III - A
EMIGRAÇÃO NO DISTRITO DE AVEIRO
Como já
referimos, o distrito de Aveiro — administrativamente constituído
por 19 concelhos — conta-se como uma, das regiões do país
desde sempre mais afectadas por este fenómeno.
Não
só a sua grande densidade demográfica, 191 hab/km2 em
1970, mas sobretudo a sua posição litoral, junto aos portos e às
principais vias de comunicação, disso serão responsáveis.
Topograficamente,
este distrito compreende duas zonas perfeitamente distintas: a
zona costeira de cotas inferiores aos 100 m. (formada pela planície
da beira-mar e onde se desenvolve a bacia do baixo Vouga e Ria de
Aveiro) e a zona interior, de relevo mais acidentado, e que
compreende, de Norte para Sul, as Serras de Freita, Arestal,
Arada, Buçaco e os contra fortes da Serra do Caramulo.
Da
ponto de vista humano, elas englobam igualmente oposições notáveis,
resultantes de desigual distribuição da população e das suas
actividades.
Assim,
contamos com uma larga faixa que acompanha a estrada principal de
Lisboa ao Porto, onde se fixaram um conjunto de indústrias —
alimentares, têxteis, madeiras, metalúrgicas, metalomecânicas,
químicas e outras indústrias transformadoras — que de Águeda
se estendem por Aveiro, Estarreja, Ovar, Oliveira de Azeméis e S.
Jogo da Madeira até Espinho.
Se
pensarmos na área litoral, então teremos de destacar as construções
navais e, sobretudo, as indústrias da frio e as alimentares, que
se localizam nos concelhos de Ílhavo e de Aveiro, para referirmos
apenas os sectores mais importantes.
Além
da indústria, não devemos ainda esquecer a pesca, quer a do
arrasto e mesmo a longínqua, do bacalhau, que traduzem na
actualidade um dos sectores mais notáveis e responsáveis pelo
crescimento do principal centro urbano desta área — a cidade de
Aveiro.
Ainda
ligada à presença do mar e sobretudo à actividade portuária,
destacamos o comércio marítimo, outrora animado pela vasta
exportação de sal, que ainda hoje prolifera nas margens alagadiças
da Ria de Aveiro.
Também
a agricultura e a própria criação de gado constituem uma das
grandes riquezas desta terra, mercê da boa qualidade dos solos e,
sobretudo, do esforço do homem, características em todo o Baixo
Vouga. Daí o florescimento de uma indústria associada — a de
lacticínios — e a exploração de grandes unidades de produção
leiteira, que alimentam não só a população desta área, mas
igualmente de outros pontos do país.
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Fig. 1: Gráfico
referente à emigração oficial no Distrito de Aveiro,
entre 1955 e 1975. |
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Útil
será ainda referir o desenvolvimento de outras actividades
ligadas ao ensino, à saúde, à assistência e aos serviços públicos
e privados — que possibilitam uma longa percentagem de emprego e
que, pelo seu dinamismo, permitem uma absorção constante de mão-de-obra
desempregada.
Contudo,
o distrito de Aveiro contínua, em nosso entender, a ser uma terra
de contrastes. Não só físicos, como já referimos, mas
igualmente humanos, que se prendem com a diversidade de condições
naturais e de aproveitamento dos seus recursos.
Isto
faz-nos debruçar um pouco mais profundamente sobre alguns dos
aspectos sócio-económicos locais, expressos em taxas e
indicadores que passaremos a citar.
Pensando
na taxa de mortalidade infantil, no início da década de 70 o
valor encontrado para o distrito de Aveiro era de 68,4 por cento,
superando a média global do continente que se queda pelos 58,0
por cento. Entre outros concelhos, Espinho e Ovar apresentavam
valores superiores aos 100 por cento, enquanto que na Feira e na
Murtosa, a taxa de mortalidade infantil pouco ultrapassava os 80
por cento.
No
que respeita às condições de alojamento e às qualidades de
vida das populações, a percentagem dos alojamentos com água e
esgotos era no distrito de quase 30 por cento, destacando-se neste
caso concreto os concelhos de S. João da Madeira e de Espinho com
as melhores condições, já que cerca de 80 e 64 por cento dos
seus alojamentos possuíam estes requisitas.
No
extrema oposto situam-se os concelhos de Vale de Cambra, Vagos,
Castelo de Paiva e Sever do Vouga, onde esse valor se situava
entre os 8 e os 19 por cento.
Se
pensarmos num outro indicador, o do consumo de energia eléctrica
para fins domésticos, por habitante, igualmente encontramos a
maior capitação nos concelhos de maior grau de urbanização, a
saber, Espinho, Aveiro, S. João da Madeira e Ílhavo, onde o
consumo por habitante ultrapassava os 260 KWH, quando no distrito
a média era de 115 KWH (2).
Relativamente
à população activa, o último censo de 1970 referia o predomínio
do Sector II com cerca de 37,2 por cento de população activa
total, seguindo-se o sector I com 35,4 por cento e o terciário
com 26,4 por cento.
Quanto
à repartição do PIB no distrito, era às indústrias
transformadoras que cabia a maior percentagem, cerca de 63,2 por
cento; à agricultura 16,7 por cento e aos serviços apenas 6,4
por cento dos quase 12 milhões de escudos contabilizados para o
distrito.
Uma
análise mais pormenorizada e, quiçá, exaustiva, dar-nos-ia
conta da desigual repartição geográfica destes valores, a que
aliás confirmaria outros já anteriormente apontadas.
Fiquemo-nos,
então, pela análise do comportamento emigratório no distrito de
Aveiro. Recordemos, portanto, o que OLIVEIRA MARTINS (3) a propósito
de emigração portuguesa nos finais da década de 1880, escreveu,
considerando a par do Minho, os distritos do Litoral como Aveiro,
Coimbra e até Leiria, os que apresentavam maior número de
emigrantes.
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Fig. 2:
Composição da emigração nos concelhos do Distrito de Aveiro,
entre 1955 e 1975. |
A
este respeito, uma análise curiosa deste autor relacionando a
emigração com a população residente (nos anos de 1886 e 1887)
mostra que, no continente, essa relação é maior em Aveiro —
respectivamente 7,19 e 5,27 por cento —, valor que duplica a média
encontrada para o continente e que a aproxima dos valores das
ilhas, já então bastante afectadas pela emigração (4).
Daí
que o mesmo autor venha a considerar (5) que “a emigração se
distribui em razão da densidade de população”, demonstrando
“dum modo irrefutável que a emigração não provém dum
capricho de aventura, de uma sede de enriquecer, mas sim,
fundamentalmente, de míngua de meios e de subsistência”.
Embora
no caso concreto de Aveiro a densidade de população seja
inferior à do Minho, este mesmo autor aponta como causa o facto
de neste distrito “a vida ser aí mais difícil, por a terra ser
menos pingue, e portanto a miséria ser maior” (6).
No
que respeita à situação económica do distrito, temos ainda a
sorte de o autor considerar o aumento da emigração registado
entre 1886 e 1887 como “de a atribuir à ruína da indústria
agrícola da engorda do gado para a exportação que constituía
um suplemento de rendimento da pequena propriedade.
Passado
este período, os valores de emigração registados a partir de
1890 confirmam aliás os dados que aquele e outros autores nos
fornecem sobre a dimensão do fenómeno nesta área, O distrito de
Aveiro surge então com os maiores valores de emigração,
geralmente logo a seguir a Viseu, já que ao distrito do Porto
cabem as maiores percentagens.
Vejamos
alguns exemplos:
—
Entre 1890 e 1899, o Parto registou 38648 emigrantes; Viseu 33857
e Aveiro 29640.
—
Entre 1910 e 1919, do Porto partiram 34322 emigrantes; de Viseu
50743 e de Aveiro 34322.
—
Entre 1930 e 1939, portanto na época de crise, Viseu registou
17859 partidas; Aveiro 15470 e o Porto 14810.
—
Enfim, entre 1900 e 1954, do milhão e quase duzentos mil
emigrantes que saíram do país, 15,2 por cento eram naturais de
Viseu, 13,5 por cento do Porto e 12,7 por cento de Aveiro.
A
partir de 1955 e durante os 20 anos seguintes, a situação
manteve-se praticamente inalterável, embora com alguns
ajustamentos resultantes do incremento de emigração noutros
distritos. Mesmo assim, das quase 900000 saídas registadas
durante esse período, cerca de 10,8 por cento são oriundas do
distrito do Porto; 10,3 por cento do de Braga; 9,9 por cento do de
Lisboa e 9,0 por cento do de Aveiro.
De
tal modo que, dos mais de 2 milhões de saídas registadas entre
1900 e 1974, cerca de 254000 cabem ao Porto, cerca de 242000 a
Viseu e cerca de 229000 a Aveiro.
Vejamos
agora quais os principais destinos relativos ao distrito de
Aveiro, nos últimos 30 anos.
Entre
1944 e 1954 dos quase 30000 emigrantes que saíram deste distrito,
cerca de 77,3 por cento dirigiram-se para o Brasil; 17,4 por cento
para a Venezuela e 3,4 por cento para os E.U.A.
Embora
a preferência global da emigração portuguesa fosse para o
Brasil — que absorveu 82,4 % do total dos emigrantes —, o
distrito de Aveiro apresenta já uma orientação relativamente a
certas países do continente americano — Venezuela e mesmo E.
U.A. —, facto que se continuará a verificar nos anos seguintes.
Entre
1955 e 1959, acentuaram-se as partidas para a Venezuela, que
representaram cerca de 33,6 por cento da emigração total do
distrito, ao mesmo tempo que a emigração para o Brasil se
reduziu substancialmente, passando a representar apenas 56,2 por
cento daquele total.
Mesmo
assim, a emigração para o Brasil acusa ainda entre 1960 e 1964
uma certa preferência — 44,2 por cento do total registado nesse
período, facto que foi acompanhado por uma redução no que
concerne às saídas para a Venezuela, que neste quinquénio
representaram 24,5 por cento daquele valor global.
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Fig. 3:
Pirâmide de idades referente à estrutura etária da
emigração portuguesa entre 1955 e 1975. |
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Facto
significativo foi o ligeiro acréscimo ocorrido quanto à emigração
para os E. U.A. e mesmo para o Canadá, o que determina no
conjunto de emigração total uma preferência nítida da emigração
total registada neste período.
Este
valor tem para nós especial significado, mesmo quando comparado
com os dos anos anteriores, por exemplo entre 1955 e 1959, que
representou 95,5 por cento de emigração total, já que nos anos
seguintes esta preferência emigratória acusa um decréscimo
considerável. Assim, entre 1965 e 1969, a emigração para o
continente americano representou apenas 33,7 por cento de emigração
total do distrito e, no quinquénio de 1970 a 1974, 44,1 por
cento.
De
salientar o incremento que no seu conjunto as saídas para os E.
U.A. acusaram, mantendo-se de certa maneira constantes da ordem
das 700 a 800 saídas anuais as que se registaram para a
Venezuela. Pelo contrário, as saídas para o Brasil passaram a
ser insignificantes, da ordem da centena no último quinquénio
considerado.
Apesar
da preferência registada quanto às saídas para o continente
americano, também o distrito de Aveiro acusou um acréscimo
substancial de saídas para a Europa — especialmente para a França,
o mesmo para a Alemanha — durante o «boom» emigratório para
estes países. Só que a existência de colónias numerosas,
residentes quer na Venezuela — sendo naturais desta freguesia de
Fermentelos maior colónia de portugueses aí residentes — quer
nos E.U.A., tem continuado a determinar uma certa eleição de
escolha. (Fig. 1)
Significativos
poderão ser alguns elementos disponíveis sobre a preferência
emigratória de certos concelhos para alguns dos países
considerados. Vejamos, então, alguns exemplos relativos ao período
compreendido entre 1955 e 1974 (Fig. 2):
—
Manteve-se profundamente a emigração para o Brasil, tendo
representado mais de 70 por cento do total de partidas — nos
concelhos de Arouca e Castelo de Paiva.
—
A emigração para os E.U.A. foi igualmente considerável no
concelho da Murtosa, tendo absorvido quase 50 por cento do total
das partidas e, das restantes, cerca de 20 por cento dirigiram-se
ainda para a Venezuela.
—
A preferência emigratória para este país foi igualmente notável
em Oliveira do Bairro, que absorveu mais de 45 por cento do total,
o mesmo acontecendo no concelho de Vagos, com 32,1 por cento.
Estes
exemplos, que se puderam repetir para outros concelhos, confirmam
o que anteriormente apresentámos.
Resta
ainda acrescentar que, nas suas linhas gerais, a emigração no
distrito de Aveiro se integra no quadro da emigração portuguesa
da actualidade, quer quanto ao predomínio de emigração
masculina e de jovens adultos sobre os restantes grupos etários
(Fig. 3), quer ainda quanto às suas causas e consequências.
Para
tanto, não apenas o envio da “carta de chamada” ou do
“contrato de trabalho” pelos parentes e amigos terão
incentivado este movimento, mas sobretudo as carências de ordem
económica, resultantes da falta de emprego ou de remuneração
compatível, as deficientes condições de assistência;
o exemplo e a tradição comprovada pela promoção social
dos emigrantes mais antigos; a procura de uma valorização
profissional; a fuga ao serviço militar ou a oposição a certas
orientações ideológicas e políticas do regime anterior, etc.,
etc., terão sido algumas das causas comuns a outras regiões do
país já apresentadas por diferentes autores.
Daí
o pensarmos que, na sua essência, a rendosa indústria de “criação
de gado humano para exportação”, que O. Martins refere a propósito
das características deste movimento no século passado, tem sido
uma constante que os “Ventos” de agora pouco têm atenuado.
JORGE
ARROTEIA
NOTAS:
(1) - A 1ª parte deste artigo foi
publicada no Boletim n.º 3, págs 26-30. Nela abordou
o Autor os seguintes aspectos: I — lntrodução; lI — Evolução
da corrente migratória.
(2) - C.P.R.C. — Atlas Sócio-Económico
da Região Centro. Coimbra, C.P.R.C., 1975 (p. 89).
(3) - O. MARTINS — Fomento Rural e
Emigração; Lisboa; Guimarães Edit.; 1956 (p. 220-221).
(4) - ldem; ibidem (p. 219).
(5) - ldem; ibidem (p. 220).
(6) - idem; ibidem (p. 221).
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