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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

II

Transporte e conservação da azeitona

 

AS TULHAS

Encontrámos já várias referências à existência de tulhas em alguns lagares. Sobre este assunto muito tem sido dito. Dalla Bella(4), nas suas Memórias e observações sobre o modo de aperfeiçoar a manufactura do azeite de oliveira em Portugal, ocupa nada mais do que cinco capítulos a mostrar os inconvenientes de conservar a azeitona em tulhas, indo à minúcia de indicar (pp. 44-47) como deverão ser construídas, quando a necessidade o requeira.

 

 
  Figura 12: Aspecto das tulhas do lagar de Condeixa-a-Nova, P. 277, dist. de Coimbra. No chão, os chamados poceiros com azeitona.  

Segundo Bluteau(5), a tulha «é o nome genérico de vários receptáculos de tijolo, ou de vimes, ou de esparto, em que se recolhe separadamente azeitona, castanha, arroz ou outros frutos da terra; e como num celeiro há vários montes de trigo, cevada, centeio, milho, etc., também separados uns dos outros, também o celeiro às vezes se chama tulha

O dicionário de António de Morais Silva, 10ª ed., vol. XI, pág. 338, 1ª e 2ª coluna, dá-nos também uma série de abonações para o mesmo vocábulo. Assim, tulha pode designar o «lugar onde se deposita a azeitona, antes de ser levada ao moinho (...)», «a porção de azeitona contida nesse recinto» e ainda o «cheiro e sabor desagradável que a azeitona adquire, quando está muito tempo entulhada».

É pois a tulha o recipiente ou depósito onde a azeitona é conservada. Apresenta formato e dimensões variáveis, tornando-se por isso impossível estabelecer uma definição única e precisa do termo. Pode ser formada por paredes de madeira, tijolo, cimento, blocos de granito, etc., e apresenta, em regra, o fundo ligeiramente inclinado e com uma saída para a água-ruça que as azeitonas libertam. Vejamos, então, alguns exemplos concretos.

Num lagar moderno, em Condeixa-a-Nova, P. 277, figura 12, a azeitona é guardada em tulhas dispostas à volta de um amplo pátio, anexo ao lagar, onde as camionetas e os carros de bois podem entrar, para facilitar a descarga. Construídas com tijolo e cimento, apresentam fundo quadrangular ligeiramente inclinado e paredes com cerca de um metro de altura. A frente é larga e com ranhuras nos bordos, nos quais introduzem tábuas à medida que o nível da azeitona aumenta. Este mesmo lagar possui ainda uma fileira de tulhas frente a um pequeno terreiro, cobertas por um pequeno telhado assente sobre colunas. A frente é fechada, o que dificulta a tiragem da azeitona. Talvez por este motivo não são usadas.

 
Figura 13: Aspecto das tulhas do lagar da Quinta da Portela, P. 285b, em Coimbra. No chão, os chamados poceiros para transporte e conservação da azeitona.   Figura 14: Gigos para guardar azeitona. (Fundo de Vila, P. 57, freg. Jasente, conc. Amarante, dist. Porto).

Na Quinta da Portela, P. 285, figura 13, as tulhas ocupam a mesma sala onde é feito o azeite. Situadas no lado oposto ao do moinho e prensa, junto ao portão de acesso, são formadas por várias divisões de madeira, não existindo qualquer taipal a fechá-las. As almofeiras libertas escorrem para um rego a todo o comprimento das tulhas.

Em Celorico da Beira, P. 211, figura 15, as tulhas são construídas de pedra e ocupam uma secção rectangular. A entrada é vedada com tábuas, que vão introduzindo entre duas ranhuras, à medida que a quantidade de azeitona aumenta.

Em alguns lagares de construção relativamente recente, a casa das tulhas fica no primeiro andar, ocupando uma sala só para esse fim. A azeitona é içada por meio de uma espécie de elevador e despejada dentro das tulhas. Daqui é deitada directamente no pio do moinho, através de uma conduta.

No cimo das tulhas, pregadas nas paredes, existem normalmente pequenas placas rectangulares numeradas, com que podem identificar os donos da azeitona. Por vezes, a placa é substituída por uma ardósia, de uso também frequente, ou, mais raramente, por uma cana em cuja extremidade fazem uma fenda com uma navalha. Encaixam um papel com o nome do produtor e respectiva quantidade e espetam a improvisada tabuleta no monte de azeitona, de maneira semelhante ao que se mostra na figura 16. Em Assafarge, P. 284, onde encontrámos este processo, usam-no também para indicar a quem pertencem os montes de baganha.

 

 
  Figura 15: Aspecto das tulhas do lagar de Vilhagre, P. 211, freg. Vide entre Vinhas, conc. Celorico da Beira. Apesar das tulhas, a azeitona é conservada nas sacas em que veio dos olivais.  

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(4) – JOÃO ANTÓNIO DALLA BELLA, Memórias e observações sobre o modo de aperfeiçoar a manufactura do azeite de oliveira em Portugal. Remetidas à Academia Real das Ciências de Lisboa pelo seu sócio Dr. João António Dalla Bella, Lisboa, (Oficina da Academia Real das Ciências), 1784.

(5) – RAPHAEL BLUTEAU, Vocabulário português e latino, 1721, vol. VIII, pág. 323, 1ª coluna.

 

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