Observemos, então,
a figura 1, com acantos no jardim da nossa escola, para recordardes
comigo as características científicas do
acanthus mollis,
classificação dada por Lineu:
- planta
dicotiledónea, da família das acantáceas, espinhosa;
- com duas espécies (a silvestre, espontânea e a cultivada, de folha
mais fendida)
- arbusto que pode atingir 1, 5 m de altura, de folha lobada, vivaz, com
1 m de largura;
- a flor, que brota de uma espiga, é branca estriada de amarelo-púrpura;
- o seu ‘habitat’ é o de climas quentes e áridos, do Mediterrâneo.
Também chamada de
‘erva-gigante’, é parente do cardo, do espargo-bravo, acácia e abeto.
Desde cedo lhe
foram reconhecidas pelos gregos — ou não fossem da pátria do deus da
Medicina Asclépios e do famoso médico Hipócrates — qualidades
terapêuticas de calmante, anti-inflamatório (em diarreias e inflamações
da garganta, por exemplo) e de regulador da menstruação. Em relação a
estas utilizações não me vou alongar, pois sei que, brevemente, ireis
fazer uma exposição, fruto das vossas pesquisas sobre a matéria.
Mas... para
Eugénio de Andrade, «As palavras secretas vêm, cheias de memória, de
ramo em ramo voando. [...] São como um cristal [...]» (polifacetadas,
com diversos sentidos, espalhando o brilho em várias direcções). A fim
de o provar, farei convosco uma ronda pelo TEMPO E ESPAÇO FÍSICO. Assim,
ouvireis que Acanto tem ainda uma história mitológica:
...Era uma vez um
jovem, de nome Acanto, e mais quatro irmãos (Anto, Eródio, Esqueneu e
uma menina, Acântis). Eram filhos de Antónoo e de sua mulher Hipodamia.
Cultivavam uma terra de grande extensão; todavia, como pouco a
trabalhavam, os campos enchiam-se de cardos e juncos. Faziam criação de
cavalos nos pântanos.
Um dia, o filho
mais velho usou da força para obrigar as éguas a abandonarem as
pastagens. Elas enfureceram-se e despedaçaram-no. Toda a família ficou
em desespero e então, Zeus e Apolo, compadecidos do seu doloroso luto,
transformaram os elementos da família em pássaros. Consta que Acanto se
metamorfoseou, provavelmente, em pintassilgo.
Ora, os Helenos,
povo muito antigo, já existente no século XXI a. C. em Creta, foram
muito célebres. Sabeis em quê? Exactamente, em mitos, lendas,
pensamentos filosóficos, religião, artes.
Pois, segundo
uma das lendas, narrada por um estudioso de arquitectura, o romano
Vitrúvio, o primeiro uso da folha de acanto, em pedra, deve-se ao
escultor grego Calímaco, no final do século V a. C., o qual, para
adornar um capitel de coluna, se teria inspirado num ramo de folhas
de acanto, caídas sobre o túmulo de uma menina.
Tal detalhe
(ver figura 2) tem a forma de um cesto, envolvido por folhas de
acanto, com duas voltas e de extremidades enroladas.
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Fig. 2: Templo de Zeus em Atenas,
vendo-se o pormenor do capitel coríntio. |
Valor Simbólico
– O acanto passou
a ser um ornato nos capitéis coríntios, nos carros fúnebres, nas vestes
dos grandes homens, porque indicava que as provações da vida e da morte,
simbolizadas pelos espinhos da planta, haviam sido vencidas. Ao
triunfarem das dificuldades das suas missões, arquitectos, defuntos e
heróis tinham atingido a GLÓRIA.
Evolução
– O estilo coríntio depressa se expandiu no continente e por todo o
mundo grego. Entretanto, a guerra do Peloponeso e a rivalidade entre
Atenas e Esparta deixaram as cidades gregas empobrecidas. Os artistas
passaram a trabalhar para clientela privada. Afastaram-se do idealismo,
aproximando-se do realismo, das emoções humanas, produzindo obra mais
subjectiva. O sentimento e graciosidade ocuparam o lugar da
majestosidade.
A ordem coríntia,
a mais rica de pormenores, foi aplicada em edifícios de pequenas
dimensões.
Quais foram, pois,
as características helenísticas, as do século IV a. C.?
Na arquitectura -
edifícios altos, impressionantes, com exagero de motivos, muitas
colunas;
Na escultura –
temas do quotidiano, corpos retorcidos, vestes com movimento,
expressividade dramática, grandes dimensões (ver, por exemplo, nos
livros expostos, a conhecidíssima Vitória da Samotrácia).
Posteriormente,
que facto marcante aconteceu?
Roma venceu os
Gregos mas foi vencida pela sua cultura. Mantiveram-se as linhas de
criatividade, assentes em princípios clássicos (greco-romanos) por
excelência:
-
equilíbrio
- proporção
- harmonia
-
monumentalidade.
Quanto à coluna
coríntia, romanizou-se. É que «Em Roma, sê romano»...Tornou-se
compósita, ou seja, formada por um capitel tipo sino invertido, também
com duas filas de folhas de acanto estilizadas, mas rematando com
volutas, próprias da ordem jónica. Difundiu-se por templos, casas de
habitação, basílicas.
Fig. 3: Ruínas de um templo romano com
capitéis coríntios romanos existentes na Via Ápia, em Roma. |
Reparem na imagem
da Via Ápia (fig. 3), nas ruínas da Cidade Eterna!
Na época do
Cristianismo, continuou a ser usada a coluna com acanto. Nos arredores
de Roma, nasceu uma das primeiras igrejas cristãs, a basílica de S.
Paulo, por ordem do imperador Constantino, no século IV.
E, como vestígios
da Romanização na Península Ibérica, todos vocês retêm na memória o
lindo teatro de Mérida ou o templo de Diana em Évora.
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Durante a
Idade Média,
lavra o estilo gótico, baseado numa profunda espiritualidade centrada em
Deus para alcançar o céu. Daí, o arco em ogiva representar o gesto de
«mãos erguidas», em atitude de oração. O acanto silvestre serviu, então,
de modelo aos escultores deste período e também a uma iluminura,
desenhada por monges, no livro de coro de Sto Isidoro, em León, com esse
motivo decorativo cercando a pintura de Nicolau Francês – Nascimento de
Jesus.
E o que é que vem
a seguir? A extensa época clássica
que, em Portugal, abrange:
-
Renascimento
(período italiano) – Século XVI
- Barroco >
Rococó (período espanhol) – Século XVII
-
Neo-classicismo (período francês) – Século XVIII
Da Renascença,
evoco o altar-mor
da capela de D. Duarte Lemos, 3º senhor da Trofa (Águeda) e a Basílica
de S. Pedro no Vaticano.
E eis-nos no
Barroco.
Que peça do Museu
de Aveiro andam os vossos colegas a estudar? Precisamente, a
Barca da Senhora da Boa Morte.
Quem sabe o que
significa o termo ‘barroco’? Alguns responderam: ‘pérola disforme’ >
‘bizarria’ > ‘extravagância’.
Neste período,
projectam-se as artes da azulejaria e talha dourada nacionais. Às linhas
rectas sucedem-se as curvilíneas, como se pode observar na figura 4 —
pormenor da Igreja da Sr.ª de Brotas, entre Mora e Montemor-o-Novo.
Relembremos as características barrocas:
-
‘horror
vacui’
-
exuberância de ornamentos
-
extravagância
- o tema da
fragilidade da vida
- o estado
de espírito de frustração.
Na pintura,
nomeadamente em Rubens, notam-se contrastes de tons (claro-escuro) e de
temas.
Na música, Bach,
autor de concertos para instrumentos solistas, cria um ritmo muito
rápido, com partitura repleta de semicolcheias em cada compasso, tal
como nesta
suite para cravo.
Na literatura, a
condizer com a procura de majestosidade e fausto da vida de então, abuso
de antíteses, extravagância de metáforas, imagens e construções frásicas
ou de jogos de conceitos – artifícios chamados, respectivamente, de
cultismo e conceptismo.
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Fig. 4: Painel de azulejos da Igreja da
Srª de Brotas. |
Exemplificando,
vamos ouvir um vosso colega de Humanidades, Filipe Marques, no soneto de
Francisco de Vasconcelos,
Esse baixel nas praias derrotado.
Na transição para
o século XVIII, os excessos reduplicaram (estilo rococó) e o azulejo
passa a ter as cores azul e amarela, como se pode ver na Igreja da Sr.ª
da Boa Fé, no Escoural (Évora).
Para melhor vos
confrontardes com a nova versão, não resisto a servir-me do meu
telemóvel (objecto que, nas aulas, deveis manter desligado).
Soou um toque
musical. Quem foi o compositor? Isso mesmo, o genial Mozart, na sua
inesquecível
Marcha turca!
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Fig. 5: Partitura com a Suite
Francesa n.º 5 em Mi menor de Bach.
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Fig. 6: Mecanismo do carrilhão do
Convento de Mafra. |
Entretanto, a
pretexto de cortarem com tamanhos exageros, os neo-clássicos repõem os
cânones das épocas áureas das velhas Grécia e Roma. Façamos uma visita a
Mafra, ao convento mandado erigir por D. João V, de 1717 – as colunas
usam o acanto com volutas e até no mecanismo do carrilhão está
reproduzida a folha de acanto, como também o está no papel de parede dos
aposentos reais. Outra visita pode ser realizada a Paris, a fim de
examinar as 52 colunas da Église de la Madeleine. |
E como vão reagir
os Românticos
no século XIX?
Alexandre
Herculano confessa em
O Monge de Cister,
II, p. 253 que «[...o portal da Sé de Lisboa] tem podido escapar ao
dente voraz dos séculos, ao boião canonical e aos acantos, repolhos e
caramujos da arte.»
Mas basta olhar
para o azulejo representando o claustro do Convento de S. Francisco, na
estação ferroviária de Santarém, ou para o do retrato da Joaninha dos
olhos Verdes, numa fonte da Ribeira santarena ou ainda para o do portal
de um edifício da Golegã, onde esteve aquartelado o exército de Napoleão
Bonaparte, para nos apercebermos facilmente de que o século XIX, tanto
como o século XX, é caracterizado por um ecletismo de motivos (góticos +
clássicos ou clássicos + românticos + barrocos).
Durante o século
passado, o acanto vulgarizou-se na cerâmica – em paredes e beirais de
telhados, em fontanários, em placas toponímicas, em decorações nas
fachadas de casas, diversificando-se na sua estilização, ora mais
complexa, ora mais simples.
Também se utilizou
em peças de ourivesaria, em mobiliário e nos têxteis (em lindos
bordados, saídos das mãos das nossas avós, feitos em linho!).
Que perspectivas
são, então, as actuais, no dealbar do século XXI?
Fala-se de
neobarroco em Salamanca, citando Jan Favre.
Características
anunciadas:
-
imagens de forte
cunho visual
- ‘horror
vacui’
-
supradecoração
- grotesco
-
complexidade formal
-
hiperteatralização.
No mundo da moda do ano corrente,
é o acanto que impera de novo – em guarnições bordadas nas saias e
blusas, nos coloridos estampados com flores e folhas decalcadas e mesmo
em tecidos para revestir sofás-camas!
Em suma, a cultura
do BELO, iniciada na Grécia, reproduzindo ou reinventando a NATUREZA,
torna-se universal, necessária e de aplicações múltiplas.
Ouçamos, pela
aluna do 12º J, Mariana Estêvão, o poema de Sophia de Mello Breyner
Andresen, Ressurgiremos.
É um apelo à
JUSTIÇA, à VERDADE, ao que é ETERNO.
Deixo-vos ainda
com Sofia, quando nos esclarece acerca das motivações da sua poesia:
«Não trago Deus em
mim mas no mundo o procuro, / Sabendo que o real o mostrará» (in
Geografia).
Para tanto sugere:
«É preciso estar
atento e exercitar os cinco sentidos», porque lembra «Cada dia te é dado
uma só vez... / Mais tarde será tarde e já é tarde» (in
Homenagem a Ricardo Reis).
E enquanto ressoam
os maravilhosos acordes da
Marcha Turca
de Mozart,
aproveitamos para fazer os agradecimentos ao Conselho Executivo, ao
clube do Museu, na pessoa da Dr.ª Maria Luísa Fonseca que mais uma vez
me convidou a participar nos seus projectos, ao Dr. Henrique de
Oliveira, meu ex-Orientador de Estágio e que me continua a orientar e a
ajudar agora nos meandros da Tecnologia e Informática, às minhas filhas,
Helena Sofia e Fátima Manuela, pelo apoio e entusiasmo contagiante, ao
Artista José António Moreira, Autor do Cartaz, aos meus ex-alunos,
Mariana e Filipe, pela disponibilidade e colaboração, aos Drs. Teresa
Castro e Albano Rojão por, na oportunidade, me haverem familiarizado com
as pesquisas na Biblioteca Nova, às funcionárias D. Glória e D. Marilda
pelo bonito arranjo floral de acantos que adorna a sala e a vós todos,
colegas e discentes, que tiveram a enorme paciência de me escutar.
Maria de Fátima Bóia