentes, tendo criado em Braga uma Escola Médica,
em que a anatomia e outras disciplinas foram professadas durante alguns
anos.
Subindo pela estrada, alcança-se, a pouca distância (1,3
km.), o terreiro de St.º Amaro, onde existe uma ermida erigida a
este santo. Ali se realiza uma importantíssima feira nos dias 15 e 30 de
cada mês. A do dia 15, a mais concorrida, foi instituída por D. Afonso
VI por alvará de 1663, «feira a realizar em torno da ermida de Ssnto
Amaro», que, portanto, já existia nessa época.
[De Santo Amaro em direcção à estrada nacional e a
Oliveira de Azeméis, encontra-se a chamada * encosta da Minhoteira,
lindíssimo vale por onde desce o Antuã. É uma das formosas paisagens da
região. Um ramal que leva de Santo Amaro, pelo (385 m.) Campo e
(1,5 km.) Santiais, à (4,6 km.) Minhoteira e (4,9 km.)
Ponte da Minhoteira e ao (7,2 km. Norte) Pinheiro da Bemposta,
permite visitar esse interessante trecho do distrito, notável pela sua
paisagem verdejante e idílica e o colorido das suas ásperas e pitorescas
encostas revestidas de pinheirais.]
5°) A Ovar (11,5 km NNO.) – Tomando a estrada de
paralelepípedos em direcção ao Porto, paralelamente e à direita da via
férrea (à distância aproximada de 1 km.) passa-se não longe de
Samouqueiro, mata onde a Sapec está a construir uma grande
fábrica de adubos e produtos químicos. Em seguida, vêem-se as primeiras
casas da freguesia de (2,7 km.)
Avanca,
a mais extensa do concelho e uma das mais populosas, pois tem cerca de
4000 habitantes. Avanca, além de ser um notável centro agrícola, é hoje
o mais importante centro industrial do concelho, possuindo uma
subestação de energia eléctrica, com um transformador da potência de 21
000 kW.
A sua indústria de lacticínios tem algumas fábricas
notáveis. Uma delas, a do Pensal, trabalhando em ligação com a
conhecida sociedade industrial suíça Nestlé, tem uma excelente
instalação. Há também muitas desnatadeiras domésticas. Além do pessoal
empregado nas fábricas, muito se ocupa no transporte do leite e outro no
desenvolvimento de forragens para o sustento das vacas.
Tem Avanca ainda outra indústria, a da manufactura de
ferro: camas, cofres, material hospitalar, de consultórios, etc.
Entra-se na povoação pelo lugar denominado Santo,
em que há um pequeno largo com uma capela a S. Sebastião, sem valor
artístico. Depois de atravessar uma pequena ponte sobre o rio Gonde,
chega-se à igreja paroquial, grande edifício no estilo de D. João V. A
sua construção iniciou-se em 1727 e terminou em 1749. Merece uma visita,
pois possui belas imagens de madeira do
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século XVIII, e o trabalho de granito, embora sóbrio, é elegante e
harmónico.
A poucos metros de distância, encontra-se um cruzamento
de estradas. Das transversais, uma segue, a Este, para o lugar da
Aldeia, onde há uma casa do século XVIII que pertence ao magistrado
dr. Artur de Oliveira Valente; a outra vai à fábrica Pensal. Em frente,
segue a estrada para Ovar. Vê-se à esquerda um bem lançado cruzeiro de
granito, um largo arborizado onde se realiza um mercado bissemanal e a
capela de Santo António. A direita fica a estação telégrafo-postal com
cabina de telefone. – Contornando a capela e tomando a esquerda pela
estrada que segue para a estação do caminho de ferro de Avanca, em
direcção a Pardilhó, encontra-se à esquerda outra estrada, bastante
estreita, que segue para a fábrica Pensal e em que se ergue o edifício
mais antigo de Avanca, do séc. XVI, a Casa do Mato, bastante
danificada, mas que ostenta ainda um belo portal armoriado, de granito.
Caminhando para a estação, vê-se à direita a Casa do Outeiro,
hoje abandonada, em que, além da sua típica arquitectura, coeva da
igreja paroquial, tem, ao lado, uma formosa capela, de preciosa
decoração granítica. Notam-se três fábricas de móveis de ferro perto da
estação, de um e outro lado da estrada. A estação ostenta quadros de
azulejo, entre os quais merece menção o do retrato de D. Frei Caetano
Brandão, feito numa das olarias de Aveiro. Passando a linha em direcção
a Pardilhó, fica à esquerda, a antiga Casa da Areia, que tem
certo interesse pela forma do telhado e, à direita, a Casa do
Marinheiro, que pelo seu proprietário Dr. Egas Moniz foi construída
em 1915, sobre a primitiva, datada do século XVII.
Continuando pela estrada, encontra-se no sítio da
Areia um ramal, de 2,3 km. Noroeste, à direita, que vai à Ribeira de
Mourão. Os portos da Ria de Aveiro são designados ribeiras. Por
eles se faz um grande tráfego de algas, junco e mais adubos, lenhas e
outras mercadorias, algumas delas vindas de longe, pelo rio Vouga.
Continuando pela estrada da esquerda, para
Pardilhó,
passa-se no aprazível lugar de Fontela, extremo da freguesia de
Avanca, onde hoje existe, num bom edifício, uma nova fábrica de
lacticínios. A esquerda, a
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modesta ermida da Senhora da Saúde, onde vão, amiúde, as chamadas
«novenas» de crianças entoando cânticos religiosos.
Atravessando uma ponte sobre uma levada de certas baixas,
no Inverno quase sempre alagadas, entra-se (3,6 km.) na freguesia de
PardiIhó (telefone), uma das mais populosas e activas do concelho.
Ao contrário de Avanca, em que as casas se espalham, com pequenas
excepções, pela várzea, e a que estão ligadas pequenas propriedades
rurais, Pardilhó tem a maior parte das suas habitações juntas e
arruadas, com um aspecto citadino.
Parece não haver dúvida de que Pardilhó assenta sobre
areias que pouco a pouco foram arrebatadas à Ria. No documento em que D.
Afonso III doou ao convento de Arouca as vilas de Antuã (actual
Estarreja) e Avanca, não há referência a Pardilhó. Num documento do
século X, publicado na «História de Válega», pelo P. Miguel de Oliveira
lê-se a doação de terrenos à volta de Fontela (antiga Fontanela)
com a denominação de «terrenos para salinas», os que ficam para o lado
do mar, isto é, aqueles em que hoje está edificada a laboriosa aldeia
pardilhoense.
Para essas paragens eram mandados os indesejáveis da
região, parecendo que foi seu primeiro habitante Pedro Ribalta, de que
se conservou memória por longos anos. A ele se refere, num estudo sobre
esta aldeia, o sr. Ismael Ferreira de Matos.
Pardilhó, ainda ao tempo pequeno lugar, foi anexado, em
1601, ao Bunheiro. Depois, foi curato de Avanca. Durante o domínio
filipino, foi edificada a primeira igreja (1638), de que não há
vestígios, sendo depois substituída pela actual, construída em 1812,
edifício vasto, mas sem beleza arquitectónica. É rodeada por um grande
largo arborizado, onde se realizam duas concorridas feiras mensais, a 9
e 23. Faz-se ali um mercado diário de certa importância (peixe,
hortaliça, etc.). Está neste largo a sede do Sindicato Nacional dos
Carpinteiros Navais do Distrito de Aveiro, que fica em frente à igreja e
que mostra a importância e o predomínio dos artífices das construções
navais que dali, como de escola especializada, saem não só para o
distrito, mas para todo o País.
Se não há monumentos a apreciar nesta aldeia, em
compensação, merecem visita as suas ribeiras, com belos aspectos da Ria
e, em especial, a chamada da Aldeia e a das Bulhas, com
regulares estradas de acesso. São de grande importância comercial. A
Ribeira da Aldeia tem um desembarque superior a 12 000 toneladas anuais.
A paisagem pré-crepuscular destes pequenos portos da Ria, alguns
sulcados por canais, é de uma grande suavidade de tons e de uma
impressionante tranquilidade; lembra as marinhas que os orientais
apresentam nos seus quadros e em muitas das suas lacas. Há outras
ribeiras (Nacinho, Teixugueiras, Tabuado Formiga, etc.) de mais difícil
acesso. Todas apresentam, através dos seus estreitos, curiosas
perspectivas.
A principal indústria da terra é a de construções navais.
Há ainda alguns estaleiros, mas a sua actividade está em decadência,
tendo os mestres e operários emigrado para a Gafanha, Lisboa, Figueira
da Foz, Setúbal, etc., onde são preferidos por serem sabedores e
honestos no seu trabalho, A pesca da ria é outra indústria, e
importante, da aldeia. A pesca ao candeio, agora proibida, feita à fisga
nas noites escuras, era outrora um movimentado espectáculo, digno de ser
presenciado, em que mostravam a sua perícia os habilíssimos pescadores
locais.
Existem ainda pequenas indústrias caseiras: tecelagem,
malhas, vassouras de junco, etc. A agricultura (milho, feijão, batata,
melões, melancias, etc.) está aqui muito desenvolvida, como, aliás, em
todo o concelho de Estarreja e limítrofes.
Saindo de Avanca em direcção a Ovar entra-se, em seguida,
numa várzea alta, oferecendo à esquerda uma bela vista da aldeia que,
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ao fundo, a Ria listra em luminoso traço. Atravessam-se duas pontes e
entra-se (7 km.) na freguesia de Válega, a primeira do importante
concelho de Ovar. É terra antiga, onde, em tempo, houve duas vilas:
Pereira e Dagaredi. Foi doada em 1002 pelo presbítero Árias ao mosteiro
de Lorvão. Na sua área houve salinas, em Cabedelo, como consta de
documentos que datam de 929.
Logo ao entrar em
Válega
se depara, à esquerda, com a igreja, que data de 1746. Foi construída em
substituição de outra que existiu junto do local, coeva da fundação da
Monarquia, pertença do mosteiro de S. Pedro de Ferreira até 1288 e do
Cabido do Porto desde esse ano até 1583. O actual templo é de construção
simples, com a fachada virada ao mar.
São muitas as capelas de Válega, algumas muito antigas,
mas reconstruídas. A ermida de Nossa Senhora de Entráguas fica
para Oeste, um pouco distante da igreja, e foi fundada por D. Diogo
Lobo, bispo eleito da Guarda, em 1640. Por escavações feitas, em que se
descobriram restos de casas e de embarcações, parece ter ali existido
uma povoação de que não há memória. Chegaram até àquelas paragens
esteiros da Ria. É local aprazível que pode visitar-se pela estrada
Avanca-Mourão. Adiante da igreja fica uma escola, devida aos irmãos
Lopes, que data de 1910. A principal actividade de Válega é a
agricultura. Ali tomou grande incremento a criação de gado bovino.
Produção abundante de leite, fábrica de manteiga e queijo. Tem apeadeiro
na linha Lisboa-Porto (p. 565) e posto telefónico. É servida por dois
esteiros da Ria, sendo o mais importante o da Ribeira do Puchadouro. De
casas antigas apenas resta a Quinta da Boavista, que ostenta
sobre a porta um brasão.
Camilo Castelo Branco refere-se, no livro Cavar em
Ruínas à bruxa do Seixo, que é lugar de Válega, a Sudeste, e não de
Vila da Feira, como escreveu o romancista; as proezas da bruxa ainda são
recordadas na tradição popular.
Uma estrada de 3 km, à esquerda, liga Válega ao
Puchadouro (cais sobre um dos braços da ria de Ovar).
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