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A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

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OS LIVROS DE CERA

 

Pesquisa de Graça M. V. Anjos Jordão

 

Uma vela de cera é um objecto que todos conhecemos, mas um livro de cera seria hoje uma curiosidade.

Um livro que se derretesse como manteiga seria muito mais curioso do que os de tijolo ou do que aqueles livros às tiras de certamente já ouviram falar. Pouca gente sabe que os livros de cera, que foram inventados pelos Romanos, ainda eram usados até ao começo do século passado, até à época da revolução francesa.
 

Na gravura pode ver-se o aspecto desses livros. Eram compostos de um certo número de tabuinhas, tendo mais ou menos as dimensões de uma agenda de algibeira. Cada uma das tabuinhas era cavada ao meio para formar um espaço rectangular cheio de cera amarela ou preta.

Em dois dos cantos havia uns orifícios pelos quais passavam uns cordões que seguravam as tábuas juntas, formando um livro só. A primeira e a última tabuinha não tinham cera na superfície externa; assim, quando se fechava o livro, perigo de se apagar o que estava escrito.

Como se escrevia nestas tabuinhas. Certamente que não era com tinta. Usavam-se bicos de aço que se chamavam estiletes e que tinham uma ponta aguda e outra arredondada. Escrevia-se ou, antes, raspava-se com a ponta aguda e apagava-se com a ponta arredondada. É este o antepassado da borracha.

As tabuinhas de cera eram muito baratas. As pessoas serviam-se delas, como de um bloco, para tirar apontamentos, para fazer somas, recibos e mesmo para escrever cartas.

O papiro importado em Roma, proveniente do
antigo Egipto, era caro e empregavam-no unicamente para fazer livros.

Ainda havia outra razão que tornava cómodas essas tabuinhas: podiam-se utilizar durante muito tempo!

Quando em Roma se escrevia uma carta numa placa de cera, recebia-se a resposta na mesma placa. Podia-se apagar indefinidamente o que estava escrito, com a ponta romba do estilete e recomeçar a escrever.

– Sirvam-se com frequência da ponta romba do estilete – tal era o conselho que davam aos jovens escritores daquele tempo. E ainda hoje se diz de um escritor que escreve bem, que tem um bom estilo, apesar de o estilete estar fora de uso.

O facto de se poder apagar facilmente o que estava escrito na cera nem sempre era vantajoso. Acontecia, às vezes, que cartas secretas, importantes, chegavam ao destino com o conteúdo completamente apagado pelas pessoas por cujas mãos eles tinham passado durante o trajecto.

Para evitar que isso acontecesse, derretia-se sobre a carta secreta uma nova camada de cera, na qual se escreviam insignificâncias destas: Como passou? Tem passado bem? Venha jantar comigo... etc..., etc... Quando uma pessoa recebia uma carta assim, tirava com cuidado a camada superficial da cera e lia a carta verdadeira escrita na camada inferior.

Uma carta desse tempo podia ter um ou dois andares, como se fosse uma casa.

As letras do alfabeto latino, que tinham sido direitas e nítidas na pedra, que se tinham arredondado no papiro, transformavam-se agora, na cera, em garatujas ilegíveis.

Só um paleógrafo poderia decifrar estas cartas romanas escritas na cera. Para nós seria impossível compreender fosse o que fosse destas curvas e destas vírgulas.

Experimente o leitor fazer uma placa de cera e escrever qualquer coisa nela. Verá como é difícil traçar letras correctamente, principalmente se escrever depressa.

Só depois da invenção do lápis e do papel barato é que nós pudemos passar sem as tabuinhas de cera. Há alguns séculos, cada aluno trazia uma pendurada no cinto.

Um grande numero de tabuinhas foi encontrado nos esgotos da igreja de S. Tiago, em Lubeck. Encontrou-se lá igualmente uma certa quantidade de estiletes, de canivetes para rasgar o pergaminho, e de varinhas que serviam para bater nos dedos dos alunos. Porque devem saber que, nesse tempo, batia-se nos alunos se dó nem piedade. Em vez de se dizer andei na escola, dizia-se apanhei varadas.

Num livro latino escrito há muitas centenas de anos, lê-se a conversa seguinte entre os alunos e o mestre:

Os alunos. – Nós, os rapazes, suplicamos-te, ó mestre, que nos ensines a falar latim correctamente, porque falamos muito mal e somos muito ignorantes.
O mestre: – Querem que lhes bata quando os ensino?
Os alunos: – Mais vale apanhar pancada do que ficar ignorante.
E a conversa continua no mesmo tom.

Imaginem um aluno desse tempo, sentado com as pernas cruzadas. A placa de cera está aberta nos joelhos. Segura-a na mão esquerda e escreve com a mão direita enquanto o mestre dita.

Não eram só os rapazes da escola que empregavam as placas de cera; os monges escreviam nelas as cerimónias eclesiásticas; os comerciantes, as suas contas; os elegantes da corte, as suas cartas de amor às lindas damas e os desafios de duelo.

Certas pessoas tinham tabuinhas de madeira vulgar, cobertas de couro exteriormente para as tornar mais sólidas, e cobertas interiormente de cera suja misturada com gordura. Outros tinham tábuas de madeira preciosa, havia mesmo algumas de luxo com embutidos de marfim.

Em Paris, no século XII, havia até uma corporação de artistas que fabricava destas tabuinhas.

Para onde foram estes milhões de tabuinhas?

Há muito que as queimaram ou que as deitaram para o lixo, como nós fazemos aos papéis velhos. Mas quanto daríamos agora por uma destas tabuinhas escritas por Romanos que viviam há dois mil anos. Muito poucas tabuinhas romanas chegaram até nós. A maior parte das que possuímos foram encontradas em Pompeios na casa de um banqueiro, Cecílius Jucundos. Esta cidade foi sepultada sob as cinzas com a cidade vizinha de Herculano, quando de uma erupção do Vesúvio. Não é interessante que, sem esta erupção de um vulcão, as tábuas nunca teriam chegado até nós.

Apenas possuímos vinte e quatro rolos de papiro Romano, que também foram descobertos nas cinzas de Herculano. A mais terrível das catástrofes não é nada comparada com os estragos causados pelo séculos. O tempo não poupa ninguém, apaga até a recordação das acções humanas, tal como a ponta romba dos estiletes torna lisa a superfície das tabuinhas de cera.

In: O Homem e o Livro

 

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