BOLETIM   CULTURAL   E   RECREATIVO   DO   S.E.U.C.  -   J.  ESTÊVÃO


O Fabulário de João de Deus

Paula Tribuzi   

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Na fábula “Ossos do ofício”, assiste-se a uma crítica às instituições governamentais que cobram benefícios fiscais, em contraste com o mundo simples do trabalho rural, associado à figura do moleiro. Riqueza e pobreza são conceitos alegoricamente representados por duas bestas que projectam a imagem do binómio campo/cidade. A fábula termina com o recurso à ironia, na fala final do burro rural: “Minha amiga, cá vou no meu sossego. / Tu tens um belo emprego! Tu sustentas-te a fava e eu a troços! / Tu lá serves el-rei, e eu um moleiro! / Ossos do oficio, que o não há sem ossos”. 

Em “Meia fábula”, ao contrário dos estereótipos que faz do cordeiro a vítima da sua inocência, este usa a sua prudência para fugir às garras do tigre, veiculando uma lição de moral através do seu comportamento cauteloso que vence a superioridade do felino. A imagem de pureza que está patente no auto-retrato do cordeiro como “velo nevado” (expressão eufónica) não o impede de evitar o aliciamento fatal do tigre. 


Meia fábula

Disse um tigre mosqueado
A um pobre cordeirinho:
— «Tu andas muito arriscado
«Por estes vales sozinho.
«Queres ser meu aliado?.
— «Mas dize-me: esse focinho
«Parece-me ensanguentado!»
— «É sangue de um desvairado
«Que se julgava adivinho,
«Que se julgava inspirado.»
— «E devoraste-o? Coitado?!»
O pobre cordeirinho
foi andando de mansinho.
Foi andando disfarçado
E dizendo horrorizado:
— «Com semelhante malvado
«Meu pobre velo nevado
«Meu pobre velo de arminho!»

E não quis ser aliado.

João de Deus, Campo de Flores

 

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