A aquisição e venda dos produtos da
terra, das alfaias agrícolas e do gado, a permuta rústica dum sem-número
de coisas, faz-se dentro das províncias portuguesas, em grande parte, à
margem dos processos modernos de comércio, por meio dos ajuntamentos
tradicionais das feiras. A Beira é rica em prazos marcados dessa
natureza. A todas as suas cidades, vilas e povoações de relativa
importância aflui em dias certos do mês ou da semana a população
dispersa dos vales e poviléus de algumas léguas de redor. Vindos daqui e
dali, descem pelos caminhos rudes as moçoilas com taleigos e açafates de
frutas à cabeça, os lavradores conduzindo as suas juntas de
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bois, umas de manha encoberta, outras de estimação, a gente mais pobre
fustigando os seus burricos e bácoros, teimosos, enquanto o negociante
forte de gado, num relance estrepitoso, lhes passa as dianteiras, a
trote, ou em enfático passo travado, bifurcado na faca chibante.
De maior envergadura, em certos dias do
ano, realizam-se em alguns concelhos as grandes feiras reminiscentes das
antigas feiras francas. Vale a pena ao viajante ajustar os
programas de excursão de modo a poder assistir a esses curiosos aspectos
da vida utilitária da gente beiroa. Este Guia presta uma merecida
homenagem ao espírito culto dum precursor, relembrando que Ramalho
Ortigão foi um apaixonado conhecedor das feiras, frequentando-as
como aventureiro e diletante, – «por simples namoro", como ele escreveu,
– fazendo grandes jornadas a pé, em diligências e a cavalo, comprando
hoje em uma de Basto alguma estampa de Alter, trocando-a, além, por uma
harmoniosa parelha de alazões, examinando por toda a parte os arreios,
os carros, os vestuários, os costumes, convivendo nas estradas com os
almocreves, nas estalagens com mercadores e salteadores, «pernoitando,
deitado nas manjedouras sobre o retraço dos machos, em Albergaria das
Cabras, na Trapa e na Farrapa», arrastado, enfim, um pouco à maneira de
Goethe, pela
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sua máscula preocupação de viver experiencialmente, para colher dessas
concretas provações a substância forte das suas páginas de bela e
equilibrada objectividade.
Entre as
feiras mais concorridas
da Beira Baixa deverá apontar-se a de
S. Tiago, em Tortosendo,
entre seculares castanheiros, e, na Beira Alta, a de
S. Mateus, em Viseu,
à qual antigamente ocorriam feirantes e tendeiros não só de todo o
centro e norte do País, mas mercadores espanhóis e franceses. Não menos
atraente pela singularidade do próprio terreiro em que se realiza, num
planalto de largos horizontes, situado às portas da antiga cidadela,
hoje ainda cercada de muros e torres, é a feira anual de
S. Bartolomeu, de Trancoso.
Em seus tempos áureos, este concorridíssimo arraial de mercadores,
burriqueiros e ciganos não ficava a perder de vista dos de maior nomeada
de toda a meseta, prolongando-se durante dias e dias as paradas de
pecuária, as transacções de géneros e os folguedos.
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