O galo anunciava a
madrugada. Na planície, já homens e mulheres marcavam a passo e a
compasso, por vezes das vozes, a caminhada para mais uma jornada.
Não sem que antes houvesse
tempo para enxugar o estômago com o magro conduto que nunca abundava nas
mesas.
Ainda assim, quem passasse
nas ruas sentia o cheiro que pelas chaminés acompanhava o fumo do azinho
a arder misturado com o vapor do café que fervia nas cafeteiras.
A jornada era dura. O sol a
sol agreste e felino determinava a tonalidade bronzeada dos rostos, o
suor ensopava a roupa, qual pluviómetro do cansaço a que havia de
resistir. Aliás, por perto, havia sempre um feitor, um ganhão, o próprio
lavrador, chamando a contas aquele que se descuidava com um pouco de
descanso.
A rudeza das ferramentas
calejava. O esforço sobre-humano a que tinham de se sujeitar moldava a
pele construindo uma história em cada ruga. Porém, a criação dos filhos,
que eram quase sempre em grande número, falava mais alto.
Sujeição! Resistência!
Fizesse sol ou fizesse chuva. Na cava, na monda, na ceifa, na debulha,
na vindima, na apanha da azeitona, fazendo o que fazia falta ser feito.
Afinal ter trabalho até era “sinónimo” de felicidade e pão para a boca.
É que havia quem não tivesse!
No regresso da faina,
muitas vezes tarde e a más horas, era a mulher que ainda tinha a lide da
casa, tratando do jantar. O mesmo é dizer, inventando qualquer coisa
para enganar o estômago.
O homem, por seu lado,
tinha a taberna como ponto de encontro. Era ali que se partilhava um
naco de pão, um resto de conduto – grande petisco! – e se afogavam as
mágoas no vinho que escorria pelas gargantas. Era também ali, e dessas
gargantas, que brotavam sentimentos feitos modas que repetidamente
ecoavam como se estivessem em êxtase.
No Verão, antes da deita,
era o fresco da rua que antecipava a ida para a cama. No Inverno, a
lenha voltava a arder nas chaminés aquecendo as casas dos montes, das
aldeias e vilas do Alentejo.
Os corpos caíam exaustos. A
história da vida repetia-se no dia seguinte.
Foi essa a herança desse
tempo. Hoje somos, como eles foram, herdeiros no sentimento, desses
ceifeiros, desses poetas, desses amantes que fizeram o Alentejo.
Somos eles! Os que choram,
os que trabalham, os que cantam, os que com o seu sangue e as suas mãos
benditas remexeram a terra à procura do pão da morte, do pão da vida.