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Francisco Manuel Homem Cristo
(18601943) foi uma personalidade rica e, em simultâneo, complexa. O
estudo da sua obra e vasta actividade levar-nos-ia a redigir imenso
número de páginas e, até, a plagiar autores que deste ilustre Aveirense
se ocuparam. Preferimos, assim, uma breve apresentação do jornalista,
panfletário notável e político que foi Homem Cristo, à qual se seguirá
um esboço biográfico realizado por um autor que bem estudou o fundador
do semanário "O Povo de Aveiro". |
Muito novo se entregou ao jornalismo e
com trinta e um anos era tenente do exército Português. Nessa altura
rebentou o movimento do 31 de Janeiro de 1891, altura em que pertencia
ao Directório do Partido Republicano. Opôs-se a este movimento
revolucionário, pois via nas questões Inglesa e Financeira condições suficientes para o
fracasso dos revolucionários. Como militar revelou-se brioso, digno,
dedicando-se à instrução e preparação dos soldados para acesso aos
diversos postos.
Em 1894 é promovido a capitão e, mais
tarde, vê-se eleito, sem "o desejar, sem o esperar, sem ser
consultado"(1), deputado pelo círculo eleitoral de Timor, tomando-se bem
conhecido no meio Parlamentar pelo seu discurso vigoroso, claro,
incisivo e crítico.
Os inúmeros artigos que publicou
revelam, e é bem a opinião de todos quantos o estudaram, a actividade em
que mais se distinguiu: o jornalismo. Distinguiu-se pela variedade e
diversidade dos conhecimentos e por uma clareza
inegável de estilo. Como jornalista, caracterizou-se pela franqueza e
capacidade crítica, que lhe permitiram auferir um lugar de destaque na
imprensa portuguesa.
A dada altura a política assume rumos
que o desencantam, levando Homem Cristo a regressar a Aveiro, onde
pugnou pelo desenvolvimento comercial/industrial da cidade, tendo
nisso conseguido óptimos resultados.
Mas, para quê continuar — perguntamos — quando Eduardo Cerqueira tão bem retratou este Aveirense de "olhar
agudo e perscrutador"
(2) numa publicação dada à estampa em 1969 e que,
respeitosamente, passamos a apresentar:
«...Homem Cristo (Francisco Manuel).
Notável jornalista e panfletário, político, oficial do Exército,
professor universitário, nasceu em Aveiro em 8 de Março de 1860, e faleceu na sua
terra natal a 25 de Fevereiro de 1943. Iniciou a sua famosa carreira na
imprensa, aos 17 anos, em "O Trinta" e, ainda jovem alferes, fundou o
semanário "Povo de Aveiro", de que foi, praticamente,
durante mais de meio século, o único redactor. O jornal de que foi
director, em vez de seguir a feição de um órgão de propaganda regional,
tomou o carácter de um contundente panfleto, e como tal atingiu
extraordinária difusão e popularidade.
Desassombrado nas suas opiniões, Homem Cristo fazia da sua pena um látego com
que intransigentemente zurzia quem quer que fosse e sem temer as
animosidades e as consequências. Criou, assim, a par de fervorosos
admiradores e de fiéis amizades, muitas inimizades e profundos ressentimentos, que contra ele se
voltaram tenazmente.
Fez parte do Directório do Partido Republicano, ainda na vigência da
Monarquia, conjuntamente com Teófilo Braga, Manuel de Arriaga, Jacinto
Nunes, Azevedo e Silva e outros marcantes vultos da propaganda
republicana.
Estabeleceu doutrina, não só no seu
jornal, mas noutros órgãos da Imprensa, como os "Debates", e em "O Século", fundado e então
dirigido por Sebastião de Magalhães Lima.
Quando se engendrou a revolta do Porto,
de 31 de Janeiro de 1891, Homem Cristo manifestou-se contrário ao
movimento, alegando que, sem a preparação necessária, esta estaria
condenada ao malogro e a derramar sangue inutilmente. Preso e julgado, como se provasse a sua
inocência, veio a ser absolvido. Sempre arrebatado e rude, ora atacava
os monárquicos ora combatia os republicanos, com o ímpeto indomável de
um franco-atirador.
Apóstolo convicto e entusiasta da
democracia e da instrução popular, realizou obra muito valiosa contra o
analfabetismo, especialmente, em quartéis, enquanto oficial.
Quando da implantação da República,
viu-se forçado ao homísio, havendo suspendido a publicação do seu
semanário, editou, em Paris, o Povo de Aveiro no Exílio.
Ficaram memoráveis muitas das suas
polémicas. Aos seus ataques respondeu Guerra Junqueiro com o seu
desforço A Execução de uma Quadrilha. Ao desafio de Afonso Costa, o
temível panfletário aveirense, respondeu, negando-se a duelos, mas
afirmando-se pronto a desafrontar-se onde quer que o encontrasse. Como
resultado dessa pendência veio a deixar o Exército em 1909.
Deflagrada a Primeira Grande Guerra,
intervencionista convicto e acérrimo, regressou ao País, e voltou a
publicar em Aveiro o seu jornal, então, sob o título de "O de Aveiro".
Foi nomeado, em homenagem aos seus
méritos e cultura, pouco após o termo da conflagração, professor
catedrático da recém-criada Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, lugar que desempenhou, com alguns anos de interrupção da
docência, por motivo de incompatibilização com outros professores, até
atingir o limite de idade.
Em Aveiro, além de outras actividades e
serviços de menor repercussão, foi presidente da Associação Comercial e
Industrial e da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, onde teve acção
notabilíssima a favor do ressurgimento portuário e económico da região.
Publicou: Os acontecimentos de 31 de Janeiro e a minha prisão;
Pró-Pátria; Banditismo político; Cartas de
longe: I - "A instrução secundária em Portugal e em França",
II - "Em
defesa da instrução do povo"; Monárquicos e Republicanos; O bolchevismo
na Rússia; e Notas da minha vida e do meu tempo, 7 vols.. Foi colaborador
da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e de numerosas outras
publicações, como o Guia de Portugal, de Raul Proença, o "Diário de
Notícias", a Ideia Nacional, dirigida por seu filho primogénito, etc...»
A figura de Homem Cristo é conhecida dos
actuais habitantes de Aveiro. Os mais jovens estão familiarizados com o
nome do ilustre Aveirense, quanto muito, pelo facto de ele ser patrono
de uma Escola Secundária da cidade. Esta homenagem a Homem Cristo é bem
a contrapartida do valor que a educação/instrução sempre desempenharam
para ele e pelas quais sempre se esforçou, quer no seio do exército,
quer na Universidade do Porto (onde leccionou) e também uma expressa
saudade que Aveiro tem do grande Homem que foi Francisco Homem Cristo.
Vítor Fernando Pedrosa
de Carvalho Paiva
Professor de História
Secundária Jaime de Magalhães Lima
Aveiro
______________________
NOTAS:
(1) - Como ele mesmo afirmou em O de
Aveiro, n° 202, 20/03/1921.
(2) - Carolina Homem Christo, citada por
Eduardo Cerqueira, em Aveiro e o seu Distrito. n° 8, 1969,
pp. 35-49.
BIBLIOGRAFIA
-
Aveiro e o seu Distrito, n° 8, 1969, pp.
35-49.
-
Aveiro e o seu Distrito, n° 21,1976, pp.
57-58
-
Encyclopedia Portugueza Illustrada
-
Diccionário Universal,
publicado sob direcção de Maximiano Lemos, s/data, Lemos & Cª, Successor,
Porto.
-
Enciclopédia Universal Ilustrada Europeo-Americana, 1925, Espasa-Calpe S.A., Editores,
Madrid, Barcelona.
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