Se nos dias comuns o sustento do habitante das Beiras é, geralmente,
magro, nos repastos dedicados à hospitalidade ou celebração de algum
caso festivo, atinge, por vezes, (como em Trás-os-Montes e Minho),
certos graus de abundância pantagruélica. O beirão, em regra, tem
o gosto de ser um digno anfitrião, cumulando o seu convidado de provas
de generosidade. À mesa, o seu hóspede é coagido a servir-se
destemidamente de tudo quanto lhe é oferecido, como sucede ao personagem
Tchitchikov em certo banquete rural descrito por Gogol. Com as primeiras
geadas, nas casas de certa abastança, dependura-se na adega o corpanzil
da seva, enche-se a salgadeira e põem-se ao fumo, dentro da grande
chaminé negra, os enchidos e os presuntos. Trazem-se os amigos para
provarem do lombo fresco, do vinho novo e dos torresmos. Nos baptizados
e nas bodas servem-se – como na outra margem do Douro, na casa do
vizinho trasmontano, não menos franco e apreciador da culinária antiga –
o cabrito assado ou o leitão e o arroz do forno. No litoral, as
refeições mais características são aquelas que incluem como iguaria
apetitosa as complexas e copiosas caldeiradas de enguias, tainhas
e muitas outras espécies, com um sem-número de condimentos. Entretanto,
certas comidas regionais, rudes umas, outras mimosas, vão caindo em
desuso. O caldudo, espécie de rancho pastoso e forte, feito de
castanhas piladas, que antes do morticínio dos soutos constituía o
alimento fundamental do trabalhador da Cova da Beira, quase desapareceu.
Algumas modalidades tradicionais de guloseimas gratas aos paladares
antigos vão sendo também mais raras. Sem embargo, pode dizer-se que nas
casas antigas da Beira, que ainda existem, aqueles que tiverem a ventura
de transpor o seu limiar, nas suas casualidades de viagem, poderão ainda
encontrar, em redor das suas lareiras patriarcais, reminiscências da
típica culinária que, por tradição enraizada na província, é dedicada à
hospitalidade. Não esqueçamos, no entanto, que na sua maior extensão, o
solo beirão é avaro, e que a subsistência quotidiana do pastor, do
gadanheiro, do lavrador mediano, é de frugalidade espartana. Em volta da
Serra a Estrela há, sobre o sustento colhido dos exíguos patamares de
cultivo, o que é dado pelos rebanhos: requeijão, migas de leite e os
afamados queijos da serra, de leite de ovelha. Onde se observa relativa
fartura de alimentação, mais baseada nos fumeiros e viandas de
salgadeira, é a nordeste, nas chapadas altas do Côa, criadoras de gado e
trigo. Na Beira Baixa, a ementa das refeições do cultivador, nos
melhores dias, é o presunto assado com azeitonas galegas, queijo
cabreiro, um caldo forte e pão de centeio ou, mais para as
margens do Tejo, o pão de cal (isto é, o pão branco, de trigo, de
tipo análogo ao do vizinho espanhol). Foi com estas refeições
«etnográficas» que o incansável e erudito calcorreador Leite de
Vasconcelos foi – como diz – em diversas residências rurais dessa
província honrado e recebido.
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