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O
homem caminhava com dificuldade, figura curvada ao peso da enxada
que transportava ao ombro, não pelo seu próprio peso mas pelos
muitos anos passados a cavar a terra agreste, mas amiga. Nesse
momento e devido ao facto de há muitos dias não chover, foi
encontrá-la bem dura e enrugada, o que dificultava ainda mais a sua
tarefa. |
Mesmo assim e após a
tradicional cuspidela nas suas mãos calejadas, com elas abraçou o cabo
da enxada e atacou os regos da horta, enquanto o serpentear da água da
levada os tornava bastante mais tenros e acessíveis.
Era uma entre as muitas
hortas que bordejavam o caminho térreo que partindo de Fontanelas ia dar
à secular povoação de Janas, após deixar a capela circular de são Mamede
ao seu lado direito. O velho caminho de São Mamede!… Nele e
principalmente nas chuvas, somente a pé ou de burro, alguém se poderia
aventurar naquelas andanças, ou não fosse o burro o maior todo-o-terreno
de sempre.
E a feira de São Mamede,
aquele local mágico onde todos os anos em Agosto as populações se
concentravam, com os seus rituais, como a bênção do gado após as
tradicionais voltas à capela, e os burros, muitos, muitos burros,
zurrando em uníssono por entre os pinheiros, como que num apelo às
gentes.
Numa época mais recente e
após uma progressiva substituição do burro pelo tractor, mais feridas
foram sendo abertas no caminho de São Mamede. Valas profundas
dificultavam mesmo a progressão a pé, alternando a lama com o ressequido
e gretado barro. Também as antigas hortas foram dando lugar a pinhal e
baldios, e naquela mancha verde, muitas ilhas brancas sob a forma de
casas, começaram a invadir a paisagem outrora fértil no abastecimento de
produtos da terra genuína às populações locais e do Concelho.
O homem desloca-se
facilmente no seu tractor com atrelado sobre o tapete de asfalto que o
leva a Janas, passando por São Mamede. Nas bermas desfilam, de modo
quase ininterrupto, inúmeras casas ocupando o espaço onde em tempos
verdejavam hortas e pomares.
A enxada já não o verga com
o peso da terra e os legumes que transporta têm a sua origem em terras
distantes, desconhecidas na sua maioria, dele e das gentes locais.
A água já não serpenteia
nos regos dos feijoeiros, pois a levada há muito secou, bem como o
pequeno rio que lhe deu origem e desde sempre a alimentou.
A feira de São Mamede lá
continua nos agostos dos nossos dias. Mantém alguns dos seus rituais,
mas o chamamento dos burros foi substituído pelos escapes dos tractores
e das motas.
Lá bem ao fundo, para o
lado das Azenhas, o mar, essa presença imutável no seu azul profundo e
salgado, parece murmurar numa maré duma tarde dos nossos dias…
Outros tempos…