Na fábula “Ossos
do ofício”, assiste-se a uma crítica às instituições
governamentais que cobram benefícios fiscais, em contraste
com o mundo simples do trabalho rural, associado à figura do
moleiro. Riqueza e pobreza são conceitos alegoricamente
representados por duas bestas que projectam a imagem do
binómio campo/cidade. A fábula termina com o recurso à ironia,
na fala final do burro rural: “Minha amiga, cá vou no meu
sossego. / Tu tens um belo emprego! Tu sustentas-te a fava e
eu a troços! / Tu lá serves el-rei, e eu um moleiro! / Ossos
do oficio, que o não há sem ossos”.
Em “Meia fábula”,
ao contrário dos estereótipos que faz do cordeiro a vítima
da sua inocência, este usa a sua prudência para fugir às
garras do tigre, veiculando uma lição de moral através do
seu comportamento cauteloso que vence a superioridade do
felino. A imagem de pureza que está patente no auto-retrato
do cordeiro como “velo nevado” (expressão eufónica) não
o impede de evitar o aliciamento fatal do tigre.
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Meia fábula
Disse
um tigre mosqueado
A um pobre cordeirinho:
— «Tu andas muito
arriscado
«Por estes vales sozinho.
«Queres ser meu aliado?.
— «Mas dize-me: esse focinho
«Parece-me ensanguentado!»
— «É sangue de um desvairado
«Que se julgava adivinho,
«Que se julgava inspirado.»
— «E devoraste-o? Coitado?!»
O pobre cordeirinho
foi andando de mansinho.
Foi andando disfarçado
E dizendo horrorizado:
— «Com semelhante malvado
«Meu pobre velo nevado
«Meu pobre velo de arminho!»
E
não quis ser aliado.
João
de Deus, Campo de
Flores
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