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A LIÇÃO DE FUKUSHIMA

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Guilherme Alves Coelho

O dia 11 de Março de 2011 pode ter ficado na história da humanidade como um momento de viragem na abordagem da questão da energia nuclear para fins pacíficos.

Quinze meses após a catastrófica fuga de petróleo da BP no Golfo do México, que relatámos no número anterior, este caso parece ter caído no esquecimento ou convenientemente abafado. O pouco que nos chega dá conta de uma indústria de pesca na zona quase paralisada e a situação longe de estar controlada.

Ainda os ecos deste acidente não tinham desaparecido e já um outro de iguais ou piores proporções se destacava no inicio deste ano. Trata-se da tripla catástrofe ocorrida no Japão. Nesse dia 11 de Março, um sismo, seguido de um tsunami, provocaram, no conjunto, um acidente na central nuclear de Fukushima. Este encadeado de acontecimentos naturais e artificiais provocou milhares de mortes directas e indirectas causadas pelos acidentes naturais e pelas fugas de material radioactivo. “20% do território nacional sofreu com o impacto da catástrofe.

Perto de 520 000 pessoas foram evacuadas. O número de mortos e feridos é avaliado em 11 500”, afirmou um deputado japonês (1).

O complexo nuclear compreendia seis reactores, desenhados e construídos pela empresa norte-americana General Electric e era mantido pela Tokyo Electric Power Company (TEPCO).

Tudo começou quando um desses reactores, o reactor 4, sobre-aqueceu e explodiu, devido a uma avaria mecânica provocada pelo sismo. O sistema de arrefecimento colapsou e os sistemas de emergência também falharam. O projecto de segurança não previra uma catástrofe de tais dimensões.

Os gases tóxicos rapidamente se espalharam pela atmosfera o que obrigou à evacuação de toda a área num raio de 20 Km.

Com o abandono da central, o descontrole aumentou, aumentando desse modo os riscos de explosão nos outros reactores.

A situação parece ter estado fora de controle durante muitos dias. A empresa proprietária, simplesmente, não sabia o que fazer. Apenas à custa de autênticos kamikase, verdadeiros heróis nacionais, que se ofereceram sabendo os riscos que corriam, foi possível remediá-la, sem contudo a resolver. Antes, não só ocultara falhas de segurança como a ausência de mecanismos de emergência.

A central de Fukushima tinha sido notificada há anos pela Agência Nuclear Mundial para proceder a obras de manutenção, mas nada fez. Pior, veio arrogantemente dizer que tudo estava prevenido em caso de catástrofe natural.

Parece que nem tudo segundo sabemos agora. Um erro de cálculo deitou tudo a perder. A previsão de um sismo de grau 6 (o máximo previsto) não abrangia o que agora se verificou (grau 9), nem o tsunami simultâneo, embora a central esteja junto do mar, numa zona altamente sísmica.

Durante anos fomos acreditando na palavra dos cientistas que asseguravam ser a tecnologia nuclear totalmente segura. A opinião pública dividia-se entre a confiança cega “nos que sabem”, a desconfiança, fruto do medo do desconhecido e uma minoria que ia levantando dúvidas (2).

Indiferentes a estes últimos, os governos faziam orelhas moucas e plantavam centrais nucleares por tudo o que era sítio, obedecendo tão só a critérios economicistas.

A insistência dos governos ia dando os seus frutos. Cada vez mais vozes garantiam ser essa a forma de energia do futuro. Com a actual tecnologia os perigos iniciais estavam afastados e a segurança era de cem por cento.

Um pormenor escapava no entanto ao debate: o que acontecia com as centenas de centrais ainda existentes que usavam tecnologias antiquadas, já para não falar na questão dos resíduos, também por resolver?

Os desastres de Chernobil na ex-URSS e de Three Miles Island nos E.U.A. foram os primeiros sinais de que qualquer coisa estava mal. Mas apesar deste dois alertas pouco se fez para além de inspecções de rotina internacionais e nacionais.

Com a desregulação da economia mundial e a falta de fiscalização dos estados por força do neoliberalismo, a situação agravou-se ainda mais. As empresas nucleares privadas praticamente tiveram luz verde dos Estados para fazerem o que quisessem sem quaisquer impedimentos.

Aquilo que eram serviços públicos altamente vigiados, ao transformarem-se em oportunidades de negócio, ficaram apenas entregues a si próprios e ás leis dos mercados ou seja do máximo lucro (3).

Esta mistura explosiva de interesses foi progredindo até à total ausência de controlo pelos estados o que aumentou os riscos de segurança.

A conclusão a tirar deste caso de Fukushima não será certamente a de saber se o nuclear é seguro ou não é seguro. A conclusão é que, por muito que se afirme o contrário, a técnica não se encontra devidamente controlada e muito menos quando os Estados abdicam da sua qualidade de garante da segurança dos seus cidadãos.

A discussão encontra-se de novo na ordem do dia.

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Notas

 (1) - Entrevista de Hidekatsu Yoshi deputado do PC do Japão, em oDiário.info.

 (2) - Greenpeace: A história da era nuclear é uma história de acidentes. Muitas pessoas, em muitas partes do mundo sofrem de problemas de saúde provocados por acidentes, que ocorreram anos ou décadas antes.

 (3) - Segundo o Banco Mundial, os custos económicos das catástrofes naturais passaram de 68 mil milhões de dólares em 2009 a 180 mil milhões em 2010. E 2011 promete ser ainda pior. O governo japonês estimou os danos directos do terramoto de magnitude 9.0 e do tsunami de 11 de Março em cerca de 300 mil milhões de dólares. Quase 26 mil pessoas morreram ou desapareceram na catástrofe, sem falar dos danos causados pelo desastre nuclear de Fukushima.

“Custo das catástrofes naturais explode”. Swissinfo.ch.

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