[O que faz a maior importância de Aveiro
(2) e lhe dá
fisionomia inconfundível é a Ria, um dos raros acidentes litorais que,
como a concha de S. Martinho do Porto, a Lagoa de Óbidos e a ria de
Faro, interrompem a uniformidade da costa portuguesa, em geral
rectilínea e sem grandes recortes. Pela sua configuração e extensa área,
beleza da sua paisagem e valor económico para a região – verdadeira
bacia labiríntica, com uma rede extremamente complicada de canais,
servindo de meio de comunicação e campo de actividade a um grande número
de freguesias de sete populosos concelhos que lhe ficam limítrofes – a
ria de Aveiro constitui um fenómeno hidrográfico muito original.
Assim o reconheceu o geógrafo espanhol Dantin Cereceda ao
escrever que «la laguna ò estanque de Aveiro... no tiene semejante en
todo el litoral ibérico» – no que talvez tenha ido demasiado longe visto
que a ria (3)
de Aveiro tem certas semelhanças com os estanques e lagunas da costa
mediterrânica espanhola (Mar Menor, Albuferas, salinas de Torrevieja,
Alicante e Elche). É a mesma história e o mesmo aspecto fisiográfico:
bacias aquáticas orladas de dunas e fechadas por cordões litorais ou
tômbolas, apresentando os mesmos caracteres de maturidade e a mesma
colmatagem por deposição sedimentar. O facto de essas lagunas não
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se ramificarem do mesmo modo, de não terem a mesma disposição
«labiríntica», característica da ria de Aveiro, não exclui as evidentes
analogias essenciais. Análogas formações lagunares encontram-se, ainda,
fora da Península, nos haffs Bálticos da Pomerânia e da Prussia
Oriental – os do Oder, do Vístula e Pregel (Frische Haff), do
Niemen (Kurische Haff); e nas lagunas italianas da costa do
Adriático, no troço compreendido entre Aquila e Ravena, a maior das
quais, na Romanha, a de Commachio, cobre uma superfície de 39.000
hectares, mais do triplo da de Aveiro.
A ria de Aveiro estende-se num comprimento de 45 km N.-S., desde o
Carregal (entre a Praia do Furadouro e Ovar) ao Poço da Cruz (Mira),
sendo 11 km a sua largura máxima na direcção E.-O., entre os cais de
Canelas-Fermelã e o Bico de Moranzel, situado na margem interior do
cordão litoral de S. Jacinto-Torreira. A sua superfície regula por
11.000 hectolitros: 6.000 ocupados permanentemente pelas águas,
2.000 pelas salinas e o restante pelas chamadas
praias, cuja produção está ligada à ocupação agrícola
(4).
RIA DE AVEIRO – BARCOS MOLICEIROS, Foto Portugal
/ 500 /
Banha a parte Oeste do distrito de Aveiro e Noroeste do distrito de
Coimbra, servindo os concelhos de Aveiro, Murtosa, Estarreja, Ovar,
Ílhavo, Vagos
e Mira. As suas margens contam 25 freguesias.
A sua profundidade é muito variável e pequena,
excepto nas «cales» ou «calas», principais braços da ria. O
regime das marés e correntes interiores, resultantes das obras e
dragagens realizadas desde 1932, produziu importantes alterações e está
a ser estudado. No canal frequentado pela navegação marítima, as
profundidades são já as seguintes: entre molhes, 6,7 metros; deste ponto
até a cale das suas águas varia de 5,5 a 9 metros; da entrada desta cale
até o fundeadouro da Gafanha vai de 4 a 5,5 metros. No canal da Barra a
profundidade na praia-mar é de 5 metros.]
____________________________________
(1)
– Por RAUL PROENÇA e SANT’ANNA DIONÍSIO.
(2)
– Resumo de algumas minuciosas páginas descritivas de RAUL PROENÇA,
efectuado por imposição dos limites do presente volume. (Cf. Seara
Nova, n.º 771, de 23 de Maio de 1942).
(3)
– O nome de ria aplicado à formação lagunar aveirense, ao
contrário do que, por vezes, se tem sustentado, deve considerar-se
adequado. É uma designação consagrada por uma já larga tradição e que se
aplica neste caso com o mesmo sentido que é dado à ria de Faro (vol.
II, pág. 244), cuja morfologia, canal ou corredor, estendendo-se na
direcção O.-E. por algumas dezenas de quilómetros, entre a linha de
costa e um rosário de ilhas baixas e arenosas, é bastante diferente da
da ria de Aveiro, que largamente se expande, de maneira a encher uma
vasta reentrância, subdividindo-se numa rede complexíssima de braços,
mas cujo modo de formação é essencialmente idêntico. Tanto num caso como
no outro, se trata de formações absolutamente distintas, pelo processo
geológico que lhes deu origem, das rias da costa galega e asturiana que
se recortam mais ou menos profundamente da costa do Atlântico ocidental
e do Cantábrico, entre o Cabo de Peñas e sobretudo a Estaca de Vares e a
foz do Minho, e as principais das quais são as de Santa Marta, Ferrol,
Ares, Corunha, Muros y Noya, Avosa (a maior de todas), Pontevedra e
Vigo. Estas, as rias galegas, são, fundamentalmente, antigos vales
escavados ao ar livre, invadidos no plioceno pelas águas marinhas, por
efeitos de movimentos de abaixamento do litoral.
(4)
– Informações do comandante ROCHA E CUNHA.
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