As
dimensões artísticas da actividade militar em Portugal encontram-se
ainda, na sua generalidade, por estudar. Mas a música tem vindo a
merecer maior atenção ao longo dos últimos anos.
Nas pesquisas que temos vindo a fazer em órgãos da Imprensa Militar
(cujo acervo é superior a 1.500 títulos), desde há mais de 30 anos,
encontrámos diversos Hinos de unidades do Ultramar (cerca de uma
vintena) e também do Continente, alguns deles com partitura.
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Recordámos depois os hinos nacionais (A Portuguesa, A Marselhesa,
God Save the King); os hinos do Exército, da Marinha e da Força
Aérea; da Artilharia, da Infantaria e da Engenharia; do Instituto de
Odivelas, do Colégio Militar e dos Pupilos do Exército; da Escola
Prática de Infantaria, do Regimento de Infantaria 13 e do Batalhão
de Caçadores 5; e outros, muitos deles oportunamente inseridos no
Almanaque do Exército, publicado em 1998. A pesquisa foi continuando
e passou a Projecto, procurámos em variadas publicações (como o
dicionário bibliográfico do General Martins de Carvalho) e fomos ao
Arquivo Histórico Militar e à Biblioteca Nacional, onde mergulhámos
a fundo na matéria. |
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Dada a
ligação pessoal ao Regimento de Artilharia Antiaérea 1, surgiu o
contacto com a Banda do Exército e o seu Chefe titular da altura, o
então Capitão Ferreira da Costa; e, naturalmente com o maior estudioso
contemporâneo da música militar portuguesa, que terminara o Mestrado em
História, o então Major Pedro Marquês de Sousa. E com o apoio do
Professor Artur Anselmo – sempre disponível para tirar dúvidas,
encontrar referências ou estabelecer os contactos que permitissem
avançar – chegámos ao Professor João Soeiro de Carvalho que aceitou
orientar-nos e fazer o Prefácio da obra.
Ao iniciarmos este Projecto, em 2006, pensámos desenvolver uma
investigação sobre hinos e marchas militares portuguesas.
Mas logo constatámos que tal não seria exequível dada a existência,
segundo uma primeira avaliação, de cerca de 200 hinos e largas centenas
de marchas militares de autores portugueses.
Por isso, circunscrevemos o âmbito do trabalho aos hinos militares,
assim considerando aqueles que se caracterizam por uma cadência marcial
– e, portanto, serem aptos a uma função militar –, deixando para os
estudiosos a discussão académica sobre as diferenças entre hino e
marcha.
No desenvolvimento da pesquisa encontrámos, particularmente no Séc. XIX,
vários hinos patrióticos que, não tendo cariz militar, entendemos
enquadrarem-se no espírito que presidiu ao lançamento do Projecto. Daí o
âmbito mais alargado e o título escolhido "Hinos Patrióticos e Militares
Portugueses", com cerca de três centenas de obras.
Apenas encontrámos este tipo de hinos a partir do Séc. XIX, o primeiro
dos quais com a melodia do Hino Inglês, cantado em Lisboa em 1809. Antes
disso, em 1775, aquando da inauguração da estátua de D. José no Terreiro
do Paço, foi cantado um hino de autor desconhecido, em cerimonial
profusamente descrito em publicações da época, mas que apenas inserem a
letra, sendo omissas quanto à partitura, lacuna já assinalada por
investigadores dedicados à pesquisa nesta área.
Assim, esta Colectânea contém essencialmente hinos portugueses de Cariz
marcial (nem sempre de âmbito estritamente militar) dos séculos XIX, XX,
XXI. Mas nela se incluem algumas marchas que evoluíram para hinos e, nos
casos em que a mesma entidade teve hino e marcha (como os Voluntários da
Carta e os Sapadores de Caminhos de Ferro), decidimos publicar os dois.
Os hinos são em regra de autores (músicos e poetas) portugueses e
escritos em língua portuguesa. Mas há excepções, que entendemos
justificadas. Dois hinos (às rainhas D. Maria I e D. Maria II) são
tocados "com a melodia do hino inglês "God Save the King", como era
hábito fazer-se; outro (escolhido entre vários) tocado com a música do
Hino de Riego, que foi hino nacional durante a república espanhola;
outros compostos por músicos estrangeiros radicados ou que viveram em
Portugal, quase todos italianos (Caril Daddi, Frondoni); e ainda outro,
composto para ser cantado em Paris na inauguração do busto de Camões, em
1912, com música e letra de autores franceses.
Seleccionámos vários hinos que foram cantados mas cuja representação
musical não conseguimos encontrar; e outros com partitura mas sem letra,
nalguns casos também por não ter sido localizada. Na dúvida optámos por
incluir todos os hinos tornados credíveis pela existência de partitura;
e, naqueles em que não encontrámos a música, considerámos os que têm
refrão, sinal de que era cantado.
Aqueles que, por razões diversas, entendemos não incluir com o destaque
dos restantes, estão referenciados em capítulo próprio, podendo ser
facilmente consultados nas bibliotecas e arquivos onde os localizámos.
Estão neste caso algumas obras designadas como hinos, mas que não passam
de odes ou elegias de carácter poético; e outros entre os muitos
compostos no final do Séc. XIX e dedicados à família real, como o Rei D.
Pedro V e a Rainha D. Maria Pia.
Tivemos grandes dificuldades (muitas não resolvidas) na datação das
obras. O desaparecimento de editoras de referência (como a Casa Sassetti)
provocou um vazio difícil ultrapassar e a própria Biblioteca Nacional
chega a admitir intervalos de 20 anos. O mesmo se passa com o
reconhecimento dos autores. Entre considerar "autor desconhecido" ou
"anónimo", preferimos utilizar a norma genérica "sem autoria expressa".
Como forma de apresentação, não tendo encontrado outra mais lógica ou
coerente, optámos pela ordem cronológica, pese embora a já referida
dificuldade de datação. Nalguns destes casos, como os dedicados a D.
Nuno Álvares Pereira, decidimos inseri-los todos juntos.
A apresentação foi complementada com a inclusão de índices – geral,
onomástico, geográfico, cronológico e alfabético-musical. este pelo
primeiro verso da letra e a correspondente frase da melodia.
As partituras foram transcritas através de um programa informático e, em
regra, contêm apenas as partes cantadas. Foi um trabalho complexo,
demorado, meticuloso e muito exigente, que importa destacar.
Todos os textos foram objecto de actualização ortográfica, utilizando-se
a grafia anterior ao acordo de 2009; mas nalguns casos foi mantida a
pontuação da época (nomeadamente vírgulas, negrito ou itálico), bem como
a elisão de letras em certos versos, procurando manter o sentido
enfático pretendido pelo autor.
Os hinos estão normalmente ligados ao contexto histórico da época em que
foram compostos, pelo que inserimos um trabalho de síntese com essa
interligação. "Os Hinos na História de Portugal", embora muito
esquemático, permite já entender alguma da evolução verificada.
Em cada hino é indicado o título completo (em regra, no Séc. XIX,
extenso e laudatório); indicações sobre a personalidade, evento,
organismo ou unidade militar a que se refere; dados sobre os autores da
música e letra; e cotas ou referências bibliográficas.
Nos casos em que tal se justifica, essas indicações remetem para um
Anexo onde os dados (pessoais ou históricos) são complementados em
breves sínteses biográficas ou relativas ao evento ou à entidade a que
respeita.
A pesquisa incidiu particularmente na Biblioteca Nacional (BNP), muito
rica em hinos do Séc. XIX e no Arquivo Histórico Militar (AHM), com
especial incidência no Séc. XX. Mas também na Biblioteca Central de
Marinha (BCM) e nas bibliotecas da Academia das Ciências de Lisboa (ACL),
do Palácio Nacional da Ajuda (BPNA), do Palácio Nacional de Mafra, da
Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL), do Conservatório Nacional (CN),
da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e da Universidade Católica
Portuguesa (UCP, Biblioteca João Paulo II), todas muito ricas em
história e onde foi possível confirmar dados ou eliminar lacunas e
mesmo, nalguns casos infelizmente raros, datar algumas obras. Não foi
possível estender a pesquisa a bibliotecas fora de Lisboa, nem consultar
os jornais da época (particularmente importante para o Séc. XIX).
No decorrer da pesquisa encontrámos diversas obras cujos autores tiveram
a preocupação de reunir as peças de música de produção nacional, mas
quase sempre limitadas à poesia, faltando a componente musical que
permitisse elaborar uma Colectânea completa.
Dois Autores, todavia, marcam a diferença.
No Séc. XIX, o Padre César Augusto Pereira das Neves, com o "Cancioneiro
de Músicas Populares", que reúne em três volumes (editados em 1893, 1895
e 1899) os 75 fascículos (com 622 melodias) que tinham sido publicados
separadamente; e, no Séc. XX, o Capitão Manuel Ribeiro, com o
"Cancioneiro Militar Histórico e Patriótico da Nação Portuguesa",
continuado a partir da sua morte (em 1949) pelo Capitão Custódio
Rodrigues Gouveia, com nove volumes manuscritos existente no Arquivo
Histórico Militar e que se mantém inédito.
Talvez pelas enormes dificuldades a vencer, nunca terá sido possível
concretizar a publicação de uma Colectânea como a que agora se
apresenta.
Era algo que tinha de ser feito e uma obra que devia ser publicada. Daí
o termos assumido este desafio mas, com todas estas condicionantes, é
natural que haja lacunas, erros, omissões.
Humildemente nos penitenciamos e apelamos a quem tenha dados que
permitam fazer correcções, que nos alertem.
E que alguém, a partir da nossa pesquisa, a aprofunde e leve por diante
um trabalho mais completo.
ALBERTO RIBEIRO SOARES |