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HERDADE DOS PERDIGÕES

Homens pré-Históricos no Alentejo

 

Paulo Caetano e Fotos ERA/Arqueologia

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Viviam num povoado do tamanho de 16 campos de futebol, rodeados por um fosso profundo e circular. Quando a aurora rompia, saíam das suas cabanas e iniciavam mais um dia de trabalho árduo. O ferreiro acendia o lume e começava a preparar os moldes que receberiam o cobre líquido e incandescente, enquanto algumas mulheres se sentavam junto dos teares e afagavam as peças de lã. Um dia, com as suas toscas ferramentas de pedra e metal, um artífice sacou de um minúsculo pedaço de osso e começou a talhá-lo. Ao fim de longos minutos, dos seus dedos hábeis, nasceu uma figura semelhante a um coelho. Com as compridas orelhas para trás e dois buracos a delinearem os olhos.

Cinco mil anos mais tarde, os tractores do Esporão vieram arrancar as oliveiras e remexer a terra para preparar o plantio de uma vinha nova na Herdade dos Perdigões, em Reguengos, Alentejo. Foi nesse dia que o pequeno coelho de osso e muitos outros artefactos, usados por estes homens, vieram à superfície. Quando chegaram ao terreno, chamados pelos responsáveis da Finagra (a empresa que detém as herdades vizinhas do Esporão e dos Perdigões), os arqueólogos da Era-Arqueologia não queriam acreditar no que viam. "Este povoado era conhecido desde os anos 80. E, um pouco mais em baixo, existe um cromeleque, um recinto cerimonial. Mas ninguém fazia ideia que o local pudesse ter esta dimensão, bem visível e marcada nas fotografias aéreas, e com esta riqueza de vestígios", diz Miguel Lago, 38 anos, que partilha com Cidália Duarte e António Valera a responsabilidade científica do projecto.

As obras foram travadas de imediato pelos responsáveis da Finagra. Os primeiros trabalhos de prospecção, realizados de emergência pela Era-Arqueologia, mostraram que o sítio possuía informação única sobre uma comunidade pré-histórica do Calcolítico e que esses dados não se podiam perder. E começaram a preparar a candidatura do local a monumento nacional. "Os 12 hectares que pertencem à Finagra já estão libertos de qualquer pressão. Restam os outros quatro hectares, que pertencem a vários donos. Um deles já remexeu as terras e o Instituto Português de Arqueologia (IPA) teve de colocar uma acção em tribunal para impedir a destruição do património", conta o cientista, que também é administrador da Era.

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O sítio arqueológico dos Perdigões fica a pouco mais de um quilómetro de Reguengos, no Alentejo. Como a antiga herdade foi comprada pela Finagra, parte do espólio encontrado nas escavações foi levado para a torre do Esporão, onde foi inaugurado um pequeno espaço museológico. Numa das salas da exposição, a arqueóloga Cidália Duarte, de 43 anos, não esconde o seu entusiasmo:

«Na Idade do Cobre, os homens já praticavam a domesticação dos animais e das plantas. Era uma sociedade camponesa complexa, com rituais fúnebres que estão a ser estudados graças aos oito túmulos da necrópole, já identificados no exterior do povoado.»

Para esta investigadora do Instituto Português de Arqueologia (IPA), as ossadas e os objectos encontrados nas sepulturas vieram trazer pistas novas sobre o quotidiano destas gentes. Numa das sepulturas, a única escavada por completo, foram retirados ossos de 120 pessoas diferentes, 15 das quais eram crianças. "Este era o último local de residência dos habitantes dos Perdigões e, junto dos esqueletos, eram colocadas várias oferendas. Os corpos não têm patologias visíveis e não sabemos porque morreram. Mas podem ter sido vítimas de epidemias, pois isso não deixa marcas para os arqueólogos", diz Cidália Duarte.

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Todas as suposições sobre o modo de vida dos antigos habitantes dos Perdigões e a sua relação com a morte são baseadas em peças desenterradas. Os cientistas descobriram, graças ao desgaste dos dentes estudados, que os cereais constituíam a base da alimentação. Os cadinhos, os pesos de tear e os coadores vieram demonstrar que estes homens se dedicavam à metalurgia, à tecelagem e que já sabiam produzir queijos a partir do leite das cabras e das ovelhas que criavam. Os ídolos de calcário e as conchas de vários moluscos provam que existiam relações comerciais com a região onde actualmente se situa Lisboa e com as populações primitivas dos estuários do Tejo e do Sado.

As escavações no sítio dos Perdigões ainda vão durar mais uns anos. O objectivo dos cientistas e da Finagra é lançar um novo conceito: a arqueologia em construção. "Pretendemos proteger a paisagem em redor e criar aqui um centro de recepção de visitantes, com exposições e visitas guiadas. Isto permitirá conhecer o povoado, enquanto os arqueólogos escavam. É uma forma original de aliar o avanço da ciência com o lazer e o turismo", diz Miguel Lago.

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