A costa marítima onde o Vouga lançava primitivamente as
suas águas, além de ficar muito mais para o interior, devia ter (como já
se anotou, pág. 474) uma configuração inteiramente diversa. O rio
cortaria na zona costeira uma profunda e ampla chanfradura que ainda
pode apreciar-se na escarpa que bruscamente se levanta sobre a sua
margem esquerda entre Eirol e S. João de Loure. Esse antigo «mar
interior», revelado pelo aparecimento de numerosos restos de peixes e de
moluscos marinhos em sondagens feitas nas aluviões de Macinhata,
evidencia-se bem na zona pantanosa onde assentam as pateiras de
Fermentelos, Frossos e Taboeira. Era aí que as águas torrenciais do
Vouga experimentavam o embate das águas das marés. Mas por onde passava
essa antiga linha de costa? O estudo da constituição geológica da região
em volta de Aveiro mostra-nos que uma linha, coincidindo em parte com a
via férrea, tirada de Esmoriz por Ovar, Estarreja, Salreu, Fermelã,
Angeja, Esgueira, Aveiro, até Vagos, separa duas zonas completamente
diversas, tanto pela sua idade como pelo seu modo de formação: a Este,
ficam os terrenos antigos, triássicos, cretácicos ou ainda pliocénicos;
e a Oeste, sobrepondo-se a estes com mais ou menos evidência, formações
quaternárias, de sedimentação marinha e em parte fluvial. Ao Norte do
Vouga as formações arenosas modernas recobrem os terrenos mais antigos,
sendo difícil distingui-las, por vezes, das areias do plioceno. O mesmo
não sucede, porém, ao Sul do rio, onde a antiga linha da costa era em
certos pontos talhada em escarpa, como se verifica nas encostas do vale
do Cojo em Aveiro, mostrando que as ondas e as marés devem ter exercido
ali por muito tempo a sua acção de desgaste. Sondagens feitas no vale do
Cojo acusam uma altura de vasa de 18 metros. Por outro lado, observações
feitas sobre a distribuição dos monumentos pré-históricos e ainda as
notícias colhidas em antigos documentos (dois dos quais, de 1059 e de
1101, se referem à existência de salinas respectivamente em Alquerubim e
em Ovar), permitem-nos traçar a directriz provável da antiga linha de
costa, que coincide com a demarcação acima indicada entre terrenos de
idades geológicas diferentes. Um dos locais por que passava essa linha
litoral, a Nordeste de Mira, ainda conserva o nome de Portomar. E o
portulano de Petrus Visconti (1318), reproduzido no Atlas do
Visconde de Santarém, representa a reentrância perfeitamente marcada. É
esta diversidade de aspecto topográfico entre a região do Baixo-Vouga na
época actual e o que era na época proto-histórica que deve harmonizar a
opinião unânime dos autores antigos de que Talábriga ficava junto
da foz desse rio (Vacca ou Vacuam) (pág. 473) e a contagem
das milhas na estrada romana e considerações derivadas da natureza do
terreno, que se opõem a que ela ficasse no lugar actual de Aveiro ou nas
suas imediações.
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A notável povoação da antiga Lusitânia devia, com efeito, ficar mais
para o interior, perto do braço marinho onde o Vouga desaguava, e onde
desaguavam, também, independentemente dele, o Águeda e o Cértima, braço
marinho que as aluviões dos três rios ulteriormente haviam de fazer
desaparecer. Então ainda Aveiro e muitas povoações da ria não existiam e
a ria não existia também, apesar do cordão litoral estar talvez já em
parte construído. A coberto desse cordão de areias protector, que
gradualmente foi avançando para o Sul, começaria o rio a fazer
regularmente os seus depósitos, tendo já atenuada a influência corrosiva
das marés e suprimido o aríete poderoso de uma irregular circulação
marinha. Em todo o caso, este singular acidente litoral deve ir além da
era cristã.
No decorrer dos tempos históricos, a obra de colmatagem
natural no curso inferior do Vouga continuou e continua a fazer-se. Ano
após ano se vão acusando as acções que contribuem para o
«envelhecimento» deste acidente, que se traduz por um assoreamento
progressivo. São essas acções, sobretudo: as aluviões provenientes dos
cursos de água que afluem à ria (o Vouga, o Antuã, o Boco, etc.), e as
acções eólicas, que tendo erguido a barreira arenosa que cerra a laguna
do lado Oeste, continuam a introduzir o mesmo efeito, contribuindo
bastante para a exalação dos seus fundos. Os ventos mareiros,
especialmente o de Norte-Noroeste, aqui dominante, sobretudo no Estio,
arranca partículas arenosas às dunas exteriores e lança-as, em forma de
chuva, sobre as águas da ria. Durante dois anos, o braço de Mira, por
exemplo, recuou, segundo testemunhos autorizados, 48 metros para o
Norte. Atestam ainda a redução da ria e a diminuição de profundidades –
que atinge em alguns pontos 6 cm. por ano – os numerosos braços mortos
que nela se podem notar. Estas observações revelam a extensão das
ameaças que pesam sobre a ria, fonte principal, não só de beleza, mas de
vida desta tão populosa e característica região.
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(1)
– (Transcrições autorizadas do estudo do Prof. AMORIM GIRÃO, Bacia do
Vouga. p. 55-58).
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