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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

IX

OUTROS ELEMENTOS DO LAGAR

 

A BAGACEIRA

Depois de espremida a massa da azeitona mais do que uma vez, como vimos no capítulo VII, ficam nas seiras os resíduos a que correntemente se dá o nome de bagaço. Este é um termo comum a todo o país e o mais habitual em livros técnicos e frequentemente substituído por outros, de acordo com as regiões do País, no registo oral.

Em Espanha, a massa residual da azeitona é conhecida por hueso, pelo menos na região de Ávila, segundo informação de A. Klemm(11), que acrescenta ser geralmente utilizada como alimento para os porcos.

Em Itália, segundo informação obtida no trabalho de Luigi Heilmann(12), «depois de desfeito o kastèllo», termo que existe também entre nós para designar a coluna de seiras colocadas com massa nas prensas, «extrai-se das seiras a massa espremida», que é designada pelo vocábulo sansa na região da Toscana. Este é um vocábulo comum a toda a Itália, conforme parece poder inferir-se da consulta da Enciclopedia Italiana de Ciências, Letras e Artes(13). Mas não é a única palavra para designar a massa da azeitona depois espremida. De acordo com o trabalho de P. Scheurmeier(14), o número de vocábulos existentes é significativo, tais como sansa, sansina, pánsera, salza, sarza, etc. Ainda segundo a enciclopédia atrás referida, a sansa (o bagaço) foi durante algum tempo utilizada como combustível ou adubo, mas actualmente é novamente reutilizada para extracção de óleos de qualidade inferior para utilização industrial.

Em Portugal, registámos os seguintes vocábulos para designar a matéria residual da azeitona após as sucessivas prensagens:

     
 

baga – 16

baganho – 4

carabunha – 1

bagaço – 41

brolho – 4

carbunha – 1

baganha – 12

brulho – 4

grulho – 2

 
     

Baga(15), registado nos distritos de Aveiro, Braga, Bragança e Vila Real parece ser um vocábulo essencialmente nortenho. Surge em Portugal a partir da bacia do Douro para cima, abrangendo ainda a margem esquerda, pois surge-nos no distrito de Aveiro, no concelho de Arouca, que confina com o rio, que lhe serve de limite. É o vocábulo que registámos com maior frequência depois de bagaço.

Bagaço é o vocábulo que encontrámos com maior frequência(16) e que parece ser comum a todo o País. É um termo bastante antigo. Fernão Lopes, no capítulo CXLVIII da Crónica de D. João I, diz-nos que durante o cerco de Lisboa pelos castelhanos, que durou quatro meses e vinte e sete dias, segundo o próprio cronista, a fome era tanta que os sitiados se serviram de bagaço da azeitona para fazer pão(17).

Baganha, também com a forma masculina baganho, em algumas localidades, é, à semelhança de bagaço, um vocábulo bastante antigo na língua portuguesa, embora a sua frequência de utilização seja menor, o que poderá significar ter já começado a cair em desuso. Encontrámo-lo ainda 12 vezes (das quais 7 ouvidas por nós mesmos) em algumas localidades e com maior frequência no distrito de Coimbra(18). A antiguidade do vocábulo é atestada por documentos diversos. Encontramo-lo, por exemplo, no parágrafo 32 e 33 do Regimento de Lagar de Azeite da cidade de Coimbra(19), que nos apresenta as datas de 21 de Maio de 1551 e, no parágrafo seguinte, o registo semi-legível de 12 de … de 1792. Nele se estipula quem deverá ficar com a baganha, sendo-nos também indicadas as utilizações que lhe eram dadas na época.

O vocábulo baganha surge também em trabalhos técnicos mais antigos. No já citado Dicionário Universal da Vida Prática, encontramos a referência a dois tipos de baganha – a preta e a branca – bem como aos chamados azeites de repisa, que se obtêm a partir principalmente da baganha branca e que são bons para saboaria(20). Encontrámos também, na tese de licenciatura de Alice Pereira Branco(21), o vocábulo baganha como designando o casulo que envolve a semente do linho.

Ao lado de baganha, registámos quatro vezes a forma masculina baganho(22), rigorosamente com o mesmo  sentido, em quatro localidades apenas: duas no distrito de Coimbra; duas no de Viseu.

Relacionado com os dois vocábulos anteriores está baganheiro, que ouvimos na povoação de Dianteiro (freg. Torres do Mondego, conc. Coimbra) para designar as pessoas que andam pelos lagares a comprar a baganha.

Brolho, brulho e grulho são três variantes do mesmo vocábulo que, à excepção de brulho, nunca tivemos oportunidade de ouvir, mas que encontrámos em inquéritos do I.L.B.

Brolho surge registado em quatro inquéritos referentes a Santo Ivo (conc. Amares, dist. Braga), Navió e Santa Maria de Arcozelo (conc. Ponte de Lima, dist. Viana do Castelo) e Lovelhe (conc. Vila Nova de Cerveira, dist. Viana do Castelo).

Brulho, por nós ouvido uma vez na Quinta da Romeira (conc. Celorico da Beira, dist. Guarda), aparece registado em três inquéritos do I.L.B., num realizado em Bemposta (conc. Mogadouro, dist. Bragança) e em dois no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, distrito da Guarda, em Escalhão e Mata de Lobos. Este mesmo vocábulo está registado no trabalho de Tavares da Silva(23), que o indica como sendo um regionalismo minhoto que designa o bagaço da azeitona e da uva. M. Margarida F. Martins(24) apresenta-o como sendo próprio da Beira Alta, designando o bagaço da azeitona.

Grulho, que não é mais do que uma variante fonética, foi registado em dois inquéritos do I.L.B. referentes a Ribeiros (conc. Fafe, dist. Braga) e Vila Chã da Graciosa (conc. Miranda do Douro, dist. Bragança).

Carabunha e carbunha, por nós registados em dois lagares de Bragança e Vila Real, apresentam, segundo os informadores, sentidos diferentes. Em Brunheda, P. 85 (conc. Carrazeda de Ansiães, dist. Bragança), o informador disse-nos que era «o que fica depois de feito o azeite» e que «a carbunha é aproveitada para estrume e para lume». Equivale, portanto, a bagaço. Mas, em Fornos do Pinhal, P. 78 (conc. Valpaços, dist. Vila Real), o informador disse-nos que as carabunhas eram os caroços das azeitonas depois de esmagadas no moinho. Era apalpando a massa que sabia se já estava apta a ir para o enseiramento e prensagem. Se sentissem entre os dedos as carabunhas, precisaria ainda de mais algumas voltas no moinho.

 

Figs. 88. e 89: Prensa de cincho em pleno funcionamento (Pedregal, P. 51, freg. Mesquinhata, conc. Baião, dist. Porto). Terminado o aperto, o bagaço é retirado do cincho em torrões.

Terminada a prensagem da massa, quer nas seiras e capachos, quer nas prensas de cinchos e alguns sistemas mais modernos, por exemplo, no Cachão, no moderno lagar cooperativo do Nordeste Transmontano(25), a massa, quase completamente enxuta, constitui o que vulgarmente é designado por torrões. Tal como se pode observar num lagar com prensa de cinchos (fig. 88 e 89 ) e na figura 158, estes torrões são blocos compactos, de difícil desagregação. Nos lagares mais modernos, tal como no representado nas figuras 158 e 159, existem máquinas próprias para desfazerem esses torrões, a que é dado o nome de destorroadores, sendo o trabalho realizado, na região de Mirandela, por mulheres.

 

Figura 158: A massa da azeitona, após a prensagem, constitui compactos torrões de difícil desagregação (Cachão, freg. Frechas, conc. Mirandela, dist. Bragança.   Figura 159: Máquina «destorroadora» para desfazer os torrões de bagaço saídos das prensas (Cachão, freg. Frechas, conc. Mirandela, dist. Bragança).

É de recordar que, nas regiões mais nortenhas, nos lagares mais modernos, em que as operações estão mecanizadas e exigem um esforço menor, a maior parte do trabalho é feito por elementos femininos. Vimos já isto no final do capítulo VII, quando referimos os lagares de Covelo e de Valpaços, dos quais apresentámos imagens comprovativas. Também no moderno lagar de Cachão, todas as actividades eram praticamente realizadas por mulheres, cujo número ultrapassa em muito o dos homens.

Noutros lagares mais antigos, onde não existem máquinas para destorroar o bagaço, o trabalho é feito manualmente com a ajuda de grossos paus roliços,  de comprimento idêntico ao do diâmetro das seiras e dos capachos.

Se se trata de seiras, o trabalho é um pouco mais demorado, pois exige que os torrões de bagaço sejam despegados do interior, não apenas da parte central, mas também da parte inferior das abas. Depois de voltada para baixo a boca das seiras, estas são energicamente batidas com um pau. Em seguida, retirada a maior parte do bagaço do interior, as seiras são voltadas para cima e batidas as abas, podendo eventualmente ser necessário passar a extremidade do pau pelo interior, para ajudar a despegar bocados mais agarrados.

 
Fig. 160: Com um pau, as mulheres batem as seiras e retiram o bagaço (Cerejais, P. 90, conc. Alfândega da Fé, dist. Bragança).   Fig. 161: Munidos de um pau, os homens batem vigorosamente os capachos para os libertar do bagaço da azeitona (Ponte de Arranca, P. 100, conc. Vinhais, dist. Bragança).

Se se trata de capachos, o trabalho realiza-se com maior facilidade. Os discos de esparto ou de nylon vão sendo despegados um a um da coluna cilíndrica do que restou do castelo, colocado no chão na zona de destorroamento, e batidos energicamente com um pau, ficando, em breve, preparados para outras operações de encapachamento e prensagem.

No lagar de Ponte de Arranca, P. 100, ao trabalho de retirar o bagaço ou baga dos capachos o informador deu-lhe a designação de descapachar [descapacthar] que, segundo ele, era «bater ali com uns paus, para tirar a baga».

O bagaço vai sendo acumulado na zona de desenseiramento e é posteriormente levado, segundo alguns informadores, para a bagaceira. Este vocábulo foi por nós registado apenas em quatro lagares: em Castelo Viegas, P. 288, e Quinta do Esporão, P. 245b, no concelho e distrito de Coimbra, e em Fornotelheiro, P. 212, e Ponte Nova, P. 209, no concelho de Celorico da Beira, distrito da Guarda. Encontrámo-lo também em alguns livros técnicos e trabalhos de carácter oleícola. Por exemplo, Octávio Solano e Pedro Celestino(26) dizem-nos que «o bagaço é metido na bagaceira, que é, por assim dizer, um poço forrado de tijolo; é calcado a maço, conservando-se assim muito tempo sem fermentar», sendo depois utilizado, segundo os mesmos, para alimentação dos porcos e outros animais.

Não vamos referir as características que, segundo os livros técnicos, a bagaceira(27) deverá ter. No entanto, teremos de acrescentar que, num inquérito do I.L.B. realizado em Lapas,  no concelho de Torres Novas (dist. de Santarém), surge o vocábulo covão para designar a «grande cavidade aberta na terra para guardar o bagaço da azeitona».

 

Relativamente às utilizações do bagaço, registámos um elevado número de informações, não só nos inquéritos por nós realizados, mas também em diversos textos consultados. Sobre este assunto já alguma coisa dissemos nas páginas anteriores, mas iremos agora elaborar uma síntese de tudo quanto recolhemos.

Vimos que na década de 1940, em Espanha, o bagaço era geralmente utilizado para alimentação dos porcos. Em Itália, servia de combustível e adubo e, em épocas mais recentes, era reutilizado para extracção de óleos. E constituiu, durante muito tempo, no dizer de Scheuermeier, «o velho combustível nacional da Itália produtora de azeite» e o combustível ideal para as braseiras.

Em Portugal, desde épocas remotas até ao momento em que efectuámos os inquéritos, o bagaço da azeitona conheceu diversas utilizações. Uma das referências mais antigas, por nós já citada, diz respeito a Fernão Lopes. Vimos que, por altura do cerco de Lisboa pelos castelhanos, na segunda metade do século XIV, durante um dos muitos episódios que marcaram o conturbado período de 1383 a 1385 e que culminou com a tomada das rédeas da Nação por D. João I e a Batalha de Aljubarrota, o bagaço serviu para fazer o pão que a população menos abastada comia. Com ele e «outras pouco acostumadas coisas e contrárias à natureza», a população lisboeta conseguiu enganar a fome e manter-se activa por mais algum tempo.

Em épocas posteriores, segundo informação do Regimento de Lagar de Azeite de Coimbra, também já citado e por nós parcialmente reproduzido, o bagaço constituiu matéria de registo, tendo sido determinado em que condições podia ser utilizado e a quem deveria pertencer. Assim, de acordo com o parágrafo 31 desse documento, para evitar que os donos dos lagares se assenhoreassem de toda a baganha, impedindo os legítimos donos de a levarem e dela fazerem o que quisessem, foi determinado – ou acordado, para usarmos a mesma palavra do citado documento – que «os senhores dos Lagares, ou aquelas pessoas, que os tiverem arrendados, possam levar, e levem para si metade da baganha, e a outra metade leve seu dono do azeite, por assim parecer coisa justa e sensata [no original arrazoada] e por isso mandam que os senhorios dos lagares, e quaisquer outras pessoas, que deles estejam encarregados, o cumpram assim inteiramente, sob pena de, fazendo o contrário, terem de pagar quinhentos reis por cada vez.»(28) E relativamente à sua utilização,  os donos dos lagares podiam-na usar como combustível apenas para ajudar a acender as fornalhas, após o que teriam de substituir a baganha por lenha, a fim de que a água pudesse atingir uma temperatura mais elevada, indispensável para que os azeites ficassem «bem escouçados, e naquela perfeição que cumpre e sempre fez, por sempre as águas se esquentarem com lenha, e não com baganha». (§ 33).

Em épocas mais próximas de nós, o bagaço foi conhecendo diferentes utilizações. Tal como nos outros países produtores   de azeite, esta utilização tem sido bastante diversificada. Com base nas respostas fornecidas pelos vários informadores, elaborámos um quadro estatístico de todas as utilizações indicadas. Em alguns casos, o mesmo informador referiu mais do que uma utilização, o que significa que esta é muito variável de zona para zona. O quadro da figura 169 reproduz rigorosamente as informações registadas, depois de as termos agrupado por categorias. Verificamos que há, no essencial, quatro formas bastante generalizadas de utilização: como combustível, como alimento para os animais, para extracção de óleos e como adubo.

 

 

Combustível

Braseiras - 2
Fogões - 1
Fornalhas da caldeira - 17

                Total - 20

Alimento para os animais

Porcos - 8
Galinhas - 1
Gado - 10
                 Total - 19

Extracção de óleos

                 Total - 16

Adubos

Estrume - 3
Adubo - 8
                 Total - 11

 
  Figura 162: Quadro com a distribuição por classes das utilizações dadas ao bagaço, segundo as informações obtidas em inquéritos directos e no I.L.B.  

Mais significativas que as nossas palavras e linguisticamente mais interessante serão talvez as breves transcrições que passamos a fazer das informações obtidas relativamente à utilização do bagaço.

«– Para que serve a baga?

Nós aqui num damos, o labrador lebábum-na. Aqui era preciso, lebábum-na, porque diz que era para dar òs cebados e essas coisas. Lebábum-na baga. Chegabam lá im casa, amassabam aquilo de depois iam dando òs cebados. Ò mais… e o resto nós queimamos aí alguma coisita, queimaba-se, botaba-se na fornalha.» (Espiunca, P. 117, conc. Arouca, dist. Aveiro)

 

«– O bagaço no fim é retirado do lagar em vagonêtas. Vai por uma linha fora e cai numa espécie de recipiente amplo. É depois vendido. Há muitos concorrentes. Este ano (1969) foi vendido para Soure. O ano passado foi vendido para Arganil e Penacova. Querem o bagaço p’rà extracção d’óleos. Extraem óleos  ainda e por vezes até aqueles óleos ainda são refinados e tiram azeite bom. O mais ordinário é aplicado p’rò sabão. Esta venda do bagaço produz bom rendimento. Este ano a colheita foi muito fraca, inda fizemos uns 40, 70 contos em bagaço. Portanto, o bagaço ajuda a cobrir as despesas do lagar. Ele há anos qu’até paga as despesas todas.» (Ervedal, P. 236, conc. Oliveira do Hospital, dist. Coimbra)

 

«– E esse bagaço para que o querem?

Isto é p’ra consumo deles lá prós animais. Sim, qu’isto n vale nada. Mas há muita gente que faz referência a estas coisas.

Não costumam também usar para queimar?

Depois vende-se às fábricas que isso é para exdestruírem ainda óleos disto.

Mas não é utilizado também para queimar em lareiras e braseiras?

Aqui não. Aqui não, não, não usam. Aqui nesta região é o seguinte: é o que o freguês leva, faz dele o que quiser. E o que não leva nós vendemos à fábrica para extracção d’óleo…» (Assafarge, P. 284, conc. e dist. de Coimbra)

 

«O resto d’àzeitona que fica nas seiras é o bagaço. Cada um leva pra suas casas par’o que dão âos animais, pelo menos, com licença aos porcos, não é? E outros vendem, porque andam aí muitos, uma grande quantidade de gente, a comprar, porque o senhor vê, isto à vara, os que vêm aqui comprar o bagaço ainda tiram muito azeite, porque a gente vai espremer o bagaço, fica com as mãos untadas.»  (Três Aldeias, P. 303, conc. Pampilhosa da Serra, dist. Coimbra)

 

«– O bagaço serve para a alimentação do gado. Em algumas regiões é guardado num compartimento da casa da habitação chamado loja. É metido numa cuba ou tina, após ter sido amassado com água e sal. É dado aos animais misturado na lavagem.» (Carvalhal Redondo, conc. Nelas, dist. Viseu)

 

«– Para que servia a baganha?

Isso serbia pra… ora mais tarde, e mesmo agora inda usam, pra lebar, remóiem e dá adubos, sim, adubos pra gado, pra coiso, pois. Até que praticamente talvez seja destas farinhas que dou, alimentação de gado, seja para isso.» (Carvalhosas, P. 286, freg. Torres do Mondego, conc. e dist. Coimbra)

 

«É a baganha.

Isso não serve para nada?

Não, serve pra óleos.

ainda vendem?

Quem quiser. E quem não quiser é prós suínos.

Então já não dá mais nada?

O que bai prós suínos não. Agora, quem num quiser pa suínos, po’ izemplo, eu num tenho suínos nenhuns im casa, suponhamos, ou o xenhor, não precisa dos seus caroços, não precisa de baganha pa eles. Se não tiver quem compre, cá, na terra, vendi pra estes baganheiros que…» (Dianteiro, P. 256, freg. Torres do Mondego, conc. e dist. Coimbra).

 

Se bem que muitas outras explicações tenham sido por nós recolhidas, vamos terminar a nossa referência à utilizações dadas ao bagaço com a transcrição de um breve texto extraído do Dicionário Universal da Vida Prática na Cidade e no Campo(29). Além de nos fornecer uma breve nota sociológica relativa ao carácter da nossa população nos princípios do século XX, refere-nos já as modernas utilizações do bagaço, antes de chegar à utilização última, como adubo ou produção de rações para o gado:

«(…) Estabeleceu-se, em tempos, uma fábrica que vivia só de comprar e espremer os bagaços já espremidos nas prensas ordinárias, e donde retirava muito azeite, sujeitando-os a mais enérgica pressão. Esta fábrica lutou, porém, com dificuldades doutro género: o não lhe quererem vender bagaços, por se servirem deles na alimentação do gado suíno, apesar daquela venda dever ser mais vantajosa.

(…) Os bagaços da azeitona empregam-se geralmente na engorda dos porcos, ou como combustível, no mesmo lagar, para aquecer as águas necessárias para as manipulações que descrevemos.

Hoje, em alguns países, usam extrair aos bagaços, por meio de sulfureto de carbónio, o óleo que eles contêm. Por este processo químico extrai-se até à última partícula do azeite existente. Este óleo não serve depois para comida, mas pode ter muitos usos (a saboaria, etc.) e esta extracção é vantajosa.»

 

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(11) – ALBERTO KLEMM, La cultura popular de la província de Ávila, in: “Anales del Instituto de Linguística”, tomo VIII, 1962, pág. 139: «…O resíduo que fica nos capachos, bastante seco, chamado hueso emprega-se comummente como alimento para os porcos.»

(12) LUIGI HEILMANN, L’ulivo e la lavorazione dell’olio nei colli fiorentino. Contributo allo studio della terminologia olearia in Toscana, in: “Folklore”, Out. 1847-Mar. 1948, ano II, fasc. III-IV, pág. 40: «Terminada a operação de prensagem (…) desfaz-se o kastèllo para retirar a massa espremida ou sansa. (…)»

(13)Segundo a Enciclopedia Italiana di Scienze, Lettere ed Arti, Roma, 1935, vol. XXV, pág. 302, 2ª col., da extracção do azeite resultam três tipos de resíduos: a sansa, o óleo do inferno e o morchie. A sansa é a parte sólida que fica depois da última espremedura da pasta da azeitona. É em peso cerca de 40% das azeitonas trabalhadas e contém ainda 6 a 12% de óleo, cerca de 50% de matéria polposa e 40% de outros detritos.

(14)De P. Scheuermeir, Bauernwerk in Italien der italienischen und rätoromanischen Schweiz, 1943, pág. 192-193, efectuamos a transcrição da parte em que nos fala da baganha da azeitona:
     «A baganha das azeitonas que depois da prensagem completa fica nas seiras chama-se nas Tosc. sansa, sánsina, P. 541, pánsera, Umbr. salza, sarza, umbr., march., laz. ciancia, giangia, laz. sciancia, -ngia, P. 374, polpa, P. 664, 660, 692, 701, 710, pasta, P. 548, 713, ‘oso’, P. 378 nocla, march. ‘nocchia’, P. 499 (…)
     A baganha é vendida para posterior utilização industrial ou constitui o combustível ideal para a braseira, braciere, o velho combustível nacional da Itália produtora de azeite. Raras vezes se alimenta com ele os porcos, P. 564.
     Nas regiões em que há água suficiente pode-se lavar ainda as baganhas. O sítio onde isso se faz chama-se em Camaore, P. 520, il frulino. Aí e em Borgomaro, P. 193, faz-se da maneira seguinte: la sansa é tirada das seiras, tosc. brúscole, ligur. Sportin, e é moída mais uma vez no moinho…»

(15) – Registámos o vocábulo baga nos seguintes distritos: Aveiro, P. 116, 117; Braga, P. 34; Bragança, P. 86, 90, 98, 100, e ainda em Cachão (conc. Mirandela-ID); Vila Real, P. 73, 75, 76, 78, e ainda em Valongo de Milhais (conc. Murça-ILB), Veiga do Bila (conc, Valpaços-ILB) e Capeludos (conc. Vila Pouca de Aguiar-ILB).

(16) Registámos o vocábulo bagaço nos seguintes distritos: Aveiro, P. 120, e ainda em Porto do Carro (conc. Sever do Vouga-ILB); Braga, P. 28, 34; Bragança, em Vilarinho do Monte (conc. Macedo de Cavaleiros-ILB); Castelo Branco, na Covilhã, Peraboa e Boidobra (conc. Covilha-ILB); Coimbra, P. 236, 245, 255, 257, 262, 280, 284, 288, 294, 298, 302, 303, 304, e ainda em Carvalhosas (conc. Coimbra-ID), Quinta da Dabade (conc. Oliveira do Hospital-ILB), Vila Nova de Anços (conc. Soure-ILB) e Quinta do Esporão (conc. Tábua-ILB); Évora, em Juromenha (conc. Alandroal-ILB); Guarda, P. 206, 209, 212, 226, e ainda em Bandoira e Nespereira (conc. Gouveia-ILB); Leiria, em Ferrarias (conc. Alvaiázere-ILB); Porto, P. 53, 57, e ainda em Cadeado (conc. Baião-ID); Santarém, no Bairro de D. Constança (conc. Santarém-ILB); Vila Real, em Alijó (ILB); Viseu, em Mesquitela (conc. Mangualde-ILB), Carvalhal Redondo e Moreira de Cima (conc. Nelas-ILB).

(17)De Fernão Lopes transcrevemos o excerto onde se faz referência à utilização do bagaço da azeitona para fazer pão:
«Na cidade não havia trigo para vender e se o havia era mui pouco e tão caro, que as pobres gentes não podiam adquiri-lo; porque valia o alqueire quatro libras; e o alqueire de milho quarenta soldos; e a canada de vinho três e quatro libras; e em cada dia que passava padeciam muitíssimo e, ainda que dessem por um pão uma dobra, não o encontrariam à venda; e começaram a comer pão de bagaço de azeitona, e dos queijos das malvas e raízes de ervas, e de outras pouco acostumadas coisas e contrárias à natureza; e havia ali pessoas que se mantinham de alféola. No lugar onde costumavam vender o trigo, andavam homens e moços a esgaravatar a terra; e quando achavam alguns grãos de trigo, metiam-nos logo na boca; outros fartavam-se de ervas e bebiam tanta água que se encontravam homens e crianças mortos e com os corpos inchados nas praças e noutros lugares
               Fernão Lopes, Crónica de D. João I, cap. CXLVIII (adaptado para português actual).

(18) Registámos o vocábulo baganha nos seguintes distritos: Castelo Branco, na Covilhã; Coimbra, P. 256, 257, 261, 262, 277, 285, 286, e ainda em Casal Novo (conc. Coimbra-ILB) e Vale de Açor (conc. Miranda do Corvo-ILB); Porto, P. 51, 52.
 

(19) Regimento de Lagar de Azeite, Que toda a pessoa que tem Lagar, é obrigado a ter na mão do mestre que nele estiver, Coimbra, 1551. Deste regimento transcrevemos já o parágrafo 33 em nota anterior, no início deste capítulo.

(20)Dicionário Universal da Vida Prática na Cidade e no Campo, Porto, vol. I, pág. 235:
«Nos nossos lagares usa-se, geralmente, por último, depois de feitas as três espremeduras, levar outras vezes ao moinho as polpas, repisá-las, conjuntamente com água, separar em tanques apropriados os fragmentos que sobrenadam (a baganha preta) e os que vão ao fundo (a baganha branca), colher o azeite que sobrenada nestes tanques, ferver as baganhas com água, e espremê-las nas seiras. Estes azeites, principalmente os da baganha branca, são de muito inferior qualidade. Denominam-se azeites de repisa e são bons para a saboaria.»

(21)21 – ALICE PEREIRA BRANCO, Covilhã. Contribuição para o estudo da linguagem, etnografia e folclore do concelho, Dissertação de Licenciatura, Coimbra, 1966.

(22) Registámos o vocábulo baganho nos seguintes distritos: Coimbra, P. 297, e Vila Nova de Anços (conc. Soure-ILB); Viseu, em Aldeia de Baixo (conc. Armamar-ILB) e Cabo (conc. Lamego-ILB).

(23) – D. A. TAVARES DA SILVA, Esboço dum vocabulário agrícola regional, Lisboa, 1944, pág. 96.

(24)24 – MARIA MARGARIDA F. MARTINS, A oliveira (Estudo linguístico), Dissertação de licenciatura (inédita), Coimbra, 1945, pág. 100.

(25) – Quando, em 30 de Janeiro de 1970, visitámos o Lagar Cooperativo da Federação dos Grémios da Lavoura do Nordeste Transmontano, em Cachão, no concelho de Mirandela (dist. Bragança), este apresentava um dos mais modernos sistemas de extracção de azeite na época.
O lagar destina-se a «fazer a azeitona» dos produtores da região, abrangendo não são só Mirandela, mas ainda Vila Flor e Carrazeda. O lagar está dividido, segundo o informador, em diferentes sectores: recepção da azeitona, laboração, armazenamento e engarrafamento do azeite, constituindo, para usarmos as palavras ouvidas, «um sistema de cadeia». Para ficarmos com uma ideia do que é este lagar, passamos a reproduzir alguns excertos das palavras do informador:
«(…) Sai daqui o azeite já embalado p’ró mercado. As máquinas… portanto, esta parte de máquinas é um lagar moderno, na medida em que são isentos de capacho. Tem uma vantagem sobre os outros porque a acidez é baixa, porque o capacho transmite acidez às laborações seguintes e este não; as prensas são lavadas de vez em quando. Além disso, tem outra vantagem sobre os outros lagares, é que o rendimento é mais elevado cerca de 2% em relação aos lagares tradicionais. E, enfim, toda esta maquinaria é de facto moderna e de fácil manejo. Este, quer dizer, este é o sistema Saleron. (…) O moinho é um pouco fora do vulgar, são apenas dois eixos excêntricos que esmaga de incontro, um a trabalhar no interior esmaga de incontro ò exterior. (…) Logo a seguir ò moinho está um sem-fim que transporta para a batedeira, a termo-batedeira faz a restante preparação, aquece a massa e bate p’ra facilitar a extracção. Depois tem o sistema de enchimento por estratificação. Uma camada de massa, uma camada de caroço… Depois tem a prensa onde os caroços vão entrar, enfim, depois põe-se-lhe um prato e aquilo é prensado. O azeite, daí sai o caldo que vai para uns depósitos e depois é centrifugado. (…) Aqui neste lagar não há tarefas (…)»

(26) – OCTÁVIO SOLANO BANDEIRA DE MELLO e PEDRO CELESTINO CALDEIRA CASTEL-BRANCO, Lagar de Sobral, in: “Congresso de Leitaria, Olivicultura e Indústria do azeite em 1905”, Lisboa (Real Associação Central da Agricultura Portuguesa), 1906, vol. II, pág. 701.

(27) – Nos livros técnicos, a bagaceira é também designada pela expressão silos para bagaço.

(28) Regimento de Lagar de Azeite, Que toda a pessoa que tem Lagar, é obrigado a ter na mão do mestre que nele estiver, Coimbra, 21 de Maio de 1551, posteriormente datado e assinado em 1792, pág. 9, §§ 31 e 32. Veja-se a nota 6, página 343, na qual se reproduz o parágrafo 33.

(29)Dicionário Universal da Vida Prática na Cidade e no Campo, Porto, vol. I, págs. 234-235.

 

 

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