–
Leónidas! Leónidas, porra, não me ouves?
– Oiço,
patrão, oiço, mas é só de um ouvido...
– Porquê,
a tua mulher arrancou-te a outra orelha?
– Não
podia...
– Não
podia o quê, tirar-te a orelha?!!
– Nam, nam
proque estava encostada à enxerga...
– Já cá me
parecia que havia enxerga no caso.
– "Tamém"
nam enxergo bem, o olho direito está coxo, já vê vomecê porque nam o
podia ouvir chamar.
– Tens
algum pé cego? Ou perna? Já agora...vê lá bem porque não quero chatear
os teus problemas!
– Vai-me
do tornozelo às cruzes um arrepio que passa aqui pelo senhor da
humanidade, ó patrão, sabe como é...
– O senhor
da humanidade? Sim sei, é aquele que a tua mulher diz que não serve para
nada...só mija.
– Ela
disse-lhe isso, patrão?
– A mim?
Não! Só contou ao mulherio todo que têm os maridos na venda do Serafim.
– Ai a
cabrona!
– Olha,
Leónidas: cabrona não é a mulher de um cabrão?
– D'um
cabrão que eu esfolo se me aparecer p'la frente!
– Essa é
fácil...Podes começar quando quiseres...
– Eu num
seija home, se não esfolo!
– Bem,
enquanto esfolas e não esfolas, antes que fiques sem pele, vai à adega e
traz vinho.
– Qual,
patrão?
– A adega
cá do monte, não sabes qual é?
– Qual
vinho, patrão, não me faça estúpido, olhe que nam gosto! Qual vinho é
que vou buscar?
– Vinho só
há um com esse nome, o tinto. Mas deixa-me ver...Hoje é
quarta-feira...com tantas pressas e perguntas se calhar é melhor
começares a trazer já o vinho da missa do domingo que ainda começa a
reza antes que chegue cá o tintol.
– Tintol?
Ah, podia ter dito, tintol, claro, vou já na achega.
– E chega
antes da missa de domingo, juras? Se não, vem do branco.
– Tá a ver
como tenho rezão? Queria vinho, mas vai de nam dizer se era branco ou
tinto.
– Vinho,
porra! Vinho! Traz vinho da adega, Leónidas!
– É isso,
quero saber, o patrão não se decide, é traz vinho tintol, ós despois
traz vinho do padre, eu só tenho um ouvido escorreito, mas vi bem que o
patrão nam sabe o que quer!
– Sei,
sei, mas antes sou capaz de te ir ao focinho...se não estiver
paralítico, já se vê! VAI BUSCAR O VINHO, LEÓNIDAS!
– Pronto,
pronto! Trago dos dois e o patrão escolhe pela sua veneta!
– FORA!
– Já estou
a sair, patrão, nam grite comigo, nam tem por isso, caraças!
O Leónidas
arrisca-se muito comigo, onde vou buscar a pachorra para o ter por cá e
não o correr à ponta da bota direita que é aquela com que chuto melhor,
é pra muitos uma misteriosidade.
Para mim
não é tanto.
Velho e
casmurro, tem como modo de pensar o que já não há nem nunca devia ter
havido, a resignação.
Em pequeno
com as sopas de vinho para não chorar, meteram-lhe pelos costumes
abaixo, as lérias de que um povo é como nasce, e já foi uma chatice
nascer.
Vistas
curtas, sofrimentos morais longos, descrença e lassidão, vieram de
mistura com o sangue árabe, pouco caldeado pelas virtudes lusitanas da
luta
O
resultado foi o ter crescido vergado e com a vontade curta de desejos de
andar para a frente. Dizia-se indomável….quando estivesse para isso,
antes não que está muito calor
– Patrão!
– Hem? Ah,
és tu, diz.
– Quer uma
canada de cada ou um garrafósio chega?
–
Leónidas!!! Leónidas traz vinho nem que seja no teu chapéu!
– Assim
explicado...é melhor! Vou andando, vou andando...
Sempre fui
contra as anedotas de alentejanos parvos e com outros defeitos que sei
que não são reais. Olhando bem, vê-se que começa a haver mudança, o
sangue vertido deu origem a forças novas. Haja esperança!
Nesta
terra, sacudido o peso do Salazar e depois o da ditadura que os
comunistas queriam instalar por aí, apareceu gente capaz, nova e mesmo
alguma velha de boa cepa, que deu uma volta nesse Alentejo das anedotas.
O chaparro
não fugiu, o calor também não e até se gosta de uma sesta, de uma pinga,
não há mal nisso. Houve que lutar ou aprender com espanhóis, lituanos e
até bifes bêbados, que sabiam cultivar e dar novos usos e produtos à
terra. Hoje, as culturas com ordem da política, deram, estão a dar,
outras políticas para as terras e culturas. É necessário que o que lá
foi lá foi, e que não volte! Hoje...
– Patrão!
Olhe aqui.
Olhei. O
Leónidas, relho, não pertence a nenhum dos mundos com que estou a sonhar
para o Alentejo. Nele não há inteligência, pingo daquilo que esta terra
precisa e merece. Nela e logo nos "Leónidas", há o terrível defeito do
"não te rales que o dia é longo a está um calor do carago". Os tais
feitios árabes sem as virtudes da persistência! São más raízes que
custam a arrancar.
E se
calhar o resultado dos Leónidas terem existido, é mesmo castigo e fado
português, embora duvide fortemente, tal é a má qualidade do produto que
não vai bem com os Cabrais e Gamas cantados por Camões! Mas este
Leónidas….
– Patrão.
Vomecê vendeu o branco todo para a "comprativa", como é quer que lhe
traga vinho para a missa?
– Já te
confessaste esta semana?
– A quem
patrão? Que polícia é que anda atrás de mim? Nam tenho nada para
confessar!
– Ao
padre, Leónidas, se já te confessaste ao padre?
– Nam, mas
proquê?
– Devias.
Porque quem morre sem se confessar, vai assar no inferno, e estou quase
a despachar-te para lá!
– Olha,
Patrão, assar no inferno? É diferente daqui do Alentejo em Agosto? Se
não é, já 'tou habituado!
Digam-me
que o inferno é aqui para os lados de Serpa, e eu acredito. Digam-me que
o Leónidas representa aquilo que um povo não pode ser e já não é, e eu
acredito.
Digam-me
que em Portugal, os "Leónidas" vão desaparecer para termos um país
melhor, e eu esperançosamente acredito.
Afiancem-me que não há nenhum troca-tintas político chamado Leónidas, e
eu sorrio e vejo um bom futuro para todos. Poderemos esperar por isso?
Acham que conseguiremos?
– Patrão!
Atão que faço?
–
LEÓNIDAS, ACORDA, TRAZ VINHO, CARAÇAS!
– Branco?
Faço
figas...
António Nunes de Almeida
13-01-2014 |