— Há uns tempos atrás, um aluno perguntou-me se eu também
gostava de jogos de computador. Respondi-lhe afirmativamente.
Disse-me então que tinha um jogo espectacular, que um amigo lhe
tinha arranjado no dia anterior. E convidou-me a ir vê-lo na
sala de informática da nossa escola, pois trazia com ele a
disquete. Acedi.
Embora na sala de informática não devam entrar jogos, a menos que
apresentem uma função didáctica, liguei o computador, esperei
uns segundos que ele iniciasse o sistema e introduzi a disquete
na «drive». Mas antes de verificar o conteúdo da disquete,
tive o cuidado de lhe verificar o estado sanitário, não fosse
algum vírus mal encarado introduzir-se no computador e dar-nos
cabo da paciência e de todo o material.
Não, não tinha qualquer perigo escondido. Pedi o conteúdo da
disquete, para descobrir o ficheiro de arranque do programa.
Digitei-o e carreguei na tecla de ENTER. Passados uns segundos,
surgiram as primeiras imagens de apresentação.
Tratava-se de um espectacular simulador desportivo, um jogo de
futebol com umas imagens muito bem conseguidas, simulando com
grande perfeição e realismo um desafio de futebol. Mas as
qualidades do jogo não se ficavam apenas pelas imagens! Além
de nos permitir fazer parte de uma equipa, as opções
fornecidas ao utilizador eram várias: podíamos jogar contra o
computador ou contra um amigo; podíamos escolher as equipas;
podíamos realizar sessões de treino; constituir as equipas ao
nosso gosto; em suma, quase tudo como na vida real, não
faltando sequer o negócio de milhões com a transacção dos
jogadores ou a aquisição de futuras estrelas da bola, por nós
baptizadas com os nomes que quiséssemos. E se nos agradasse
formar uma nova equipa local ou efectuar um «replay» de uma
jogada, também isso era possível. E é que nem o apito do árbitro
faltava para assinalar as penalidades e muito menos o ruído da
multidão. Era, de facto, um simulador bem conseguido!
Ao fim de uns minutos de experiências, o miúdo, entusiasmado,
sai-se-me com esta:
- O que é que acha deste jogo? Espectacular, não é? No seu tempo
não havia computadores nem jogos como estes!
Percebi onde queria chegar. «No seu tempo» era o tempo em que eu
era também miúdo como ele. Estava, seguramente, a comparar
duas épocas diferentes e, quase de certeza, a sobrevalorizar a
sua época, os tempos actuais, em que não faltam brinquedos
sofisticados para diversão dos mais novos.
Lembrei-me imediatamente das crianças que conheci em África, no
interior de Angola, quando por lá passei há uns vinte e tal
anos. E lembrei-me que eles, mesmo sem computadores e brinquedos
sofisticados, eram bem mais criativos que os nossos jovens,
construindo eles mesmos os seus brinquedos com os meios
materiais ao dispor. E revi, mentalmente, aquelas belas
miniaturas de camionetas, de unimogues, de aviões, feitas com
madeira e com as cintas metálicas dos caixotes que recebíamos
da metrópole e que tão cobiçadas eram por eles
para fazerem as suspensões das viaturas. E lembrei-me do meu
tempo de criança. Também nós, há quarenta anos atrás, não
tínhamos brinquedos sofisticados e, muito menos, jogos
computorizados; mas não nos faltava a imaginação e a
criatividade para com elas construirmos os nossos brinquedos.
Respondi-lhe que, antigamente, apesar de não termos computadores e
brinquedos caros e sofisticados, nos divertíamos de uma maneira
melhor e mais saudável que muitos jovens de agora. E que,
quando não tínhamos brinquedos, éramos nós que os construíamos,
recorrendo aos mais variados materiais que encontrávamos aqui e
ali: pedaços de madeira, pedidos na carpintaria próxima;
tampas das cervejas e laranjadas para fazermos as rodas dos
nossos carros; rolamentos usados para os nossos «karts»;
enfim, tudo quanto pudesse ainda ter alguma utilidade. É que
o desejo de ter mas brinquedos espevitava-nos a imaginação e
levava-nos à invenção e criação. Não precisávamos que
outros inventassem brinquedos para brincarmos, éramos nós próprios
os inventores e criadores dos nossos brinquedos. E, indo um
pouco mais longe, disse-lhe que tínhamos até melhores jogos de
futebol, muitas vezes com regras inventadas no momento, sem
precisarmos do computador para nada.
Riu-se! Não estava lá muito convencido com a autenticidade das
minhas palavras. Certamente eu estava a referir-me a jogos de
futebol entre vários jogadores, com bola a sério, em algum
jardim, ou num descampado, ou até mesmo no meio da rua, numa época
em que ainda havia poucos automóveis a circular e as crianças
se podiam dar ao prazer de brincar no meio da rua... ou, então,
estaria eu a inventar um pouco, para que a minha época não
ficasse atrás dos tempos modernos.
Como convencê-lo, então, daquilo que lhe estava a dizer? Como
fazer-lhe ver que tudo quanto lhe dizia era a verdade,
verdadinha, sem nada de fantasioso? Disse-lhe que não, que não
estava a referir-me ao tipo de brincadeira com bola, balizas e vários
miúdos ao mesmo tempo. Também nós fazíamos jogos simulados,
dois a dois, tal como agora se podem fazer com a ajuda do
computador; só que, em vez de
computador, recorríamos a uma folha de papel quadriculado,
arrancada ao nosso caderno das contas. E jogávamos futebol num
campo quadriculado, à semelhança do que ainda se faz com o
jogo da batalha naval. E fazíamos desafios renhidos, aos quais
não faltava o entusiasmo dos golos marcados, especialmente
quando a nossa sorte ou estratégia nos favorecia, permitindo
marcar uma cabazada de golos na baliza adversária.
- Como seria isso possível sem a ajuda do computador? -
perguntou-me o meu jovem interlocutor.
No momento, não lhe dei uma resposta completa, uma resposta que lhe
pudesse satisfazer plenamente a curiosidade, mas prometi-lhe
que, um dia, nas páginas do jornal da escola, ou até mesmo
noutro, que não escolar, lhe ensinaria, a ele e a todos os seus
colegas, a fazer bons jogos de futebol em qualquer lugar e sem
ajuda de máquinas caras e sofisticadas. E como o prometido é dívida
que deverá ser paga, aqui nos encontramos agora prontos a
aprender as regras para um bom desafio de futebol dois a dois.
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