Pessoa amiga e leitora assídua do LITORAL
chamou-me a atenção para os erros que, involuntariamente, cometi no meu
artigo anterior, pelo que me apresso a rectificá-los.
Na verdade, aquele cavalheiro, com uns
anitos (poucos) mais do que eu – mas, ainda, com boa memória –, soube,
na oportunidade, do episódio que contei, porque convivia com a sociedade
no seio da qual o mesmo se deu. |
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Vista aérea da Barra
em 1934. Clique na imagem. |
Diz-me ele que não foi um qualquer soldado
da Guarda-Fiscal que, atenciosamente, esteve a escutar o
Dr. Elmano da Cunha e Costa, mas
sim o José Maria, banheiro da Barra, que, possivelmente, teria ido
àquela hora, à «meia laranja», para observar o estado do mar e
determinar a que horas seria o banho, no dia seguinte.
Então, os banhos do mar eram aconselhados
pelos médicos; e tinham preceito para serem tomados, quer quanto à hora,
quer quanto ao número de mergulhos que cada um devia tomar, sendo os das
marés do Equinócio os que melhor faziam à saúde, segundo era voz
corrente.
Lembro-me, perfeitamente, apesar de miúdo,
de que muitos dias, em Setembro, pelas seis horas da manhã – porque
assim o exigia a maré – já «ti Zé Maria» andava a bater às portas dos
seus clientes, avisando-os de que eram horas do banho.
E, ainda ensonados, mas já vestidos com a
roupa própria para aquele fim, e toalha debaixo do braço, lá marchavam
os pequenos – e os grandes também – para a borda do mar, onde os
esperava o «ti Zé Maria», pronto a iniciar o «sacrifício».
Aos mais novos, o banheiro pegava-lhes ao
colo e, depois dos respectivos mergulhos, acompanhados de gritaria – a
água, algumas vezes estava muito fria –, entregava-os aos familiares que
os acompanhavam; aos maiorzitos e às senhoras pegava-lhes nas mãos para
mergulharem com confiança; e aos maiores, que ele mantinha sob
vigilância, em local que, junto dele, tinha delimitado, ia gritando, de
vez em quando: – «Essa é boa! Mergulhem todos, «gregórios»! E, a esta
ordem, toda a gente se abaixava para que a onda lhe passasse por cima.
E, quando o entendia, dava o banho por
terminado; e o grupo desandava para fora da borda do mar, recolhendo a
casa.
O «ti Zé Maria» era «pau para toda a
colher»: era ele e a sua família que se encarregavam, fora da época
balnear, de abrir e fechar as janelas das casas; de procederem à limpeza
na altura própria; e era ele quem tratava do arrendamento
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e até se encarregava da venda das mesmas, se os proprietários estavam,
nisso, interessados.
Ouvi contar que, um dia, um inglês, que
vivia no Porto, veio de passeio a Aveiro e estendeu esse passeio até à
Barra (fora da época balnear) no carro do Luís da Clarinda, e, a
conselho deste, que com ele tinha andado na cidade.
O inglês gostou da pacatez e sossego da
Barra e perguntou ao Luís se era possível comprar ali uma casa, pois
gostaria de lá passar uma temporada para descansar. O Luís procurou o Zé
Maria, endossou-lhe o inglês e retirou-se para Aveiro.
O inglês e o Zé Maria iniciaram as visitas
às casas que, possivelmente, poderiam ser adquiridas, e aquele ia
dizendo: «Mim gostar muito deste praia; ser muito sossegado; querer
comprar um casa»…
Fez-se noite. O Zé Maria arranjou onde o
inglês ficasse, combinando onde e a que horas se deviam encontrar no dia
seguinte.
De noite, caiu, na Barra, uma grande
nevoeirada; e a «ronca» teve que tocar…(1)
O Zé Maria, à hora combinada, foi procurar o
inglês e não o encontrou em parte nenhuma.
A ronca tinha-o incomodado tanto que ele
fugiu, não se sabe como, mas, presumivelmente, a pé, pois, de noite, não
havia outro meio de transporte.
Vamos, porém, à rectificação prometida, e
foi ela que me obrigou a escrever este artigo.
O Dr. Cunha e Costa – segundo o meu
informador –, quando acabou de executar a peça, perguntou ao Zé Maria:
– Gostou? Que me diz?
O Zé Maria respondeu: – Olhe, senhor doutor,
essa música, se fosse tocada por pessoa que soubesse, devia ser coisa
muito linda…
Entre a resposta atribuída ao guarda-fiscal
e esta, venha o Diabo e escolha…
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(1) – A
ronca era um sistema de aviso para os barcos em dias de nevoeiro
cerrado, que impedia que a luz do farol fosse vista a grande distância. O som rouco e
potente ouvia-se a quilómetros, incomodando os habitantes
da Barra e impedindo-os de dormir em silêncio. [HJCO] |