Achegas para a Historiografia Aveirense - 1988

Coisas da Barra

Quando escrevi as ACHEGAS com os números 30 e 31 pensei, a sério, que seria ocasião para parar, se não definitivamente, pelo menos por algum tempo, pois podia estar a acontecer – como aconteceu com o Dr. Elmano que – já estivessem sem interesse aqueles meus escritos; e, assim, deixei em suspenso aquela pergunta que a mim mesmo fiz: interessará continuar? / 78 /

Pessoas amigas e, até simples conhecidas, ao encontrarem-se comigo, na rua ou no café, incitaram-me a continuar, dizendo-me: não páre... prossiga que a coisa continua a ter interesse.

Esta manhã recebi uma carta do nosso patrício, o Dr. Mário Duarte (Filho), ilustre diplomata, Embaixador (hoje aposentado, que a idade não poupa ninguém...) e distinto colaborador do LITORAL, acompanhada de duas fotografias tiradas na Barra em 1913, que tenho muita pena de não poder reproduzir aqui, porque, com os seus 65 anos, estão muito esbatidas.

E seria muito interessante a sua reprodução pois que, numa delas, vê-se a ilustre Senhora Baronesa da Recosta, com os seus filhos: Mário, Carlos Júlio (falecido no vigor da idade) e Francisco. E na companhia, também, das sobrinhas Rosa Branca, Cristina e Helena, filhas do Barão de Cadoro, que tinha a sua residência na quinta, com um lindo jardim, em frente ao Hospital, exactamente no terreno que então, como hoje, fazia o redondo da actual Avenida do Dr. Artur Ravara para a Rua do Cabouco, na altura muito estreita e com muitos pedregulhos.

A residência, pintada de amarelo, foi devorada por um incêndio que a destruiu por completo.

Nessa mesma fotografia, em que a «miudagem» acima citada está vestida e preparada para o banho, também se vê – e reconhece-se perfeitamente – o Zé Maria, pronto para exercer as suas funções.

E o Dr. Mário Duarte (Filho), que para as pessoas da minha idade e, até, para outras um pouco mais novas, foi e será o «Mariozinho», teve a gentileza de me mandar as fotografias a que acima me refiro, pelo facto de eu ter evocado o nome do banheiro Zé Maria; e diz: Recordar é viver!

Na outra, também tirada em 1913, vê-se o «Mariozinho» e o seu irmão Carlos Júlio (de quem fui amigo), no largo do Farol, a jogar à bola que, com um «chuto», foi bater na parede.

E, na sua carta, incita-me a continuar, pois, textualmente, diz o seguinte: «…a leitura dessas evocações, que me transportam com saudade a essa região de Aveiro, onde tive o privilégio de nascer numa noite de Natal!»

Eu podia relembrar ao «Mariozinho» aqueles desafios de «foot-ball» jogados no largo do Farol entre os veraneantes da Barra e os alunos do Asilo-Escola, para quem aqueles compravam sapatilhas para jogarem, visto que, na praia, todos andavam descalços; e, então, relembrar-lhe-ia o Joaquim Gavião, que tinha o dedo grande do pé direito defeituoso (até parecia uma marreta) e que, quando as coisas, no jogo, começavam a correr mal para o seu grupo, descalçava-se e dava canelada bravia nos meninos de fora (era assim que nós tratávamos os veraneantes), deixando-lhes as pernas a arder.

Quando tal acontecia, o jogo parava, e obrigavam o Gavião a calçar-se, pois ele, assim, era menos violento e perigoso. / 79 /

Tem razão, «Mariozinho»: Recordar é viver, e eu continuarei, enquanto puder, a escrever coisas…

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