Li, no
jornal “O Comércio do Porto”, do dia 10 de Junho p.p.(1), nas notícias de
Coimbra, «que a vereadora em exercício, D. Judite de Abreu Moura,
deu conhecimento de uma carta recebida da Direcção dos Negócios
Políticos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, através da qual se dá
conhecimento do teor de um ofício do cônsul de Santos, pela satisfação
do Município daquela cidade brasileira no estabelecimento de relações de
cidades-irmãs, tanto mais que se trata da primeira geminação de um
município português com um brasileiro (o sublinhado é meu) facto que
facilitará um maior intercâmbio, sobretudo cultural, entre as duas
cidades».
É certo que
eu não sei em que data Coimbra estabeleceu com Santos as relações de
cidades-irmãs; porém, pela maneira como está redigida aquela notícia,
fiquei convencido de que tal facto o não seria há muito tempo. Ora, se
assim é, queria lembrar que, em 1970, isto é, há dez anos, entre Aveiro
e o Belém do Pará se estabeleceram relações de cidades-irmãs.
Estou crente de que às gentes de Coimbra não
deverá ter passado despercebida a solenidade de que foi revestido o acto
dessa geminação, e para o qual se deslocaram a Aveiro as autoridades de
Belém do Pará, e, até, o Adido Cultural da Embaixada Brasileira em
Portugal, pois que, além dos jornais locais, os diários realçaram aquele
acto.
/ 157 /
E as
autoridades de Aveiro, e representantes de outras entidades, mais tarde,
foram a Belém do Pará, confirmar a geminação; e Aveiro deu a uma das
suas ruas o nome daquela cidade brasileira, como esta deu o da nossa a
uma das suas ruas.
Estes factos
foram tratados, então, amplamente, na Imprensa e, por isso, acho
estranho que nem D. Judite, nem nenhum dos seus pares, a quem ela deu
conhecimento do conteúdo da carta acima referida, se não tenham lembrado
de que a afirmação de que se tratava de uma primeira geminação de
municípios de Portugal e do Brasil não correspondia à realidade, pois,
pelo menos, Aveiro e Belém do Pará já o estavam desde 1970.
De estranhar
é, também, o desconhecimento daquele facto por parte do município de
Santos e do Cônsul de Portugal nessa cidade, e, até, pela Direcção Geral
dos Negócios Políticos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Será que os
de Coimbra nos querem levar a honra de, primeiro do que eles, termos
sido escolhidos por uma cidade brasileira para cidade sua irmã, como nos
tem levado outras coisas, que motivaram o meu amigo e colaborador do
“Litoral”, o Engenheiro Manuel Bóia, a perguntar se se preparavam
para nos levarem o Farol?
Li, no mesmo
jornal, no número datado de 28 de Junho p.p., o seguinte, referindo-se à
equipa que deveria representar Coimbra no concurso «Prata da Casa»,
em competição com a de Aveiro: «Arrufadas foi o nome de guerra
escolhido por esta equipa que vai apresentar-se na dança regional
com os trajes das tricanas de Coimbra e leva, à tarefa, uma linda
gata nascida na África do Sul, com cinco tonalidades de pelo.
«Ignora-se o
que vai acontecer nas outras provas, mas não nos admiraríamos muito se
ambas as equipas torcessem pelo Centro Tecnológico da Cerâmica e do
Vidro que, quer Coimbra, quer Aveiro, desejam ver instalados nos
respectivos distritos.»
Nas
entrelinhas do que acima está transcrito, pareceu-me ler que as gentes
de Coimbra estavam muito esperançadas em obter alta classificação
naquelas duas provas e, até, no resultado final.
Devem ter
ficado desiludidas, pois nem o Centro Tecnológico veio à baila, nem a
classificação das provas em que depositavam as suas esperanças se
satisfizeram, apesar da maioria do júri se inclinar para Coimbra, como
aconteceu na prova de humor e na de dança; nesta, um dos vogais deu
menos um ponto a Aveiro, sem explicar por que o fez, enquanto os seus
colegas, justificando a sua maneira de proceder, deram classificação
igual à que haviam dado a Coimbra.
E, no
tarefa, se bem que a Boneca (a gata sul-africana era linda e
da raça tartaruga – uma raça esquisita) o júri simpatizou com a
Joana, apesar de ser gata vadia, pertencendo à raça das dos
telhados.
/ 158 /
É que a dona
da primeira apresentou-se de coleira e trela o que, no dizer de
Ribeiro de Melo, era impróprio de um felino, ao passo que a segunda
foi apresentada livre, à vontade, como os gatos são no seu natural. Eles
nem se importam de arranhar o dono…
E eu, ao ver
a Joana à solta, no palco do Villaret, lembrei-me do que
aconteceu ao Luís Couceiro (o autor inicial da revista «A Caldeirada»),
que se entretinha a conseguir que os seus animais domésticos fizessem
certas habilidades que ele, pacientemente, lhes ensinava. E gostava de
mostrar a os seus amigos o resultado dessa paciência.
Em vários
serões, realizados no «Galitos», apresentou o cão Bacalhau, que
acompanhava a música tocada num cornetim. E, em certa altura, fez
constar que tinha um gato que sabia fazer umas habilidades, mas só o
fazia quando lhe apetecia e só em frente dos familiares com quem estava
habituado a lidar. No entretanto, estava a prepará-lo para ele se
comportar bem perante pessoas estranhas, e estava convencido de que o
conseguiria.
E, quando
supôs que o bicho estava em condições de se exibir em público, trouxe-o
para mostrar as suas habilidades; porém, o gato, logo que o Luís
Couceiro abriu o cesto em que o tinha conduzido, olhou espantado para
a assistência e pisgou-se da sala, só parando em casa.
Era o que eu
esperava que a Joana fizesse, e a rapaziada de Aveiro ficasse mal
colocada, o que, felizmente, não aconteceu.
Mas... não
foi para falar da «Prata da Casa», mas sim das relações entre Coimbra e
Aveiro que eu comecei a escrever, pelo que continuarei.
As notícias
a que me referi na Achega anterior e as quezílias que, ultimamente, tem
havido entre Coimbra e Aveiro, trouxeram-me à memória as boas relações
que, noutro tempo, existiram entre as duas cidades e que motivaram a
razão de, em Aveiro, existir a Rua de Coimbra (nome dado à, então,
principal artéria da nossa Cidade) e, em Coimbra, haver a Rua de Aveiro.
É do meu
conhecimento que, pelo menos desde 1906, se organizaram excursões entre
as duas cidades; e é desde aquela data, aquando dessas excursões, que,
nos festivais que o Rancho das Tricanas de Coimbra realizava no
Jardim Público, se cantava a marcha Coimbra-Aveiro, com letra de
Octaviano de Sá
e música de Xico Costa, marcha que todos os excursionistas
cantavam, durante os cortejos organizados a partir da estação dos
Caminhos de Ferro, e que começa assim:
/ 159 /
Dessa
Coimbra,
Lendária
terra,
Trazemos
cantos
Que a lua
encerra.
Seguem-se
mais três quadras em que se fala de sonhos, cantos de amor e do Mondego,
terminando a marcha com este estribilho:
Por isso,
Povo de Aveiro,
Vinde ouvir
nossas cantigas,
Segredo que
as raparigas
Transformam
em ilusões...
Vinde ouvir
esses cantares
Dos Romeiros
do Amor,
Que vos
trazem com fervor
Os cantos e
saudações…
Também
Aveiro, pelo menos numa das suas excursões a Coimbra, cantou uma marcha
composta especialmente para aquele fim.
Tenho pena
de não poder reproduzir aqui a respectiva letra, da qual só me lembram
uns versos salteados: e não sei aonde ir procurá-la (se é que alguém a
tem).
Devo à
gentileza de dois amigos a possibilidade de transcrever a marcha de
Coimbra-Aveiro, bem como o conhecimento de uma série de programas, que
me permitiram fixar a data dos factos que citarei, dos quais me lembrava
terem acontecido, mas não sabia em que altura.
Verifiquei
que, em Agosto de 1906, o Rancho acima indicado deu festival no Jardim
Público, em honra do Clube dos Galitos, cantando, além da marcha já
referenciada, mais onze canções, e que, em Agosto de 1907, noutro
festival, foram cantadas sete, sendo uma delas «O BEIJO», com música do
Dr. Vasco Rocha.
Num dos
programas distribuídos pela cidade, datado de 24 de Agosto de 1906,
dava-se conhecimento da chegada do comboio especial à estação, às 7:30
horas, e convidava-se o povo a manifestar aos excursionistas a «sua
generosidade hospitaleira, secundando os esforços da direcção do Clube
dos Galitos».
Lembrava-se,
nesse programa, que, às 19.30 horas, com entradas pagas a 100 réis, se
realizaria no Jardim Público um festival que terminaria às 23.30 horas,
com a organização de uma «marche aux flambeaux» em direcção à
estação dos caminhos de ferro, e que, «devendo este número final ser
o de maior entusiasmo, se fornecem, naquele recinto, por preço módico,
os balões necessários para tal fim».
/ 160 /
Noutro
prospecto da mesma data, dá-se conhecimento de que a excursão é
promovida pelo grupo «Comba-Club» e que, na estação, será esperada por
todas as associações locais, acompanhadas de uma banda de música,
indicando-se o percurso até à sede do Clube dos Galitos, onde seriam
dadas as «boas vindas». Informava-se de que, «desde a ponte dos Arcos
até à ponte da Dobadoira, estará uma extensa fila de barcos de todos os
tamanhos e feitios, devidamente embandeirados, para receber a bordo os
excursionistas e os conduzirem ao soberbo areal da Gafanha, acompanhados
de uma banda de música».
Outrossim,
se indicavam as visitas que os excursionistas podiam fazer, após o
regresso do areal da Gafanha: «todas as associações; o Mosteiro de
Jesus; as fábricas de faiança da Fonte Nova e dos Santos Mártires;
cerâmica das Agras e moagem de Christo, Rocha, Miranda & C.ª; Escola
Industrial Fernando Caldeira; Liceu; Jardim Público; o majestoso farol
da Barra e a próxima praia da Costa Nova do Prado; a fábrica de
porcelana da Vista Alegre e o pitoresco túnel de Angeja, etc., etc.».
Em 11 de
Agosto de 1907, houve nova excursão de Coimbra a Aveiro.
Em 30 de
Agosto de 1908, Coimbra voltou a Aveiro, em excursão organizada pelos
Bombeiros Voluntários; e, em sua honra e na dos seus acompanhantes, um
grupo de sócios do Clube Mário Duarte organizou, na praça de touros, «uma
grandiosa e extraordinária corrida», na qual tomariam parte amadores
de Aveiro, Porto e Espinho, que lidariam oito garraios.
Eram
cavaleiros Mário Duarte e
Mário Moreira; bandarilheiros:
Alberto
Fernandes, Francisco da Encarnação, Alberto Souto e A.A.;
forcados: A. Pinto Soares (cabo), Adolfo Meireles,
Bernardo Meireles, J. Gomes de Sousa, Mendonça Barreto,
A. de Oliveira Costa, António Couceiro e Antenor de
Matos; campinos: Nunes da Silva, A. Rocha, Lino
Marques e A. S.; carecas: Aparício Miranda e João J.
Gonçalves.
Coadjuvou a
corrida o valente novilheiro «EI Chicorrito» e dirigiu-a o
distinto aficionado Ricardo Arroio, do Porto. Os preços eram os
seguintes: sombra, 300 réis e sol, 150 réis (incluindo o imposto de
selo) e as crianças até aos 10 anos, acompanhadas das famílias, tinham
entrada gratuita.
E voltaram a
fazer-se outras excursões entre Coimbra e Aveiro.
Em 1914,
houve uma; e, salvo erro, foi nessa altura que a Rua da Costeira passou
a chamar-se Rua de Coimbra.
/ 161 /
De Aveiro a
Coimbra também se realizaram excursões, a última das quais em 1923,
promovida pelo Clube dos Galitos, aquando da deslocação do seu grupo
cénico para, naquela cidade, representar a revista «A Caldeirada».
Em 1911,
promovida pelo Círculo Escolar de Aveiro, realizou-se uma excursão
escolar infantil à cidade de Coimbra, acompanhada pela fanfarra do
Asilo-Escola Distrital, e na qual eu tomei parte, pois, apesar de não
tocar qualquer instrumento (era bom aluno de teoria musical, mas péssimo
executante), o Mestre Lé e o Director, P.e Lourenço Salgueiro,
fizeram-me – para ir ver a Coimbra – incluir no número dos músicos, com
o pretexto de levar o baú das músicas e distribuir os papéis pelas
partes, e até de tocar ferrinhos, numa peça que exigia a intervenção
deste instrumento, se porventura tal peça fosse toca da no coreto.
Não me
lembro, agora, se cheguei ou não a tocar os ferrinhos; o que me lembra,
perfeitamente – e nunca se me apagou da memória – foi o episódio que vou
contar, de seguida.
Na excursão
tomou parte – como, aliás, muitos outros aveirenses – o capitão da
Marinha Mercante João Vareiro, que se desfez em amabilidades com
a miudagem, principalmente com os músicos, procurando suprir quaisquer
necessidades que surgissem.
Como estava
muito calor (era em Julho), levou-nos a um café, para nos oferecer uns
refrescos, café que tinha bilhares, onde, na altura, estavam a jogar uns
estudantes, que não pararam o jogo, dificultando assim a nossa
aproximação do balcão.
O capitão
Vareiro, com a sua voz potente, dirigindo-se aos estudantes, trovejou:
– Cambada de
burros e de malcriados! Não vêem que estão a passar crianças? Abram
caminho, sejam educados!
– Vão para a
África!
– Vão para a
Ásia!
– Vão para a
China!
– Coimbra
não é terra de pretos!
A clientela
do café parou, surpreendida com tais impropérios, e os estudantes
arredaram-se e, muito calados, só voltaram ao jogo quando começámos a
sair…
Eu podia
recordar, ainda, para justificar a amizade existente entre Coimbra e
Aveiro, as visitas efectuadas pelos vários grupos cénicos que daquela
cidade e chefiados pelo distinto médico radiologista
Dr.
José Rodrigues, vinham
realizar representações no Teatro Aveirense, podendo, mesmo, citar os
nomes dessas peças, e, até, as datas em que os fizeram.
/ 162 /
Então...
Coimbra era, inquestionavelmente, a terceira cidade do País, como
constava das corografias, em que, já na 3.ª classe, nós estudávamos;
seguiam-se-lhe Braga e Setúbal, que, algumas vezes, pretendiam disputar
aquele lugar, sem conseguirem demonstrar as razões alegadas. Coimbra
nada tinha contra Aveiro, que lhe não fazia sombra.
Porém, os
tempos mudaram; e Coimbra deixou-se adormecer, a sonhar com a sua
Universidade e com os seus estudantes (grande fonte das suas receitas) e
com os seus valores intelectuais, pretendendo continuar a ser a terceira
cidade do País.
No
entretanto, Aveiro e o seu Distrito, mercê do trabalho e do esforço dos
seus habitantes, desenvolveram-se, começando então a fazer sombra a
Coimbra.
Segundo os
elementos publicados em vários números do “Litoral”, na secção
Conhecer Aveiro, verifica-se, pelos índices que demonstram o valor
das várias regiões, que Aveiro e o seu Distrito ocupam o terceiro lugar
em relação a todo o País.
No que
respeita aos impostos cobrados em 1978, verifica-se que os do distrito
de Aveiro são superiores aos de Coimbra, em 1.689.475.997$00 (?) para
ficar atrás do Grande Porto e da Grande Lisboa.
E o Grande
Porto – já que estamos em maré de anexações – às vezes lembra-se de
anexar os concelhos do norte do nosso Distrito, que, sem ajudas e por si
só, se fez um valor industrial e moral com características próprias.
Lembra-me
aquele desabafo que Trindade Coelho põe na boca do D. Jaime. «É
fartar vilanagem!»
Até parece
que, pela força, nos querem pôr coleira e trela, como, certamente pela
força, o fizeram à BONECA que deve, porém, ter arranhado a sua dona,
antes de o consentir.
Um daqueles
aveirenses que muito respeitam a memória dos seus antepassados e até tem
recordações fotográficas de factos ocorridos na nossa cidade, factos que
ele deixou quando foi amador de fotografia (não se trata do António
Graça) – foi há dias, de passeio, à Costa Nova; e, já que ali estava,
foi visitar o palheiro de José Estêvão, para, junto dele, evocar
a memória do Patrono Cívico de Aveiro.
Pelo que
viu, ficou desanimado e desgostoso, pois constatou que o referido
palheiro está desprezado e a degradar-se a eito, com tábuas despregadas
e já com falta de algumas delas.
Segundo ele,
nesta altura, com relativa pouca despesa, era possível evitar que aquele
palheiro – que devia merecer o carinho e as atenções, não só de todos os
aveirenses, como também dos ilhavenses (e até de todas as gentes da
nossa região) – caía de podre; e devia evitar-se que tal aconteça pelo
respeito e agradecimento à memória daquele que o mandou construir e nele
viveu,
/ 163 /
sempre que as suas tarefas de político, de professor e de jornalista lho
permitiram.
Foi José
Estêvão quem conseguiu a construção da estrada que liga Aveiro à Costa Nova
e, para tanto, muito teve que labutar.
Conta-se
que, em Lisboa, nem mesmo os seus partidários políticos – no seio dos
quais tinha muita influência – aceitavam, como necessária, a construção
da referida estrada, por ser muito dispendiosa e (segundo eles) não
trazer vantagens públicas que justificassem tais despesas.
José
Estêvão, não só junto dos seus partidários como também, junto dos
influentes políticos dos outros partidos, desenvolvia enorme actividade,
procurando demonstrar a necessidade absoluta da construção da referida
estrada, alegando e demonstrando que os pescadores da Costa Nova e as
gentes moradoras nas Gafanhas estavam como que isoladas do resto do
mundo, pois os únicos meios de transporte de que dispunham eram os seus
barcos e bateiras; e que, quando havia mau tempo, a Ria obstava às
ligações com Aveiro, único local onde se abasteciam.
Apesar do
grande prestígio e da influência de que dispunha em todos os campos
políticos, não conseguia demover as autoridades de então, por mais
esforços que para isso fizesse.
Todos se
desculpavam com o elevado custo da obra, que a ele – José Estêvão –
sobretudo interessava, por ser possuidor de grande extensão de areais,
que havia adquirido em arrematação pública, e neles ter construído um
palheiro onde a sua família ia passar a estação calmosa e fazer uso dos
banhos de mar.
Esgotada
toda a sua argumentação, resolveu fazer uma demonstração prática do que
afirmava; e, assim, convidou para uma viagem à Costa Nova diversas
pessoas influentes de todos os partidos políticos, a fim de observarem
as dificuldades dessa viagem.
Do cais da
cidade, num barco saleiro, saiu toda aquela gente que, com a segurança
que as embarcações daquele tipo permitem, foi apreciando o belo panorama
que a enorme extensão de água lhe oferecia à vista.
Chegados,
porém à cale, que, nesse tempo, era muito mais larga do que agora, e
donde se não avistava terra, o céu começou a toldar-se, o vento a soprar
e as águas da Ria a agitarem-se, notando-se, ainda, prenúncios de
trovoada.
Os nossos
viajantes começaram a mostrar medo de seguir a viagem, pedindo a José
Estêvão para regressarem a Aveiro; porém este, fazendo ouvidos de
mercador, não dava aos barqueiros ordem de regresso, dizendo mesmo aos
seus hóspedes que o que eles estavam a ver não era nada e não oferecia
qualquer perigo.
A trovoada aproximava-se, pois ao longe
apareciam os relâmpagos; e daí a pouco, ouviram-se os primeiros trovões;
e, quando um deles era mais forte,
/ 164 /
José Estêvão esfregava as mãos de contente e dizia: – Este foi
encomendado por mim!
Os hóspedes
de José Estêvão rogaram-lhe, encarecidamente, que voltasse para Aveiro,
pois estavam cheios de medo; porém, ele disse-lhes que só o faria se
eles se declarassem verdadeiramente convencidos da necessidade da
construção da estrada e tomassem o compromisso, sob palavra, de
considerar importante a construção da estrada em que ele estava
empenhado.
Foi desta
maneira – segundo era voz corrente – que José Estêvão conseguiu que
fosse construída a estrada de Aveiro à Costa.
Será
possível que alguém, ou alguma entidade, acuda ao palheiro de José Estêvão,
mantendo viva a memória de tão ilustre Português e insigne Aveirense?
E, a
propósito de José Estêvão: – Onde teriam ido parar os objectos que um
grupo de republicanos conseguiu reunir, com a intenção de organizar uma
Fundação com o seu nome (isto no regime salazarista), objectos que, por
ordem do Governador Civil de então, foram apreendidos sob o pretexto de
que tal Fundação (que servia para esses republicanos se reunirem) não
tinha os seus estatutos legalmente aprovados?
E
aquele agrupamento foi dissolvido; e os seus dirigentes, conhecidos como
sendo contrários à situação política, foram presos e enviados à PIDE,
onde estiveram algum tempo.
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