Achegas para a Historiografia Aveirense - 1988

Relações com Coimbra

Li, no jornal “O Comércio do Porto”, do dia 10 de Junho p.p.(1), nas notícias de Coimbra, «que a vereadora em exercício, D. Judite de Abreu Moura, deu conhecimento de uma carta recebida da Direcção dos Negócios Políticos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, através da qual se dá conhecimento do teor de um ofício do cônsul de Santos, pela satisfação do Município daquela cidade brasileira no estabelecimento de relações de cidades-irmãs, tanto mais que se trata da primeira geminação de um município português com um brasileiro (o sublinhado é meu) facto que facilitará um maior intercâmbio, sobretudo cultural, entre as duas cidades».

É certo que eu não sei em que data Coimbra estabeleceu com Santos as relações de cidades-irmãs; porém, pela maneira como está redigida aquela notícia, fiquei convencido de que tal facto o não seria há muito tempo. Ora, se assim é, queria lembrar que, em 1970, isto é, há dez anos, entre Aveiro e o Belém do Pará se estabeleceram relações de cidades-irmãs.

Estou crente de que às gentes de Coimbra não deverá ter passado despercebida a solenidade de que foi revestido o acto dessa geminação, e para o qual se deslocaram a Aveiro as autoridades de Belém do Pará, e, até, o Adido Cultural da Embaixada Brasileira em Portugal, pois que, além dos jornais locais, os diários realçaram aquele acto. / 157 /

E as autoridades de Aveiro, e representantes de outras entidades, mais tarde, foram a Belém do Pará, confirmar a geminação; e Aveiro deu a uma das suas ruas o nome daquela cidade brasileira, como esta deu o da nossa a uma das suas ruas.

Estes factos foram tratados, então, amplamente, na Imprensa e, por isso, acho estranho que nem D. Judite, nem nenhum dos seus pares, a quem ela deu conhecimento do conteúdo da carta acima referida, se não tenham lembrado de que a afirmação de que se tratava de uma primeira geminação de municípios de Portugal e do Brasil não correspondia à realidade, pois, pelo menos, Aveiro e Belém do Pará já o estavam desde 1970.

De estranhar é, também, o desconhecimento daquele facto por parte do município de Santos e do Cônsul de Portugal nessa cidade, e, até, pela Direcção Geral dos Negócios Políticos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Será que os de Coimbra nos querem levar a honra de, primeiro do que eles, termos sido escolhidos por uma cidade brasileira para cidade sua irmã, como nos tem levado outras coisas, que motivaram o meu amigo e colaborador do “Litoral”, o Engenheiro Manuel Bóia, a perguntar se se preparavam para nos levarem o Farol?

Li, no mesmo jornal, no número datado de 28 de Junho p.p., o seguinte, referindo-se à equipa que deveria representar Coimbra no concurso «Prata da Casa», em competição com a de Aveiro: «Arrufadas foi o nome de guerra escolhido por esta equipa que vai apresentar-se na dança regional com os trajes das tricanas de Coimbra e leva, à tarefa, uma linda gata nascida na África do Sul, com cinco tonalidades de pelo.

«Ignora-se o que vai acontecer nas outras provas, mas não nos admiraríamos muito se ambas as equipas torcessem pelo Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro que, quer Coimbra, quer Aveiro, desejam ver instalados nos respectivos distritos.»

Nas entrelinhas do que acima está transcrito, pareceu-me ler que as gentes de Coimbra estavam muito esperançadas em obter alta classificação naquelas duas provas e, até, no resultado final.

Devem ter ficado desiludidas, pois nem o Centro Tecnológico veio à baila, nem a classificação das provas em que depositavam as suas esperanças se satisfizeram, apesar da maioria do júri se inclinar para Coimbra, como aconteceu na prova de humor e na de dança; nesta, um dos vogais deu menos um ponto a Aveiro, sem explicar por que o fez, enquanto os seus colegas, justificando a sua maneira de proceder, deram classificação igual à que haviam dado a Coimbra.

E, no tarefa, se bem que a Boneca (a gata sul-africana era linda e da raça tartaruga – uma raça esquisita) o júri simpatizou com a Joana, apesar de ser gata vadia, pertencendo à raça das dos telhados. / 158 /

É que a dona da primeira apresentou-se de coleira e trela o que, no dizer de Ribeiro de Melo, era impróprio de um felino, ao passo que a segunda foi apresentada livre, à vontade, como os gatos são no seu natural. Eles nem se importam de arranhar o dono…

E eu, ao ver a Joana à solta, no palco do Villaret, lembrei-me do que aconteceu ao Luís Couceiro (o autor inicial da revista «A Caldeirada»), que se entretinha a conseguir que os seus animais domésticos fizessem certas habilidades que ele, pacientemente, lhes ensinava. E gostava de mostrar a os seus amigos o resultado dessa paciência.

Em vários serões, realizados no «Galitos», apresentou o cão Bacalhau, que acompanhava a música tocada num cornetim. E, em certa altura, fez constar que tinha um gato que sabia fazer umas habilidades, mas só o fazia quando lhe apetecia e só em frente dos familiares com quem estava habituado a lidar. No entretanto, estava a prepará-lo para ele se comportar bem perante pessoas estranhas, e estava convencido de que o conseguiria.

E, quando supôs que o bicho estava em condições de se exibir em público, trouxe-o para mostrar as suas habilidades; porém, o gato, logo que o Luís Couceiro abriu o cesto em que o tinha conduzido, olhou espantado para a assistência e pisgou-se da sala, só parando em casa.

Era o que eu esperava que a Joana fizesse, e a rapaziada de Aveiro ficasse mal colocada, o que, felizmente, não aconteceu.

Mas... não foi para falar da «Prata da Casa», mas sim das relações entre Coimbra e Aveiro que eu comecei a escrever, pelo que continuarei.

As notícias a que me referi na Achega anterior e as quezílias que, ultimamente, tem havido entre Coimbra e Aveiro, trouxeram-me à memória as boas relações que, noutro tempo, existiram entre as duas cidades e que motivaram a razão de, em Aveiro, existir a Rua de Coimbra (nome dado à, então, principal artéria da nossa Cidade) e, em Coimbra, haver a Rua de Aveiro.

É do meu conhecimento que, pelo menos desde 1906, se organizaram excursões entre as duas cidades; e é desde aquela data, aquando dessas excursões, que, nos festivais que o Rancho das Tricanas de Coimbra realizava no Jardim Público, se cantava a marcha Coimbra-Aveiro, com letra de Octaviano de Sá e música de Xico Costa, marcha que todos os excursionistas cantavam, durante os cortejos organizados a partir da estação dos Caminhos de Ferro, e que começa assim: / 159 /

Dessa Coimbra,

Lendária terra,

Trazemos cantos

Que a lua encerra.

Seguem-se mais três quadras em que se fala de sonhos, cantos de amor e do Mondego, terminando a marcha com este estribilho:

Por isso, Povo de Aveiro,

Vinde ouvir nossas cantigas,

Segredo que as raparigas

Transformam em ilusões...

Vinde ouvir esses cantares

Dos Romeiros do Amor,

Que vos trazem com fervor

Os cantos e saudações…

Também Aveiro, pelo menos numa das suas excursões a Coimbra, cantou uma marcha composta especialmente para aquele fim.

Tenho pena de não poder reproduzir aqui a respectiva letra, da qual só me lembram uns versos salteados: e não sei aonde ir procurá-la (se é que alguém a tem).

Devo à gentileza de dois amigos a possibilidade de transcrever a marcha de Coimbra-Aveiro, bem como o conhecimento de uma série de programas, que me permitiram fixar a data dos factos que citarei, dos quais me lembrava terem acontecido, mas não sabia em que altura.

Verifiquei que, em Agosto de 1906, o Rancho acima indicado deu festival no Jardim Público, em honra do Clube dos Galitos, cantando, além da marcha já referenciada, mais onze canções, e que, em Agosto de 1907, noutro festival, foram cantadas sete, sendo uma delas «O BEIJO», com música do Dr. Vasco Rocha.

Num dos programas distribuídos pela cidade, datado de 24 de Agosto de 1906, dava-se conhecimento da chegada do comboio especial à estação, às 7:30 horas, e convidava-se o povo a manifestar aos excursionistas a «sua generosidade hospitaleira, secundando os esforços da direcção do Clube dos Galitos».

Lembrava-se, nesse programa, que, às 19.30 horas, com entradas pagas a 100 réis, se realizaria no Jardim Público um festival que terminaria às 23.30 horas, com a organização de uma «marche aux flambeaux» em direcção à estação dos caminhos de ferro, e que, «devendo este número final ser o de maior entusiasmo, se fornecem, naquele recinto, por preço módico, os balões necessários para tal fim». / 160 /

Noutro prospecto da mesma data, dá-se conhecimento de que a excursão é promovida pelo grupo «Comba-Club» e que, na estação, será esperada por todas as associações locais, acompanhadas de uma banda de música, indicando-se o percurso até à sede do Clube dos Galitos, onde seriam dadas as «boas vindas». Informava-se de que, «desde a ponte dos Arcos até à ponte da Dobadoira, estará uma extensa fila de barcos de todos os tamanhos e feitios, devidamente embandeirados, para receber a bordo os excursionistas e os conduzirem ao soberbo areal da Gafanha, acompanhados de uma banda de música».

Outrossim, se indicavam as visitas que os excursionistas podiam fazer, após o regresso do areal da Gafanha: «todas as associações; o Mosteiro de Jesus; as fábricas de faiança da Fonte Nova e dos Santos Mártires; cerâmica das Agras e moagem de Christo, Rocha, Miranda & C.ª; Escola Industrial Fernando Caldeira; Liceu; Jardim Público; o majestoso farol da Barra e a próxima praia da Costa Nova do Prado; a fábrica de porcelana da Vista Alegre e o pitoresco túnel de Angeja, etc., etc.».

Em 11 de Agosto de 1907, houve nova excursão de Coimbra a Aveiro.

Em 30 de Agosto de 1908, Coimbra voltou a Aveiro, em excursão organizada pelos Bombeiros Voluntários; e, em sua honra e na dos seus acompanhantes, um grupo de sócios do Clube Mário Duarte organizou, na praça de touros, «uma grandiosa e extraordinária corrida», na qual tomariam parte amadores de Aveiro, Porto e Espinho, que lidariam oito garraios.

Eram cavaleiros Mário Duarte e Mário Moreira; bandarilheiros: Alberto Fernandes, Francisco da Encarnação, Alberto Souto e A.A.; forcados: A. Pinto Soares (cabo), Adolfo Meireles, Bernardo Meireles, J. Gomes de Sousa, Mendonça Barreto, A. de Oliveira Costa, António Couceiro e Antenor de Matos; campinos: Nunes da Silva, A. Rocha, Lino Marques e A. S.; carecas: Aparício Miranda e João J. Gonçalves.

Coadjuvou a corrida o valente novilheiro «EI Chicorrito» e dirigiu-a o distinto aficionado Ricardo Arroio, do Porto. Os preços eram os seguintes: sombra, 300 réis e sol, 150 réis (incluindo o imposto de selo) e as crianças até aos 10 anos, acompanhadas das famílias, tinham entrada gratuita.

E voltaram a fazer-se outras excursões entre Coimbra e Aveiro.

Em 1914, houve uma; e, salvo erro, foi nessa altura que a Rua da Costeira passou a chamar-se Rua de Coimbra. / 161 /

De Aveiro a Coimbra também se realizaram excursões, a última das quais em 1923, promovida pelo Clube dos Galitos, aquando da deslocação do seu grupo cénico para, naquela cidade, representar a revista «A Caldeirada».

Em 1911, promovida pelo Círculo Escolar de Aveiro, realizou-se uma excursão escolar infantil à cidade de Coimbra, acompanhada pela fanfarra do Asilo-Escola Distrital, e na qual eu tomei parte, pois, apesar de não tocar qualquer instrumento (era bom aluno de teoria musical, mas péssimo executante), o Mestre Lé e o Director, P.e Lourenço Salgueiro, fizeram-me – para ir ver a Coimbra – incluir no número dos músicos, com o pretexto de levar o baú das músicas e distribuir os papéis pelas partes, e até de tocar ferrinhos, numa peça que exigia a intervenção deste instrumento, se porventura tal peça fosse toca da no coreto.

Não me lembro, agora, se cheguei ou não a tocar os ferrinhos; o que me lembra, perfeitamente – e nunca se me apagou da memória – foi o episódio que vou contar, de seguida.

Na excursão tomou parte – como, aliás, muitos outros aveirenses – o capitão da Marinha Mercante João Vareiro, que se desfez em amabilidades com a miudagem, principalmente com os músicos, procurando suprir quaisquer necessidades que surgissem.

Como estava muito calor (era em Julho), levou-nos a um café, para nos oferecer uns refrescos, café que tinha bilhares, onde, na altura, estavam a jogar uns estudantes, que não pararam o jogo, dificultando assim a nossa aproximação do balcão.

O capitão Vareiro, com a sua voz potente, dirigindo-se aos estudantes, trovejou:

Cambada de burros e de malcriados! Não vêem que estão a passar crianças? Abram caminho, sejam educados!

– Vão para a África!

– Vão para a Ásia!

– Vão para a China!

– Coimbra não é terra de pretos!

A clientela do café parou, surpreendida com tais impropérios, e os estudantes arredaram-se e, muito calados, só voltaram ao jogo quando começámos a sair…

Eu podia recordar, ainda, para justificar a amizade existente entre Coimbra e Aveiro, as visitas efectuadas pelos vários grupos cénicos que daquela cidade e chefiados pelo distinto médico radiologista Dr. José Rodrigues, vinham realizar representações no Teatro Aveirense, podendo, mesmo, citar os nomes dessas peças, e, até, as datas em que os fizeram. / 162 /

Então... Coimbra era, inquestionavelmente, a terceira cidade do País, como constava das corografias, em que, já na 3.ª classe, nós estudávamos; seguiam-se-lhe Braga e Setúbal, que, algumas vezes, pretendiam disputar aquele lugar, sem conseguirem demonstrar as razões alegadas. Coimbra nada tinha contra Aveiro, que lhe não fazia sombra.

Porém, os tempos mudaram; e Coimbra deixou-se adormecer, a sonhar com a sua Universidade e com os seus estudantes (grande fonte das suas receitas) e com os seus valores intelectuais, pretendendo continuar a ser a terceira cidade do País.

No entretanto, Aveiro e o seu Distrito, mercê do trabalho e do esforço dos seus habitantes, desenvolveram-se, começando então a fazer sombra a Coimbra.

Segundo os elementos publicados em vários números do “Litoral”, na secção Conhecer Aveiro, verifica-se, pelos índices que demonstram o valor das várias regiões, que Aveiro e o seu Distrito ocupam o terceiro lugar em relação a todo o País.

No que respeita aos impostos cobrados em 1978, verifica-se que os do distrito de Aveiro são superiores aos de Coimbra, em 1.689.475.997$00 (?) para ficar atrás do Grande Porto e da Grande Lisboa.

E o Grande Porto – já que estamos em maré de anexações – às vezes lembra-se de anexar os concelhos do norte do nosso Distrito, que, sem ajudas e por si só, se fez um valor industrial e moral com características próprias.

Lembra-me aquele desabafo que Trindade Coelho põe na boca do D. Jaime. «É fartar vilanagem!»

Até parece que, pela força, nos querem pôr coleira e trela, como, certamente pela força, o fizeram à BONECA que deve, porém, ter arranhado a sua dona, antes de o consentir.

Um daqueles aveirenses que muito respeitam a memória dos seus antepassados e até tem recordações fotográficas de factos ocorridos na nossa cidade, factos que ele deixou quando foi amador de fotografia (não se trata do António Graça) – foi há dias, de passeio, à Costa Nova; e, já que ali estava, foi visitar o palheiro de José Estêvão, para, junto dele, evocar a memória do Patrono Cívico de Aveiro.

Pelo que viu, ficou desanimado e desgostoso, pois constatou que o referido palheiro está desprezado e a degradar-se a eito, com tábuas despregadas e já com falta de algumas delas.

Segundo ele, nesta altura, com relativa pouca despesa, era possível evitar que aquele palheiro – que devia merecer o carinho e as atenções, não só de todos os aveirenses, como também dos ilhavenses (e até de todas as gentes da nossa região) – caía de podre; e devia evitar-se que tal aconteça pelo respeito e agradecimento à memória daquele que o mandou construir e nele viveu, / 163 / sempre que as suas tarefas de político, de professor e de jornalista lho permitiram.

Foi José Estêvão quem conseguiu a construção da estrada que liga Aveiro à Costa Nova e, para tanto, muito teve que labutar.

Conta-se que, em Lisboa, nem mesmo os seus partidários políticos – no seio dos quais tinha muita influência – aceitavam, como necessária, a construção da referida estrada, por ser muito dispendiosa e (segundo eles) não trazer vantagens públicas que justificassem tais despesas.

José Estêvão, não só junto dos seus partidários como também, junto dos influentes políticos dos outros partidos, desenvolvia enorme actividade, procurando demonstrar a necessidade absoluta da construção da referida estrada, alegando e demonstrando que os pescadores da Costa Nova e as gentes moradoras nas Gafanhas estavam como que isoladas do resto do mundo, pois os únicos meios de transporte de que dispunham eram os seus barcos e bateiras; e que, quando havia mau tempo, a Ria obstava às ligações com Aveiro, único local onde se abasteciam.

Apesar do grande prestígio e da influência de que dispunha em todos os campos políticos, não conseguia demover as autoridades de então, por mais esforços que para isso fizesse.

Todos se desculpavam com o elevado custo da obra, que a ele – José Estêvão – sobretudo interessava, por ser possuidor de grande extensão de areais, que havia adquirido em arrematação pública, e neles ter construído um palheiro onde a sua família ia passar a estação calmosa e fazer uso dos banhos de mar.

Esgotada toda a sua argumentação, resolveu fazer uma demonstração prática do que afirmava; e, assim, convidou para uma viagem à Costa Nova diversas pessoas influentes de todos os partidos políticos, a fim de observarem as dificuldades dessa viagem.

Do cais da cidade, num barco saleiro, saiu toda aquela gente que, com a segurança que as embarcações daquele tipo permitem, foi apreciando o belo panorama que a enorme extensão de água lhe oferecia à vista.

Chegados, porém à cale, que, nesse tempo, era muito mais larga do que agora, e donde se não avistava terra, o céu começou a toldar-se, o vento a soprar e as águas da Ria a agitarem-se, notando-se, ainda, prenúncios de trovoada.

Os nossos viajantes começaram a mostrar medo de seguir a viagem, pedindo a José Estêvão para regressarem a Aveiro; porém este, fazendo ouvidos de mercador, não dava aos barqueiros ordem de regresso, dizendo mesmo aos seus hóspedes que o que eles estavam a ver não era nada e não oferecia qualquer perigo.

A trovoada aproximava-se, pois ao longe apareciam os relâmpagos; e daí a pouco, ouviram-se os primeiros trovões; e, quando um deles era mais forte, / 164 / José Estêvão esfregava as mãos de contente e dizia: – Este foi encomendado por mim!

Os hóspedes de José Estêvão rogaram-lhe, encarecidamente, que voltasse para Aveiro, pois estavam cheios de medo; porém, ele disse-lhes que só o faria se eles se declarassem verdadeiramente convencidos da necessidade da construção da estrada e tomassem o compromisso, sob palavra, de considerar importante a construção da estrada em que ele estava empenhado.

Foi desta maneira – segundo era voz corrente – que José Estêvão conseguiu que fosse construída a estrada de Aveiro à Costa.

Será possível que alguém, ou alguma entidade, acuda ao palheiro de José Estêvão, mantendo viva a memória de tão ilustre Português e insigne Aveirense?

E, a propósito de José Estêvão: – Onde teriam ido parar os objectos que um grupo de republicanos conseguiu reunir, com a intenção de organizar uma Fundação com o seu nome (isto no regime salazarista), objectos que, por ordem do Governador Civil de então, foram apreendidos sob o pretexto de que tal Fundação (que servia para esses republicanos se reunirem) não tinha os seus estatutos legalmente aprovados?

E aquele agrupamento foi dissolvido; e os seus dirigentes, conhecidos como sendo contrários à situação política, foram presos e enviados à PIDE, onde estiveram algum tempo.

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(1) - p. p. = Passado próximo

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