"...O emprego de um cão de guarda de rebanhos na Península Ibérica é
legendário..."
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Sabe-se que as primeiras referências
documentais reportam-se a autores romanos tais como Apoleyo, Virgílio
e Columela, que nos seus escritos destacavam o vigor, a força e o
valor dos molossos criados na Península.
Será igualmente legítimo admitir que
em épocas pré-romanas, os povos destas paragens – Celtas e Iberos – já
utilizassem cães com estas características, tomando-se os mesmos
motivo de divulgação da parte de cronistas de um Império que estendia
os tentáculos de poder e curiosidade por grande parte do Mundo.
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Torna-se, todavia, impossível
descrever os caracteres fenotípicos desses animais de então,
permitindo quanto muito referenciar a sua presença e utilização.
Aceita-se terem sido os Romanos a usar
o termo de que deriva a palavra "Mastim" para designar os molossos
encarregados da guarda e protecção dos rebanhos. Com este nome
conhecem-se várias raças de características e funcionalidades
semelhantes, com as quais – e com outras de nomes diversos –
compartilha o Rafeiro do Alentejo uma identidade genética próxima.
Entre muitas outras podem citar-se o
cão Serra da Estrela, o Castro Laboreiro, o Mastim Espanhol e dos
Pirinéus, o São Bernardo e o Leonberg.
Muito embora a teoria usualmente
defendida sugira que todos estes cães descendem de um tronco comum
proveniente do Mastim do Tibete, uma outra e não menos válida encontra
a sua progénie em vários locais ligados a regiões de cultura
fundamentalmente ganadeira.
Uma das áreas originárias seria o
sector ocidental e central do sistema ibérico, habitado por tribos
cuja economia se baseava na exploração de rebanhos, deixando a guarda
destes a cargo de cães de grande tamanho e força.
Estes povos, anteriores às primeiras
invasões Celtas, usavam recintos fechados para guardar o gado, o que
indicava o elevado valor que o mesmo tinha para a sua sobrevivência.
A necessidade de proteger os rebanhos
do lobo das tribos inimigas, aliada à abundância de predadores, foram
razões suficientes para admitir a existência de um cão de guarda.
RAFEIRO DO ALENTEJO O GUARDA DO REBANHO
Decididamente, tudo aponta para uma
fortíssima aptidão ganadeira do Rafeiro do Alentejo.
Portugal medieval com o seu constante
movimento de fronteiras, avanços e recuos invasores, encontrou no gado
ovino uma fonte de riqueza muito mais segura, que na agricultura.
A importância desse gado reforçou-se
quando nos últimos anos do Século XIII a lã começou a ser objecto de
activa exportação para a região da Flandres. A sua qualidade tomou-se
famosa, bem como a ovelha que a produzia (Merina), cujo percurso veio a
ficar intimamente ligado ao Rafeiro do Alentejo.
Esta ovelha era o resultado do
cruzamento da ovelha autóctone com carneiros das zonas conquistadas aos
muçulmanos, no norte de África. Animal de constituição delicada e muito
sensível ao clima extremo do norte do País, levou os pastores a
praticarem e desenvolver um regime de transumância.
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A presença de um molosso era, de certo,
a chave necessária para que este sistema funcionasse. Sem a sua ajuda,
sem a sua capacidade de organização e de decisão, longe da vista dos
pastores, a condução desses enormes rebanhos, tornar-se-ia impossível.
Nunca dois rafeiros caminhavam juntos.
Cada um conhecia o flanco que deveria proteger, procurando sítios altos,
colocando-se sempre em direcção contrária à do vento para que, com
antecedência, pudesse farejar o perigo.
A existência de bons rafeiros deixava os
pastores tranquilos.
A difusão da ovelha Merina por outros
países da Europa quebrou o monopólio que portugueses e espanhóis
detinham sobre o comércio da lã. As empresas transformadoras começaram a
ser deficitárias, obrigando os pastores, por razões de índole económica
– a abandonar o sistema nómada de pastoreio dos seus gados.
Sedentarizando-se esta actividade,
extinguiu-se logicamente a transumância, verificando-se, por sua vez, uma
inevitável fixação dos molossos.
Em finais do século XIX, na Europa,
inicia-se o movimento em prol de uma maior popularidade do cão dentro da
sociedade, já que interiormente, e sobre este aspecto, o cão funcionava
como uma mera ferramenta de trabalho. Naqueles anos surge com força o
conceito de raça; nasceram as exposições caninas, primeiro como reuniões
de caçadores e depois como eventos puramente cinófilos.
Estes acontecimentos rapidamente
cruzaram fronteiras, espalhando-se pelo Continente, em quase todos os
países, incluindo mais tarde Portugal.
O Alentejo, na sua imensidão, toma-se
definitivamente no solar desta raça de grande corpulência, que defendia
e acompanhava rebanhos, guardava "montes" e integrava as matilhas usadas
nas montarias.
Apesar da documentação disponível ser
escassa – mesmo quase nula – supõem-se ter existido, durante esse
período, uma proliferação da raça.
A existência de grandes efectivos
pecuários, a concentração de um espaço rural de uma maior densidade
populacional e a intensa actividade cinegética, foram factores que
consubstanciam esta ideia.
Já quanto à fenotipicidade julga-se ser
a mesma, nessa época, bastante heterogénea.
Foi em finais da década de 40 que a
intenção de elaborar o estalão da Raça partiu dos médicos-veterinários
António Cabral e Filipe Morgado Romeiras.
Recenseados 116 exemplares, o estalão
seria oficializado em sessão plena da Secção de Canicultura do Clube dos
Caçadores Portugueses a 22 de Maio de 1953.
Pelo número de registos efectuados,
conclui-se que a euforia verificada então diminuiu drasticamente na
década de 60, chegando mesmo a poder considerar-se quase extinta no
início dos anos 80.
Graças ao esforço e dedicação
demonstrada por "meia dúzia" de criadores, o molosso Alentejano
conseguiu sobreviver.
Porém, um trabalho de criação tem que
obedecer a regras estabelecidas através de uma planificação conjunta e
não ser alcançado por uma sucessão de casualidades – o que por vezes,
acontece.
Sabe-se que, ao longo dos últimos anos,
a imagem do Rafeiro vem sendo marcada pela existência de uns quantos
exemplares de qualidade superior, mas, na essência, continua o mesmo a
carecer de homogeneidade morfológica.
Se considerarmos outras características,
tais como tipicidade, temperamento e funcionalidade, mais necessário se
torna levar a cabo um aliciante trabalho de grupo.
Não se pode esperar que os canicultores,
a título particular, se comprometam a cumprir programas especializados
de criação selectiva.
O "estalão", apesar de Juízes e
criadores por vezes o interpretarem à sua maneira, deverá ser entendido
como alicerce e ponto de convergência em todo o processo.
Assim, em finais de 1994, a maioria dos
criadores da raça, conscientes da validade dos princípios expressos
anteriormente, entendeu unir-se e fundar uma Associação (ACRA) –
Associação de Criadores do Rafeiro do Alentejo.
Desde então, a ACRA tem vindo a
desempenhar uma função altamente meritória em tudo o que se relacione
com tal valioso património genético nacional, ou seja, o Rafeiro do
Alentejo.
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Com os Concursos Regionais, que promove
em estreita colaboração com entidades locais, a Associação procura
divulgar um património oriundo da nossa terra, por vezes um pouco
esquecido pelas nossas gentes, transmitindo-o também às gerações
vindouras.
Estas actividades sustentam e viabilizam
igualmente um programa para melhoramento da raça, que vem sendo
desenvolvido no Centro de Reprodução do Rafeiro do Alentejo, em
Monforte, projecto inovador em Portugal.
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A este propósito, é justo salientar a
intervenção da Câmara Municipal de Monforte ao demonstrar de forma
inteligente e oportuna como o Autarquismo Português pode servir o
interesse Regional e Nacional, contribuindo para a valorização
sócio-cultural de um património que nos é comum e que urge preservar.
NOBREZA, DIGNIDADE e TRANQUILIDADE
são, na realidade, os adjectivos que melhor podem definir o carácter do
Rafeiro do Alentejo.
A forma como dignamente defende o seu
território, protegendo aqueles que conhece e reagindo a estranhos; a
corpulência, agilidade e força que lhe transmitem grande tranquilidade;
e finalmente, a nobreza de postura que ao longo ao longo dos séculos vem
mantendo ao lado do homem, são qualidades invulgarmente reunidas numa só
raça e que fizeram dela um valioso Património Genético e Cultural.
Compete aos canicultores, associações e
clubes de raça e centro de reprodução, em colaboração mútua, lutar por
restituir ao Rafeiro do Alentejo o prestígio que historicamente lhe é
devido.
Ele bem o merece. |