Não menos
que os seus moradores, as aldeias das Beiras, principalmente as mais
sertanejas, são, na sua vetustez e pobreza, cheias de carácter. Como
escreve um crítico de arte (João Couto), «em todas as aldeias da
Beira há pequenas indústrias artísticas – as cerâmicas, os tecidos, a
torêutica, etc. – que encheriam de curiosos exemplares as salas do Museu
Etnográfico, a criar em alguma das cidades beiroas, como inventário das
mais características expressões fabris das populações das três divisões
da província, de harmonia com os votos de mais de um congresso de
representantes das suas regiões».
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Entre
as indústrias tradicionais mais típicas da Beira interior, está a da
fiação e tecelagem do linho e da lã. Em panos alvos e duros de linho, de
fabrico doméstico, são feitas as formosas colchas de noivar da
região de Castelo Branco, bordadas a fio de seda, ostentando em cores
vivas, harmoniosas ramagens e palma, simbólicas alcachofras e romãs,
uvas e gavinhas, cravos e aves policrómicas. Em lã, de uso tão imposto
pelos rigores dos invernos das serras beiroas, são de mencionar as
preparações caseiras, em teares e pisões, de estrutura primitiva, dos
panos de burel, picotilho e serguilhas. Por toda a
Beira Alta e Baixa (em Manhouce, Tondela, Góis, Sabugal, Fundão,
Oleiros) se encontram ainda, como abencerragens, resistindo à
avassaladora competição do fabrico mecânico, tecedeiras e preparadoras
habilidosas neste género tradicional de manufactura. Do mesmo modo, não
merece menos atenção e apreço, a sobrevivência da fabricação dos grandes
chapéus rústicos, de lã, de Alcains e a resistência da indústria
originária de linho, estopa e tomentos, em Ranhados
(Mêda), Souropires (Pinhel), Jarmelo (Guarda) e na corda vouguense de
Lafões.
Na olaria, não citando a cerâmica moderna
e culta de Vista Alegre, na Beira Litoral, qualificada, pela
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transparência e pureza das suas criações de porcelana entre as melhores
congéneres de qualquer parte, há a nomear a dos fornos antigos de
Molelos, produtores de graciosas louças, em barro preto, com caprichosos
desenhos inscritos, à maneira da indústria contemporânea, sua
aparentada, de Bisalhães, dos contrafortes da serra do Alvão (Vila
Real), e dos remotos oleiros celtibéricos.
O que, na actividade do beirão interior,
acusa relativa indiferença artística são as alfaias rurais. Aí predomina
a rudeza e o senso prático estreme. Mas já nas serras, entre a população
contemplativa, pastoril, há frequentes expressões de vocação decorativa
nos trabalhos ingénuos de escultura em madeira, no fabrico de avenas, de
rocas, de relevos e incrustações, que alguns guardadores de rebanhos
realizam nas suas longas horas de solidão.
Relativamente às artes decorativas, em
pedra e madeira, não é lícito esquecer a actividade artística dos
lavrantes do calcário de Ançã, da região de Coimbra e Montemor-o-Velho,
à qual se deve a profusão iconográfica da província, a dos entalhadores
e marceneiros de obras de altar, de peças de mobiliário e tectos em
caixotões e de masseira que, aqui e além, muito raramente, ainda se
exerce (cfr. pág. 38, Alfarge) e a dos próprios carpinteiros de
barcos moliceiros, em cujo sentido fabril é de notar um certo gosto
gratuito de decoração, sublimador do útil, nos graciosos encurvamentos
das proas e combinações de faixas coloridas dos rebordos, que tão lúdica
fisionomia, vagamente veneziana e fenícia, imprimem às bateiras
gondolares da ria de Aveiro.
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