Ainda os ecos deste
acidente não tinham desaparecido e já um outro de iguais ou piores
proporções se destacava no inicio deste ano. Trata-se da tripla
catástrofe ocorrida no Japão. Nesse dia 11 de Março, um sismo, seguido
de um tsunami, provocaram, no conjunto, um acidente na central nuclear
de Fukushima. Este encadeado de acontecimentos naturais e artificiais
provocou milhares de mortes directas e indirectas causadas pelos
acidentes naturais e pelas fugas de material radioactivo. “20% do
território nacional sofreu com o impacto da catástrofe.
Perto de 520 000 pessoas
foram evacuadas. O número de mortos e feridos é avaliado em 11 500”,
afirmou um deputado japonês
(1).
O complexo nuclear
compreendia seis reactores, desenhados e construídos pela empresa
norte-americana General Electric e era mantido pela Tokyo Electric Power
Company (TEPCO).
Tudo começou quando um
desses reactores, o reactor 4, sobre-aqueceu e explodiu, devido a uma
avaria mecânica provocada pelo sismo. O sistema de arrefecimento
colapsou e os sistemas de emergência também falharam. O projecto de
segurança não previra uma catástrofe de tais dimensões.
Os gases tóxicos
rapidamente se espalharam pela atmosfera o que obrigou à evacuação de
toda a área num raio de 20 Km.
Com o abandono da central,
o descontrole aumentou, aumentando desse modo os riscos de explosão nos
outros reactores.
A situação parece ter
estado fora de controle durante muitos dias. A empresa proprietária,
simplesmente, não sabia o que fazer. Apenas à custa de autênticos
kamikase, verdadeiros heróis nacionais, que se ofereceram sabendo os
riscos que corriam, foi possível remediá-la, sem contudo a resolver.
Antes, não só ocultara falhas de segurança como a ausência de mecanismos
de emergência.
A central de Fukushima
tinha sido notificada há anos pela Agência Nuclear Mundial para proceder
a obras de manutenção, mas nada fez. Pior, veio arrogantemente dizer que
tudo estava prevenido em caso de catástrofe natural.
Parece que nem tudo segundo
sabemos agora. Um erro de cálculo deitou tudo a perder. A previsão de um
sismo de grau 6 (o máximo previsto) não abrangia o que agora se
verificou (grau 9), nem o tsunami simultâneo, embora a central esteja
junto do mar, numa zona altamente sísmica.
Durante anos fomos
acreditando na palavra dos cientistas que asseguravam ser a tecnologia
nuclear totalmente segura. A opinião pública dividia-se entre a
confiança cega “nos que sabem”, a desconfiança, fruto do medo do
desconhecido e uma minoria que ia levantando dúvidas
(2).
Indiferentes a estes
últimos, os governos faziam orelhas moucas e plantavam centrais
nucleares por tudo o que era sítio, obedecendo tão só a critérios
economicistas.
A insistência dos governos
ia dando os seus frutos. Cada vez mais vozes garantiam ser essa a forma
de energia do futuro. Com a actual tecnologia os perigos iniciais
estavam afastados e a segurança era de cem por cento.
Um pormenor escapava no
entanto ao debate: o que acontecia com as centenas de centrais ainda
existentes que usavam tecnologias antiquadas, já para não falar na
questão dos resíduos, também por resolver?
Os desastres de Chernobil
na ex-URSS e de Three Miles Island nos E.U.A. foram os primeiros sinais
de que qualquer coisa estava mal. Mas apesar deste dois alertas pouco se
fez para além de inspecções de rotina internacionais e nacionais.
Com a desregulação da
economia mundial e a falta de fiscalização dos estados por força do
neoliberalismo, a situação agravou-se ainda mais. As empresas nucleares
privadas praticamente tiveram luz verde dos Estados para fazerem o que
quisessem sem quaisquer impedimentos.
Aquilo que eram serviços
públicos altamente vigiados, ao transformarem-se em oportunidades de
negócio, ficaram apenas entregues a si próprios e ás leis dos mercados
ou seja do máximo lucro
(3).
Esta mistura explosiva de
interesses foi progredindo até à total ausência de controlo pelos
estados o que aumentou os riscos de segurança.
A conclusão a tirar deste
caso de Fukushima não será certamente a de saber se o nuclear é seguro
ou não é seguro. A conclusão é que, por muito que se afirme o contrário,
a técnica não se encontra devidamente controlada e muito menos quando os
Estados abdicam da sua qualidade de garante da segurança dos seus
cidadãos.
A discussão encontra-se de
novo na ordem do dia.