Sempre que saio de casa – e procuro fazê-lo
quando o tempo o permite – a mim mesmo imponho a obrigação de passar
pelo Jardim, não só para evitar, tanto quanto possível, que as pernas
enferrujem, prematuramente, como, também, para me encontrar com pessoas
que são amigas de há muito tempo e com outras que, outrora, simples
conhecidas, agora, devido à convivência quase diária que temos, se
tornaram amigas de verdade.
Sempre que estou disponível daquilo a que
chamo «os meus deveres sociais», tenho uma enorme satisfação em passar
um bom pedaço de tempo na companhia desses parceiros que, no Jardim ou
no Parque (conforme a época do ano e os ventos e os mosquitos o
consentem) se reúnem para «matarem o tempo» conversando ou apanhando sol
nas pernas – que a cabeça tem de ficar à sombra, para evitar as
constipações que, nas nossas idades, são perigosas.
E também lhes servem de distracção a
passagem dos autocarros, não só os das carreiras citadinas, como,
também, os que se dirigem às localidades situadas ao sul da cidade, pois
todos param no Jardim. Há deles que sabem dos seus horários, à força de
os verem passar todos os dias…
É tudo gente da terceira idade – como,
agora, sói
[costuma]
dizer-se –, daqueles que, enquanto o puderam fazer, desempenharam as
suas obrigações e que, agora, não tendo que fazer, e vivendo da reforma,
têm necessidade de passar o seu tempo, sem estorvar os familiares.
E como eu recordo, de vez em quando, e com
saudade, aqueles que, durante os três ou quatro últimos anos, a pouco e
pouco, foram desaparecendo do nosso convívio! E já são muitos os que
morreram atacados por esta ou aquela doença, ou até, simplesmente, por
desgaste físico.
Paz às suas almas!
E, quando a seguir à morte de um dos
parceiros, algum outro não aparece – por qualquer motivo – uns dias, no
Jardim, eu costumo dizer-lhes: – De nada vos vale ficar em casa, ou
mudarem de local, para se esconderem, pois que, quando chegar a nossa
vez, a Morte sabe onde nos há-de procurar; e nós temos que deixar este
mundo que, aliás, não é o nosso, pois, aqui, somos simples passageiros.
Com um dos parceiros que ronda já pelos
noventa anos, aveirense de gema que por cá – como eu – sempre viveu, e
que, felizmente, conserva boa
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memória e é agradável conversador, troquei, há pouco tempo ainda,
sentados num dos bancos do Jardim, conversa acerca das transformações a
que este foi sujeito nos anos da nossa existência.
Nos nossos tempos de rapazes era conhecido
por Alameda de Santo António (pois fez parte do convento com aquele
nome) e por Passeio Público e era local tão importante que até havia uma
rua chamada do Passeio que, da Rua Direita, nos encaminhava até lá.
Então – antes da segunda transformação a que
me referirei adiante – era rodeado por um gradeamento, com dois portões
de entrada que, à noite, eram fechados, sendo um do lado em que está o
quiosque do «Nói», e, o outro, do lado da igreja de Santo António; um
desses portões, pelo menos, ainda existe e está aplicado na entrada do
lado Sul do campo de futebol, na Rua das Pombinhas. A vedação para a
quinta do «ti Germano» (actual Parque do Infante D. Pedro) era feita
pela muralha que ainda existe, sem as escadas monumentais que dão acesso
ao Parque, mas que tinha, em todo o seu comprimento, uns bancos para as
pessoas estarem sentadas «vis-a-vis».
Não existiam, como é fácil de deduzir, nem a
torre, que foi feita para a elevação da água do lago para a rega do
Jardim, nem os edifícios dos sanitários e da residência do jardineiro,
nem a linda pérgola, que são obras mais modernas.
Deste lado era a alameda, com árvores de
grande porte (que os tempos foram derrubando ao longo dos anos) e
arbustos, que vinham até onde, hoje, se situa a rua principal; era aqui
que, também, estava o lago.
Daí até ao gradeamento, era o jardim que o
chefe dos jardineiros, o «ti António da Pera», cultivava com esmero e
carinho, caprichando por ter sempre os canteiros bem compostos e
floridos.
Das árvores, que então ali se erguiam,
suponho que só existem: o cedro que faz sombra ao quiosque do «Nói», e
que – resistindo a tantos temporais e alguns bastante bravos – tem
aguentado; e, também, a araucária que, no outro extremo do jardim, ali
continua altiva e viçosa, mas sem a ponta, que um temporal lhe partiu e
levou. |