Como um dos mais
notáveis aveirenses, merecia Frei Pantaleão que se lhe dedicasse um
capítulo especial e este deveria ser longo, se, infelizmente, não
houvesse uma grande escassez de notícias a respeito de tal indivíduo,
cujo nome foi perpetuado pelo seu Itinerário da Terra Santa.
Não se sabe a data do
seu nascimento nem os nomes dos seus progenitores.
Sabe-se, apenas, que
professara num dos conventos da Província Franciscana dos Algarves, mas
não será fácil saber-se em que ano.
Foi um frade virtuoso
e humilde e sofreu resignadamente todas as contrariedades e desgostos,
para levar ao fim a empresa que dera origem à obra que o fez notável.
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Desde que professara,
mostrou sempre grandes desejos de visitar os Lugares Santos da Palestina
e procurava ocasião para isso. Em 1563, teve ensejo para facilmente
realizar esses desejos.
Achava-se então em
Roma, a serviço da Ordem, para auxiliar o procurador da Santa Sé.
Apareceu-lhe o Padre Bonifácio de Araguza, guardião do Monte Sião, e
disse-lhe precisar de substituir os frades que, na Terra Santa, haviam
concluído o seu triénio, e logo convidou Frei Pantaleão para o
acompanhar aos mesmos Lugares. O humilde aveirense gostosamente acedeu
ao convite e com o guardião foi despedir-se do papa. Este, que era então
Pio IV, deu-lhes a bênção e, após certas recomendações, nomeou Frei
Pantaleão confessor apostólico.
Os dois peregrinos
saíram logo de Roma e dirigiram-se a Veneza, onde já os esperavam
sessenta frades franciscanos, prevenidos para isso e avisados para a
mesma jornada. Aí se recolheram à nau, que à Terra Santa devia
conduzi-los.
Dirigiram-se à cidade
de Trento, onde se celebrava o concílio, que da mesma cidade tomara o
nome; aí se detiveram alguns meses, para tratarem de negócios, que
diriam respeito aos fins da sua peregrinação. Tornaram a Veneza, donde,
por assim ser preciso, se embarcou Frei Pantaleão para Chipre, onde,
pouco depois, se lhe juntou Frei Bonifácio de Araguza.
Depois de haver mais
de três anos nos Santos Lugares, voltou Frei Pantaleão a Portugal,
tratando aqui de escrever a obra, que tanto imortalizou o seu nome.
Para mostrar que o
seu espírito só mirava a pátria celeste, nem manifesta as saudades, que
tinha do seu país. Contando que, na véspera de S. João, se achava nuns
desertos do Egipto, apenas acrescenta que, à noite, ele e seus
companheiros fizeram umas fogueiras e, de madrugada, continuaram a sua
jornada. E assim festejaram o Santo, que em Portugal, e especialmente na
terra de sua naturalidade, era tão ruidosamente festejado por todas as
classes, especialmente naquela época.
Nas suas viagens,
quando não houvesse de ir embarcado, caminhava quase sempre a pé,
encostado ao seu bordão e tendo, apenas, por companheiro o breviário, a
cruz e as suas contas, que nunca largava, porque, segundo ele mesmo
dizia, "as contas, em todo o tempo e lugar, parecem melhor na mão ao
cristão, do que as luvas". Cumpria assim as determinações do Instituto
Franciscano e as suas humildes aspirações.
E nos seus escritos
mostrou, sempre, humildade, como havia mostrado resignação nas
contrariedades e nos trabalhos.
Tendo passado alguns
anos, depois de haver chegado à pátria, escreveu o ltinerario da
Terra Santa e suas Particularidades. Dirigido ao illustrissimo e
reverendissimo senhor D. Miguel de Castro, dignissimo arcebispo de
Lisboa Metropolitana. Esta obra foi impressa no ano de 1593, em casa
de Simão Lopes. Além do frontispício, prólogo e índex, consta de 264
folhas, todas numeradas pela frente.
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Tem muito merecimento
pela boa redacção e estilo e, principalmente, pela maneira clara e
interessante como o autor descreve as peripécias da sua jornada e os
costumes, aspectos e história das localidades por onde teve de passar,
ou aonde o levaram a curiosidade e os desejos de instruir-se. Não
cansarei a paciência dos leitores, indicando as diversas opiniões
acerca desse livro, nem as contradições, em que chegavam a cair alguns
escritores, aliás graves e eruditos, a respeito das primeiras edições da
mesma obra.
O seu autor é tão
modesto que, apesar do mérito literário e de boa linguagem em que
escrevera, declara no prólogo que tem mais em vista o amor à verdade, do
que a boa correcção e apurado estilo.
Em 1596, foi esta
obra novamente publicada e impressa por António Álvares. Esta edição tem
por título: - ltinerario da Terra Santa e suas Particularidades.
Composto por Frei Pantaleão de Aveiro, frade menor da Ordem de S.
Francisco, da Observância da Provincia dos Algarves. Dirigido ao
Ilustrissimo e Reverendissimo Senhor Dom Miguel de Castro, dignissimo
Arcebispo de Lisboa Metropolitana. Agora novamente acrescentado com
mais declaração dos lugares de Terra Santa, e Autoridades da Sagrada
Escritura, e outras curiosidades de notar.
Estas duas primeiras
edições do ltinerario existem na Biblioteca Nacional de Lisboa e
creio que não diferem muito.
Segundo Manuel Faria
e Sousa foi esta obra a primeira que tratou do assunto, indicado pelo
título. Rigorosamente não foi a primeira, mas uma das primeiras, e
serviu de auxílio a outros escritores, que do mesmo assunto se
ocuparam.
No ano de 1600, foi
publicada uma terceira edição do ltinerario, adicionada e
revista por Diogo Tavares e Simão Lopes. Consta de 301 folhas,
numeradas pela frente.
Em 1685, foi
publicada pela quarta vez esta obra, e João Galrão foi o seu impressor.
Em 1721, António
Pedroso Galrão, talvez descendente do indivíduo do mesmo apelido, fez
uma quinta edição da mesma obra, a qual não é mencionada na
Bibliotheca Lusitana, de Diogo Barbosa Machado.
Em 1732, foi
publicada esta obra pela sexta vez, contendo, além das folhas, do
frontispício e do índex, 527 páginas.
Entre a terceira e a
sexta edição, há uma considerável diferença, de modo que os cortes,
alterações de parágrafos e transposições de palavras, concorreram para
que a de 1732 se tornasse inferior à de 1600.(1)
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Devido à
obsequiosidade de uma senhora brasileira, possuo um exemplar desta obra.
Infelizmente faltam-lhe algumas folhas e já não tem frontispício nem
prólogo. Vê-se, no entanto, que além deles, tem mais de 336 folhas,
todas numeradas pela frente e a última é cercada de vinhetas.
Nela diz o autor que
oferece a sua obra a todos os que visitarem aqueles Santos Lugares e
pede que a emendem, onde acharem erros, não com espírito de contradição
e de ignorância, mas com aquele amor e caridade, com que nos manda Jesus
Cristo, Nossa Luz, Suma Bondade, olhar e julgar as coisas do próximo.
Este salutar conselho na apreciação das obras literárias bom era que
fosse seguido por muitos críticos.
Frei Pantaleão acaba
o seu livro, «submetendo-o à correcção da Santa Madre Igreja e à das
pessoas que, por suas virtudes e ciência, têm autoridade para isso.» E
despede-se dos leitores dizendo: «— Valete in Domino.»
Em seguida, há três
folhas com a Tavoada [Tabuada] dos Capítulos, rematada por uns
emblemas fúnebres. Depois vê-se numa folha uma estampa de S. Pedro,
apóstolo, e no verso uma coroa de espinhos com um cravo no centro. Tem
mais três folhas com um Índex, que mostra as coisas particulares, que se
contem no ltinerario. E, no fim das tabuadas, encontra-se uma
estampa de Santa Bárbara.
Frei Pantaleão começa
o seu ltinerario, descrevendo a cidade de Veneza e desde a
ocasião, em que aí se embarcara para a sua primeira viagem.
De nada se queixa,
senão de uma pequena afronta, que lhe fizera um mouro rústico, todo
esfarrapado, que o encontrara voltando do Monte Olivete. O mouro
puxou-lhe pelas barbas, que então eram grandes e à moda dos homens
daqueles sítios. Chamou-lhe Cacis. E foi a maior afronta que Frei
Pantaleão sofrera e que suportou resignadamente, não só por se lembrar
que ali se fazem piores tratos aos cristãos, mas também por se lembrar
do sítio, o que tudo agradecia ao Senhor. Isto se lê a folhas 132 verso
do ltinerario, que possuo.
Todas as edições
desta obra foram impressas em Lisboa.
Segundo vi num
anúncio, também na mesma cidade e na Tipografia do Panorama, deveria, em
1866, imprimir-se a mesma obra por conta da "Empresa para a Reproducção
dos Livros Clássicos Portugueses". Não sei se essa publicação chegou a
efectuar-se.
Frei Pantaleão de
Aveiro também deixou uma obra, intitulada Louvores de S. João,
que nunca chegou a imprimir-se.
Assim como não se
sabem outros factos importantes da vida deste aveirense, também não se
sabe quando nem onde falecera.
São muitas as obras
espanholas e portuguesas, que a ele fazem referência; entre as quais se
podem notar o tomo II (páginas 124) da Biblioteca Hespañola, o
Teatro Lusitanico-literário (parte primeira), e outras referidas
pelo Abade de Sever na sua Bibliotheca Lusitana, onde o nome de
Frei Pantaleão de Aveiro figura entre os principais escritores
portugueses.
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(1) - Em 1927, em Coimbra foi publicada mais uma edição do
Itinerário da Terra Santa e suas Particularidades. Também o Dr.
Fernando de Campos, em 1986, editou o romance histórico, da sua autoria,
a que deu o título A Casa do Pó, com base no mesmo livro de Frei
Pantaleão de Aveiro. |