Índice do Almanaque.
 

NO MORRO DE SÃO BENTO

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Importância das artes tradicionais no espaço lusófono

 

Beatriz Royer

 

Os imigrantes da Ilha da Madeira instalaram-se nos morros de Santos e especialmente no Morro de São Bento, por volta de 1885, onde abrigaram suas famílias. Esses lusitanos possuíam muita experiência em construção erguida em relevos acidentados parecidos com o seu lugar de origem. A partir de 1945 até 1950 em decorrência da crise económica na Europa, depois da II Guerra Mundial, grande leva de imigrantes madeirenses chegou a Santos. Muitos deles chegaram através da “Carta de Chamada”, documento assinado por patrícios ou parentes e submetidos à aprovação e registo no Consulado de Portugal da região, assegurando aos imigrantes passagens marítimas e outras condições, como: emprego, acomodações com domicílio por algum tempo. Essas despesas posteriormente eram reembolsadas pelo favorecido. Mas os tempos eram difíceis, principalmente para quem chegava a terras estranhas e com pouco dinheiro. Com muito esforço as ilhoas retomaram o tradicional hábito da execução dos bordados da Ilha da Madeira. Isso garantia uma preciosa fonte de renda para o custeio das despesas do lar.

Na década de 50 o Brasil era impulsionado pelo parque industrial, iniciava-se aí uma luta desigual entre as bordadeiras do Morro São Bento contra a concorrência das máquinas e consequentemente a desvalorização dos bordados feitos à mão, por serem mais caros que os produzidos à máquina. Diante da produção em escala industrial, o trabalho artesanal não podia competir com os preços de mercado. Junta-se a isso a necessidade do trabalho da mulher fora do lar em actividades menos desgastantes e melhor remuneradas. Os bordados passaram a ser comercializados através de intermediários (agenciadores) das grandes lojas e oficinas de São Paulo - Capital e de Santos, que já traziam as encomendas definidas: tipo de pontos, tecido, linha, riscado e com preço e mão de obra pré-estabelecidos, não permitindo qualquer espaço a criatividade, desestimulando ainda mais o interesse das bordadeiras de transmitirem às filhas a sua técnica adquirida ainda muito criança, com suas avós e mães.

Diante desse quadro de total desestímulo, essas bordadeiras continuadoras do fino artesanato, diminuíram a produção e muitas delas chegaram a abandonar a actividade. Para combater a desvalorização do bordado e incentivar a revitalização da prática, as bordadeiras se reuniram juntamente com a Secretaria Estadual de Promoção Social, onde estabeleceram um acordo de que a secretaria disponibilizaria a verba para aquisição do material e com o início das produções houve o empenho na divulgação do trabalho. Um ano após a reunião em 1985, foi criada a União das Bordadeiras do Morro São Bento. Em 1989, os componentes da União das Bordadeiras se constituíram num grupo autónomo, detendo os seus próprios meios de produção e colocando os trabalhos directamente no mercado.

Mas o que é esse bordado que tanto se fala? São bordados livres, sem fios contados, permitindo à artesã maior criatividade. É originário da Costa Sul da Madeira e que em 1881, tiveram grande desenvolvimento, com estabelecimento das exportadoras alemãs no Funchal, capital da Ilha da Madeira. Ele apareceu pela primeira vez em público por volta de 1850, quando o Governador Civil do Funchal promoveu ampla exposição dos principais produtos madeirenses. Entre esses, não podia faltar o seu bordado, que de tão belo, provocou a admiração e o entusiasmo dos presentes.

No caso das bordadeiras do Morro do São Bento, pode-se atribuir a arte do bordado aos três tipos de valor, pois no que se refere o cognitivo, a impressão das linhas no tecido possui um valor documental, propagando a arte e a cultura do bordado, no valor estético compreende-se a unicidade do bem que leva as características da pessoa que é feita agregada com a prática que transcende os séculos, além da especificidade do modo de fazer, o posicionamento da mão da linha, entre outras características. E por último o valor afectivo que é atribuído por ser uma prática que remete a família, a terra-mãe, onde as anciãs das famílias ensinavam aos mais novos, a cultura passada de geração em geração.

Apesar de todos os valores que podemos atribuir como bem, credita-se que o principal, no caso das bordadeiras do Morro do São Bento, seja o conhecimento da arte de fazer que desde a “Convenção para a Salvaguarda de Património Cultural Imaterial” aprovada pelo Brasil em Abril de 2006, foi atribuído como um património cultural imaterial.

 

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