Henrique J. C. de Oliveira, Relatório do Inquérito Linguístico realizado na Gafanha do Carmo, Aveiro, 1967.

O CARRO DE BOIS e A CANGA

O meio de transporte mais generalizado em toda a região, por muitos pitorescamente considerado o carro eléctrico das nossas aldeias, é o carro de bois, puxado quer por um, quer por dois animais.

Serve para transportar o «esterco p'rás terras», e levar as colheitas para os lugares onde serão armazenadas.

Figs. 5 e 6 − Dois dos tipos de carro mais frequentes na região, puxados por um só animal. O primeiro é com rodas de cambas e o segundo com rodas de raios.

Embora o tipo mais generalizado de carro de bois seja o que vem documentado nas fotografias (figuras 5 e 6), talvez por ser mais pequeno e de menor custo, puxado unicamente por um animal e com dois cabeçalhos, isto é, duas hastes de madeira ou ferro, uma de cada lado, e que servem para atrelar o carro ao motor de tracção − o boi −, existe ainda um outro tipo, para uma junta. Neste segundo caso, apenas possui um cabeçalho (ver a fig. 7), que ficará entre os dois animais e preso à canga por meio de uma ou duas correias sobrepostas, a que chamam tamoeiro.

Fig. 7 − Carro puxado por uma junta de bois com rodas de raios. Neste tipo de carro, torna-se indispensável a utilização de uma canga, de grande simplicidade, como se pode ver nas figuras 11 e 12.

No caso do meu informador, o carro é do segundo tipo, ou seja, é um carro de cambas, ilustrado pelos esquemas das figuras 8, 9 e 10, pelo que será dele que nos iremos ocupar mais detalhadamente. Com a ajuda do informador, o ti Manel Melro, iremos ver os constituintes de um carro d bois deste tipo e os nomes das respectivas peças.

Um elemento que poderá servir para distinguir os diferentes tipos de carro é o rodeiro, o conjunto das rodas e do eixo. Segundo a forma das rodas, poderemos considerar dois tipos de carro: o carro de raios e o carro de cambas. O de cambas está por nós documentado fotograficamente na figura 5. As fotografias das figuras 6 e 7 mostram-nos carros de raios. Qualquer que seja o tipo de carro, compõe-se sempre de duas partes distintas, o chudeiro, todo o conjunto ilustrado pelas figuras 8 e 9, e o rodeiro, formado, como já vimos, pelas rodas e pelo eixo.

Fig. 8 − Diferentes elementos de um carro de bois para uma junta.

O chudeiro (fig. 8) é formado pelos seguintes elementos: o cabeçalho (1), longa viga central com dois ou três buracos na parte anterior para enfiar a chabelha (4), o solho (9), as chêdas (5) e as marmélas (5a). Por baixo das chedas ficam os gastalhos (6), as garridas de ferro (7) e os cocões (8), onde gira o eixo. Sobre as chedas encontram-se alguns buracos (10) que servem para enfiar os «fugueiros», que impedirão que o material transportado caia. Entre o cabeçalho e as chedas e sob o solho, encontram-se várias travessas de apoio, as chamadas cadeias (ver a figura 9).

Fig. 9 − Carro de bois visto pela parte inferior.

O rodeiro, devidamente ilustrado pelos dois desenhos da figura 10 compõe-se, como atrás dissemos, de duas partes: as rodas e o eixo. A roda de cambas, que podemos ver na fotografia da figura 4 e que tivemos o cuidado de desenhar na figura 10, possui os seguintes elementos: uma peça central de madeira, o amiul (17), e duas laterais, as cambas (18), unidas por dois arcos de ferro (22) e reforçadas por duas hastes internas, as relhas (19). Envolvendo todo o conjunto, firmando-o e impedindo o seu desgaste, existe um aro de ferro, o chamado rasto (16 e 26). Na parte central, existe uma cavidade rectangular onde enfia a extremidade do eixo, fixo por meio de uma grossa cavilha de ferro chamada torno (21). Para maior segurança, existem ainda dois anéis de ferro, os buchos (20), que reforçam a parte central da roda, impedindo que a madeira possa abrir com a pressão nela exercida, o que danificaria a roda.

Fig. 10 − Rodeiro do carro, formado pelas rodas e pelo eixo. Clicar na imagem.

 

Intimamente ligada ao carro de bois está a canga ou jugo. É por meio dela que os animais são atrelados aos carros. Simplesmente funcional e em nada espalhafatosa nem, tão pouco, decorativa, como a do Minho, a canga utilizada nesta região compõe-se unicamente de uma barra de madeira (ver a fotografia da figura 11 e o desenho da figura 12) com a parte central de forma rectangular, e uma pestana em cada extremidade (fig. 12, nº 1). Os animais cangados ficam seguros entre os canezis (no singular canezil) (3) por meio das apiaças (4) e das abróchas (5). Uma vez posta a canga, é atrela0a ao cabeçalho por meio do tamoeiro (2), («que serve p'ra sigurar o cabeçalho do carro»). Em geral, numa das extremidades, fica a chapa metálica (6) com o nome do proprietário e da terra. É, por assim dizer, a matrícula do carro.

Fig. 12 − Elementos da canga típica da região. Clicar para ver a legenda.
 

 

Índice Página seguinte.