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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

VI

PRENSAS DE AZEITE

 

O sistema de accionamento actua um pouco antes da cabeça da vara. Compõe-se de duas peças fundamentais: o fuso ou parafuso, de comprimento variável, e a concha, peça de madeira que serve de rosca ao fuso. Na extremidade inferior deste existe um bloco de cimento ou de pedra, que contribui com o seu peso para o aumento de pressão da vara.

O fuso(23), também conhecido por parafuso (Aveiro, P. 117; Braga, P. 31; Bragança, P. 92) e por tarraxão(24), é uma peça de madeira ─ mais raramente de ferro ─ formada por duas secções: uma, estriada e com uma rosca, a que um informador deu o nome de idas (Guarda, P. 206); a outra, de secção quadrada ou octogonal e com um ou dois orifícios, conhecidos no distrito do Porto, P. 56, por ouvidos do fuso. É nestes orifícios que os homens enfiam os balurdes ou balurdos (Guarda, P. 207), longas varas de madeira com que tocam à unha (Coimbra, P. 294) o fuso. São também conhecidas pelos vocábulos barrana (Vila Real, P. 76a), braçal (Coimbra, P. 286), panca (Aveiro, P. 118; Porto, P. 56), tartoeiral(25), tâtuêràdu (Vila Nova de Baronia, concelho de Alvito, distrito de Beja), ternel(26), torteiral (Braga, P. 29), tortual(27), tranca (Aveiro, P. 116; Braga, P. 28, 32; Bragança, P. 92; Coimbra, P. 261, 262, 297, 302; Guarda, P. 211; Porto, P. 51, 54a, 57) e tranqueta(Aveiro, P. 164; Porto, P. 57).

 

Figura 81: Corte de um fuso e peso, com os diferentes componentes: 1 - fuso; 2-veio interno de ferro; 3-chave, chaveta ou chavetão; 4-bucha interna de madeira; 5-cunhas de madeira; 6-peso.

 

Figura 82: Fuso e peso, com os diferentes componentes: 1-idas ou rosca do fuso; 2-fuso; 3-tranca de tocar o fuso; 4-ouvido do fuso; 5-veio de ferro; 6-chave ou trabinca; 7-bucha externa de madeira; 8-peso.

A parte estriada do fuso enrosca numa peça de madeira chamada concha(28). Com a forma de um paralelepípedo de grande grossura e comprimento, atravessa horizontalmente a vara de um lado ao outro, a poucos centímetros da chamada cabeça da vara. Para que não saiam da posição que devem ocupar, algumas conchas são atravessadas por dois tornos de madeira, colocados verticalmente de cada lado da vara.

A fim de evitar o desgaste e diminuir o atrito durante o funcionamento da prensa, fuso e concha são untados com massa consistente ou, na falta desta, com sebo.

A extremidade inferior do fuso, que já vimos apresentar uma secção quadrangular ou octogonal e o orifício onde enfiam as varas para poder ser tocado pelos homens, assenta sobre uma peça de pedra ou de cimento. É o chamado peso (Aveiro, P. 116, 117, 118, 164; Coimbra, P. 256, 258, 261, 286, 294, 297, 303; Guarda, P. 207; Leiria, P. 362; Porto, P. 51, 56, 57; Vila Real, P. 73, 76a), também conhecido por penedo (Coimbra, P. 300, 302) e peso (Braga, P. 28, 29, 31, 32).

Tavares da Silva(29) apresenta o Tavares da Silva apresenta o vocábulo pouso nas acepções de vasa ou «mó jacente do moinho» e de 'zona onde são colocadas as seiras com massa da azeitona'.

 

 
  Figura 83: Prensa de vara de um lagar de azeite (Pedregal, P. 51, freg. Mesquinhata, conc. Baião, dist. Porto).  

De formato geralmente tronco-cónico, mas também cilíndrico e esférico (veja-se a figura 84), tem o peso como principal função aumentar a potência da vara. Está em alguns lagares assente dentro de uma cavidade circular, da qual se eleva quando em suspensão (ver figura 83).

 

 
  Figura 84: Prensa de vara de um lagar de azeite (Fundo de Vila, P. 57, freg. Jasente, conc. Amarante, dist. Porto).  

Vejamos como é fixo o peso à parte inferior do fuso. Enquanto ele está assente no chão, o fuso gira livremente sobre a pedra à volta de um eixo de ferro, conhecido normalmente por veio ou, mais raramente, por barela (Braga, P. 28). Quando chega a altura de o suspender é introduzida uma lâmina de ferro numa ranhura, existente na metade inferior do fuso e um pouco acima do seu ponto de apoio sobre a pedra (ver figura 81, nº 3), fixando-se deste modo o peso. Esta lâmina, com cerca de 10 a 20 centímetros de comprimento, 2 cm de largura, 1 cm de espessura e dobrada na extremidade em ângulo recto, é conhecida por chabelha (Porto, P. 51, 56), chabeta (Braga, P. 31, 32; Coimbra, P. 258, 300, 302; Guarda, P. 206; Porto, P. 54a; 57), chabetão (Coimbra, P. 256), chave (Coimbra, P. 261, 262, 286, 297), trabinca (Aveiro, P. 118) e tranqueta (Coimbra, P. 294).

O veio pode ser seguro ao peso segundo dois processos, que vamos passar a descrever.

O primeiro encontramo-lo no lagar de Canelas de Baixo, P. 118 (distrito de Aveiro), Pinhel, P. 28 (distrito de Braga) e Pedregal, P. 51 (distrito do Porto), e está documentado nas figuras 82, 83 e 85. O veio é seguro por meio de uma peça de madeira chamada bucha (Aveiro, P. 118) ou cunha (Braga, P. 28), de secção trapezoidal, que atravessa diametralmente a parte superior do peso, fazendo lembrar o sistema usado nas caixas de dominó com tampa de correr. A este respeito são interessantes as palavras do informador que, no lagar de Canelas de Baixo, teve a gentileza de nos prestar todos os esclarecimentos necessários:

«O beio é o ferro que tem aqui. Isto chama-s'a bucha. É um bocado de madeira intalada na pedra, qu i esta pedra é diagonal, é estreita por cima e larga pro baixo. E a bucha faz-se larga também  e de maneira que o eixo trabalha dentro desta peça de madeira c'uma roldana de ferro pro baixo e alabanta e num sai. Isto num sai (...)».

 

 
  Figura 85: Sistema de accionamento da vara (Pinhel, P. 28, freg. Outeiro, conc. Cabeceiras de Basto, dist. Braga).  

O segundo processo, documentado na figura 81, é o mais usual, podendo ser encontrado em quase todos os lagares. Possui também uma bucha de madeira (figura 81, nº 4); porém, ao contrário da anterior, não é facilmente visível, visto situar-se no interior da própria pedra. Dela se consegue vislumbrar apenas uma pequena amostra, quando a prensa está em pleno trabalho e o peso suspenso do fuso, como se vê nas figuras 74 e 84.

Importa agora saber como conseguem introduzir a bucha através de uma abertura que é menor do que ela. O problema parece difícil de resolver e, como tal, suscitou em nós uma certa confusão e curiosidade. A solução foi, felizmente, rapidamente apresentada pelo informador da Quinta do Rol (freg. Ançã, conc. Cantanhede, dist. Coimbra), perdendo logo todo o seu aspecto de mistério.

Em primeiro lugar, a pedra é talhada internamente até se obter uma cavidade com o formato de um tronco de pirâmide quadrangular. Em seguida, talham um pedaço de madeira de figueira – a melhor, segundo o informador, pela sua grande maleabilidade e duração – até lhe darem a forma de paralelepípedo, de secção quadrada igual à da abertura da pedra. Depois de lhe ter sido introduzido o veio (figura 81, nº 2) e de lhe haverem apontado umas cunhas (nº 5), a bucha é encaixada na cavidade até baixo e batida com bastante força. As cunhas são obrigadas a penetrar na bucha, fazendo-lhe alargar a base e conferindo-lhe o feitio de um tronco de pirâmide, que se ajusta perfeitamente à cavidade, nunca mais saindo.

Antes de passarmos à vara italiana, com a qual concluiremos o estudo da prensa de vara, convirá fazer uma breve referência à prensa que encontrámos em Izei, P. 76, no distrito de Vila Real.

Se bem que de estrutura idêntica às demais, a vara deste lagar tem a particularidade de apresentar uma prensa de parafuso, que lhe está acoplada. Efectivamente, existe na extremidade da cabeça da vara um gancho de ferro, ao qual é preso um grosso parafuso do mesmo metal. Este enrosca numa placa de ferro cravada no chão. Atingido o máximo de aperto com a vara, montam esta segunda prensa; e com a barrana, pesada alavanca de ferro que enfiam no buraco do parafuso, vão-no rodando e fazendo penetrar no solo, aumentando deste modo a pressão sobre as seiras.

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(23) – Registámos o vocábulo fuso nos seguintes distritos: Aveiro, P. 116, 118; Braga, P. 28, 29, 32; Bragança, P. 86; Coimbra, P. 256, 258, 261, 262, 286, 297, 300, 302; Guarda, P. 206, 207, 211; Porto, P. 51, 54a, 57; Santarém, P. 334; Vila Real, P. 73, 78.

(24)Vocábulo apresentado por D. A. TAVARES DA SILVA, Esboço dum vocabulário agrícola regional, Lisboa, 1944, pág. 421: «Douro – parafuso de madeira que suspende e move a pedra da prensa de vara».

(25)Vocábulo recolhido em Serpa por GUILHERME FELGUEIRAS, Terminologia agrícola. Linguagem dos campos, in: "Gazeta das Aldeias", Porto, 1938, nº 1892, pág. 202, 2ª col.

(26) – Vocábulo apresentado por D. A. TAVARES DA SILVA op. cit., pág. 423: «Beira Baixa ─ diz-se assim a alavanca com que se põe em movimento o fuso da antiga prensa de vara e fuso».

(27)Termo recolhido em Ribeira de Pontével por GUILHERME FELGUEIRAS, op. cit., Porto, 1937, nº 1874, pág. 405, 2ª col.

(28)Este vocábulo parece ser extensivo a todo o País. Registámo-lo nos seguintes distritos: Aveiro, P. 116, 117, 118; Braga, P. 28, 32; Coimbra, P. 256, 258, 261, 262, 286, 297, 302; Guarda, P. 206, 207, 209, 211, 212; Porto, P. 54a, 56, 57; Vila Real, P. 73, 78.

(29) – D. A. TAVARES DA SILVA, op. cit., pág. 369: «Beira Baixa a mó jacente do moinho ou o mesmo que basa; Mação – diz-se assim as lajes sobre que se colocam as seiras com a massa da azeitona».

 

 

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