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NATAL

A Festa Religiosa com Raízes Pagãs e Romanas

 

Isabel Carvalho e Cristina Castilho

No Mundo e em Portugal, conforme as culturas, o Natal é comemorado com muita alegria e um forte sentido de dádiva. Contudo, para muitos seres humanos, esta quadra não passa de uma festa anual que sempre proporciona o encontro com as famílias e os amigos. E, no centro destas reuniões, está, em geral, uma ampla mesa repleta de boas iguarias, para já não falarmos das músicas alusivas, que servem de fundo às conversas. Com raízes pagãs, segundo especialistas na matéria, o Natal é uma celebração religiosa, pelo menos, desde o Século IV D. C.

A celebração religiosa do Natal, conforme reza a história, teve o seu início no Século IV, pela mão do Papa Júlio I que, após exaustivas pesquisas, estabeleceu oficialmente o dia 25 de Dezembro, como a data mais provável do nascimento de Jesus Cristo.

Há, porém, especialistas nesta matéria que defendem que embora as "origens das celebrações modernas se diluam no tempo, é possível reconhecer-lhes as suas raízes pagãs e romanas."

As pagãs, relacionadas com os festivais do solstício de Inverno; as romanas, com as celebrações em honra de Saturno.

Em ambos os casos, os festejos prolongavam-se por dias a fio, sempre com muita bebida e comida. Mas, é no seguimento da deliberação papal do Século IV D. C. que aqueles festejos pagãos começam a sua transformação e adaptação, que resultará na sua total assimilação. Este, um fenómeno que em Portugal reconhecemos em muitas romarias e festas populares, que no fundo foram cristianizadas pela Igreja.

Com o andar do tempo, o Natal foi-se transformando na grande festa da família que é hoje, embora se processe segundo certos rituais, alguns ancestrais.

No Século XIII, contudo, por influência dos franciscanos, chegam os presépios, que reconstituem a noite do nascimento do menino Jesus e que se revestem de grande importância para antropólogos e sociólogos, na medida em que "possuem a dupla vantagem de constituir uma fonte historicamente datável e simultaneamente relacionável com as classes populares", ouvimo-lo dizer a Nair Alexandra, no VIII Congresso Internacional "A Festa", promovido pela Sociedade Portuguesa de Estudos do Século XVIII, em 1992, nas instalações da Feira Internacional de Lisboa (FIL).

Mais tarde, conforme verificámos no decorrer das nossas pesquisas, no Século XVI, tentou-se introduzir o costume da Árvore de Natal. Mas, em Portugal, a tradição do presépio estava já perfeitamente consolidada, pelo que perdurou quase sozinha até muito tarde. Ou seja, a adopção da Árvore de Natal só se realizou nos "anos 50 do Século XX", conforme as palavras de Nair Alexandra, e, sob a denominação de "Pinheiro de Natal", pois os portugueses resistiram-lhe ao máximo por esta ser uma importação dos países "pagãos" do Norte da Europa.

Nair Alexandra sublinhou ainda que "na simbologia cristã a árvore ocupa um lugar especial, na medida em que encerra em si o ciclo vida/morte/regeneração, ligando-se à trilogia mundo subterrâneo/terra/céu". Neste contexto, segundo a mesma fonte, "a árvore de folha perene constitui um símbolo de imortalidade e, sob o ponto de vista simbólico, a árvore acompanha a vida de Cristo."

A seu tempo, juntou-se à árvore a troca de presentes e o Pai Natal, embora, em algumas culturas, como foi o caso da portuguesa, o Menino Jesus fosse o portador dessas dádivas. É, no entanto, de referir que o Pai Natal tem uma origem muito antiga, à semelhança, do ritual da troca de presentes.

A propósito destas matérias, as teorias e as perspectivas são variadas. Algumas podem ser comprovadas, mas outras há que assentam em lendas e mitos. Qualquer delas comporta, contudo, as suas verdades.

Noite de Natal

A celebração do Natal entre nós está hoje eivada de influências anglo-saxónicas que, em boa verdade, têm contribuído para alterar o Natal dos portugueses. Mas, nem todas as alterações têm essa origem, na medida e na proporção que também as nossas vidas e a sociedade em permanente aceleração, bem como, a nossa capacidade de consumo sofreram mudanças profundas. Há, contudo, situações e momentos em que a tradição ainda mantém vivos usos e costumes passados de geração em geração.

Assim, é normal no País, na véspera de Natal, a Consoada e a Missa do Galo. O madeiro que arde no adro e à volta do qual se reúnem amigos a caminho de casa. Os círios que se transportam para os lugares de culta. E, no dia 25, o almoço e o jantar de Natal que variam conforme as regiões e os gostos familiares, embora hoje, neste dia, o peru rivalize com o tradicional cabrito assado.

Nas residências onde há crianças pequenas, a manhã consome-se com a abertura dos presentes, porque o Pai Natal chegou com os mais pequenos já deitados. Todavia, quem sabe se recordando os seus tempos de meninos e combatendo o espectro da espera, os adultos fazem-na logo a seguir à ceia.

O dia é passado em confraternização, sempre à volta de uma mesa, mas são os mais velhos que contam histórias e lembram tempos que já não voltam.

No Alto Minho, segundo Rosa Maria, a novena ao Menino Jesus tem lugar no período do Advento e cumpre-se também a velha tradição de escolher o grande tronco que há-de arder até aos Reis. De caminho, íamos ao musgo para em casa erguer o presépio. Ainda me lembro das figurinhas, na altura reduzidas aos elementos essenciais, porque a família não era abastada e não empatava muito dinheiro em certas coisas. Assim, havia o burro, a vaca, Maria, São José e o Menino Jesus que se deitava numas ervinhas. Um ano, era eu já mais crescidinha, recordo-me de meu pai entrar casa adentro, todo satisfeito, porque tinha comprado os três Reis Magos, um pastor, uma ovelha, uma caminha para o menino e uma linda estrela, que eu colocava no cimo das pedras que serviam de gruta.

Para a Consoada era usual haver bacalhau cozido com batatas e couve-galega ou "badejo" ou pastéis de bacalhau com esparregado de nabiças, ali do quintal, para quem quisesse. E, creio que na altura era tudo; porém, confesso que é dos doces que melhor me lembro. Aliás, era impressionante a quantidade de ovos que nos dias anteriores à ceia eu via minha mãe transportar do galinheiro para depois abrir, separar a gema da clara e bater com os restantes ingredientes. Para não falar do quanto ela praguejava quando as poedeiras se escusavam a pôr ovos ao ritmo das necessidades culinárias de minha mãe. Desculpem, lembrei-me agora de uma coisa. Nestes dias que se avizinham sempre há em mim uma outra memória que nem os 30 anos de Lisboa apagam, embora, nunca mais o tenha sentido. É o cheiro do meu Natal. O cheiro da resina libertada pelos troncos que ardiam na chaminé e o do fumo que se agarrava à gente e permanecia até ao dia seguinte, o Dia de Natal, cujo almoço foi anos a fio "roupa velha" e a encerrar rabanadas e arroz doce".

Na Beira Baixa, com as devidas diferenças, a quadra natalícia mantinha intactos muitos dos aspectos sublinhados pela nossa anterior interlocutora. Quem o realça é Maria Estrela, de 63 anos, natural de Castelo Branco, que sobre esse tempo guarda um interessante rol de sensações, nela bem mais profundas que as tradições. Assim, disse-nos: "lembro-me que... as calçadas pareciam enceradas pela humidade, uma humidade muito especial que se tornava cheiro.

Um cheiro acre e uma neblina que se confundia e misturava com o fumo das lareiras que se acendiam por aqui e por ali... E o grande madeiro que no Largo da Sé ardia até Dia de Reis!

E a Missa do Galo, aconchegante e cheia de luz e cor, e o beijar do Menino.

Depois, o chegar a casa. A grande mesa coberta de alva toalha de renda onde resplandeciam os talheres de prata e os pratos brancos orlados por fina risca dourada. O vermelho das bolas de Natal e o colorido das iguarias e a alegria nos rostos, que de vez em quando se ensombravam pela lembrança dos que menos tinham!

E o grande presépio, onde as figurinhas se espalhavam por uma cascata de planos. E, finalmente, os presentes, que a partir do dia 1 de Dezembro já se tentavam espreitar.

Mas, hoje, o que resta mesmo é o cheiro de Natal, as calçadas brilhantes e a cor dourada dos ovos de fio."

No Alentejo, a tradição do convívio à roda da mesa e de um petisco não é coisa só da época natalícia; pelo contrário, ela acontece e está presente em todo o tipo de festejos. Mas, para Catarina João, a memória reteve o frio e a luminosidade própria da noite de Natal, o calor que o grande madeiro a arder no largo vai espalhando em redor e as pessoas, mais homens que mulheres, que se juntavam à sua volta para conversar e até para cantar, "enquanto nós, os mais pequenos, aproveitávamos o momento para umas correrias nocturnas, só possíveis nesta altura."

Além disso, diz, "recordo com ternura as filhós e as azevias acabadas de fazer que, em geral, davam o mote para o recolher da pequenada."

Natal das iguarias

Nesta quadra a boa cozinha tradicional apresenta-se em todas as mesas do País, de Norte a Sul. E, se os transmontanos ingerem nesta altura certos pratos, os alentejanos consumirão outros. Todavia, porque não temos a pretensão de aqui dar a conhecer cada uma das ceias, apresentaremos apenas algumas sugestões que em quase todas as casas pontificam. O momento é de puro prazer para o paladar, apesar de aqui corrompermos o dito popular de "a cada fuso sua roca".

Comecemos então com Aletria com ovos. Um prato que Guilhermina faz utilizando 100 gramas de aletria, quatro decilitros de leite, 100 gramas de açúcar (menos 50 que a porção utilizada pela avó), 50 gramas de manteiga, duas gemas, casca de limão e canela.

A "preparação é simples e nada demorada", diz. Põe-se a aletria a cozer. "Cinco minutos são suficientes". Depois, escorre-se bem e reserva de parte, "porque é preciso colocar o leite ao lume, com a casca de limão e o açúcar, a que se junta então a aletria." Deixa-se cozer. "Quando estiver cozida tira-se do lume e junta-se-lhe a manteiga e as gemas já batidas. A seguir, o preparado volta à chama, pois convém que os ovos passem. No final escolhe-se a travessa, deita-se a aletria e polvilha-se com canela."

Nesta noite é ainda tradição comer-se o denominado Bacalhau da Consoada, mas quem é que não sabe cozer bacalhau, batatas, ovos e couve portuguesa, que ainda quentinho se rega de bom azeite (que o temos por todo o Portugal) e vinagre, além de alho picado, só para quem gosta.

Outra das especialidades natalícias são as Rabanadas, que Augusta ainda faz como a mãe lhe ensinou: "Guarda-se um pão do dia anterior, prepara-se uma tigela de leite, quatro ovos, 250 gramas de açúcar, canela, casca de um limão, a frigideira e uma noz de baunilha. O leite vai a ferver com duas colheres de sopa de açúcar, a casca do limão e a baunilha. Entretanto, batem-se os ovos inteiros e corta-se o pão às fatias, que logo de seguida se passam pelo leite e pelos ovos. O azeite para fritar já deve estar quente. Fritam-se uma a uma e colocam-se a escorrer em papel absorvente, que antigamente era pardo. Ainda quentes, polvilham-se com calda de açúcar. Depois, é comer e chorar por mais."

Da Roupa Velha não vale a pena fazer grandes tiradas, já que ela se faz dos restos da Consoada, ou seja, do bacalhau, da couve e das batatas que sobraram e são cortadas aos bocadinhos, sendo depois tudo passado pelo azeite, onde previamente se alouraram alguns dentes de alho. Quando a mistura estiver quente está pronta. Não há nada mais rápido, nem simples.

Um pouco mais demorados são os Sonhos que Isilda faz em casa e nesta altura vende para fora. A receita que usa é aquela que a sua avó ensinou à mãe. "Começa-se por colocar à mão todos os ingredientes", diz sorridente. Primeiro a água, a equivalente a três chávenas, mais uma de farinha de trigo, seis ovos, uma colher de sopa de fermento de padeiro, azeite e uma colher de banha, sal, casca de limão, açúcar e canela.

"O primeiro passo consiste em colocar ao lume a água, com um pouco de sal e duas cascas de limão. E, quando esta mistura levantar fervura, baixa-se então a chama e junta-se-Ihe, toda de uma vez, a chávena da farinha de trigo. Mexe-se com uma colher de pau até a massa despegar e formar uma crosta fina no fundo do recipiente. Aí tira-se do lume. Junta-se então os ovos e o fermento de padeiro, revolve-se tudo muito bem até que a massa permita fazer uma bola, que se coloca a levedar. Eu faço-lhe depois, por cima, uma cruz e digo uma espécie de reza que minha mãe me ensinou, mas há quem não ligue a isso; contudo, a cruz é muito importante, porque é ela que nos dá a indicação que a massa está pronta a fritar, quando se desfaz. Assim, agarro em duas colheres que me ajudam a fazer pequenas bolas e deito-as no azeite a que juntei uma colher de sopa de banha. Por último, coloco os sonhos sobre papel absorvente e deito-lhes o açúcar e a canela. E, é tudo."

Nesta altura do ano consomem-se também as Filhós que já vimos com várias formas, porém, as que aqui trazemos são as que Maria Isabel faz com o feitio de uma estrela.

O utensílio que utiliza, ou seja, a forma, parece ser antigo e muito usado. E, não é para menos, pois diz que foi "comprado numa feira em Manteigas, quando ainda andava na Escola Primária". Todavia, como nos explicou, "a preparação das filhós é igual, só o feitio é que muda". E, para fazer uma travessa delas, Maria Isabel usa 500 gramas de farinha, cinco ovos, duas laranjas, uma colher de sopa de açúcar, vinho do Porto e água.

"A farinha deve apresentar-se muito fininha; por isso continuo a peneirá-la como se fazia antigamente, quando chegava a nossas casas mais grada. Depois junto o sal, o açúcar e a água suficiente para conseguir uma massa mole e maleável, a que adiciono as gemas, a raspa da casca das duas laranjas e o cálice de vinho do Porto. Deixo então a massa a repousar. A seguir bato as claras em castelo e incorporo-as na massa. E, começa a parte mais aliciante das filhós, que é a sua fritura. Primeiro mergulha-se a forma com o feitio de estrela no azeite ou em óleo bem quente, deixa-se escorrer bem, quando escorrida mergulha-se a forma na massa, até meia altura, ou seja, sem que a massa cubra a forma. Tira-se então e mergulha-se no azeite, sacode-se um pedacinho para a massa despegar. Esta fica a boiar. Quando estiver lourinha tira-se, escorre-se e serve-se polvilhada de açúcar e canela." Maria Isabel confessa a rematar a receita, "que antigamente todos os anos fazia filhós", contudo, desde que os filhos casaram, só as faz quando estes anunciam que vão passar o Natal a casa.

Por último, temos o António Carlos que diz ter aprendido a fazer Bolo-Rei com "um reputado pasteleiro". Com 50 anos, este homem iniciou na sua casa uma verdadeira tradição que levou consigo do primeiro para o segundo casamento. É que a preparação da Consoada e das refeições do Dia de Natal sempre foram da responsabilidade das mulheres; no entanto, nesta época, António Carlos entra cozinha adentro, prepara tudo e faz dois bolos rei. Um que estará pronto no Dia de Natal; o outro só lá para as vésperas do Dia de Reis. Cada um dos bolos consome-lhe, aproximadamente, oito horas.

Para a sua realização usa em cada um, 100 gramas de açúcar, 750 gramas de farinha, 25 gramas de fermento de padeiro, 150 gramas de frutas cristalizadas, 250 gramas de frutos secos, raspa de laranja e de limão em dose q.b., 100 gramas de margarina, uma colher de sobremesa de sal, quatro ovos, um decilitro de vinho do Porto.

"O primeiro passo é colocar as frutas picadinhas a macerar no vinho do Porto.

Depois, dissolve-se o fermento em um decilitro de água morna, a que se junta depois uma chávena de farinha. Mexe-se bem e coloca-se a levedar entre 15 e 20 minutos. E, enquanto se espera, pode-se ir batendo a margarina com o açúcar, as raspas do limão e da laranja, juntando-lhes a seguir os ovos, um a um, e o preparado que ficou a levedar. Nesta fase revolve-se bem até que tudo esteja ligado, deita-se então o resto da farinha e o sal. Agora é amassar... e amassar... e amassar até que a massa fique macia e bastante elástica, para que envolva bem as frutas, que entretanto se lhe misturam. Faz-se então uma bola com a massa, que se polvilha de farinha. Tapa-se. E, deixa-se levedar durante cinco horas. Quando a massa tiver duplicado de volume, coloca-se sobre um tabuleiro e faz-se um buraco no meio. Deixa-se levedar mais uma hora. A seguir pincela-se esta grande rosca com gema de ovo e enfeita-se com as frutas cristalizadas e os frutos secos. Entretanto, quando o forno estiver bem quente, coloca-se o bolo a cozer. No final, em jeito de acabamento, pincela-se o bolo com geleia diluída num pouco de água quente." Conforme António Carlos, "não é difícil fazer um bolo-rei, mas é, sem dúvida, demorado".

Para Arminda, alentejana a viver em Lisboa, o Natal na cidade tem menos graça que os passados nas zonas rurais. "As árvores de Natal abrem-se em casa como os chapéus-de-chuva e os presépios compram-se completos e prontos a armar. No campo não. Tínhamos as figuras e todo o resto íamos buscá-lo à Natureza, desde as pedras para fazer a gruta até ao musgo. O pinheiro era cortado lá para a banda da courela. Depois, havia a matança e toda a azáfama inerente ao acto que englobava também a distribuição das carnes pelos familiares, que já se juntavam para os festejos de Natal."

No que toca à gastronomia natalícia, Arminda afirma que cozinha o que qualquer família portuguesa prepara, "talvez com uma excepção a minha deliciosa Sopa Dourada, que aprendi em Estremoz. O modo de a fazer é tal qual o que me ensinaram, contudo fiz algumas adaptações em termos das proporções de certos ingredientes, caso do açúcar e dos ovos. Sei que lhes reduzi a quantidade, mas a esta distância já não me recordo das anteriores. Seja como for, fica boa, cá em casa toda a gente gosta. Assim, ponho-lhe 500 gramas de açúcar, 350 gramas de pão-de-ló, dez gemas de ovos e canela em pó. Primeiro levo o açúcar ao fogo, mais ou menos com três decilitros de água. Deixo ferver até obter o chamado ponto de cabelo. Entretanto, previamente, cortei o pão-de-ló às fatias que passo pela calda de açúcar. E, vou-as colocando muito direitinhas e com jeito numa travessa. Depois, junto à calda mais um pouco de água e volto a esperar que ferva e atinja então o chamado ponto de pérola, altura em que está boa para se juntar às gemas que, neste caso, para quem não sabe, se cortam somente com uma faca e não se batem. Levo tudo ao fogo para engrossar. Quando a mistura começa a parecer-se com ovos-moles tiro-a do fogo e deito-a por cima das fatias. Depois, por causa dos gostos, em metade ponho canela, na outra não ponho."

Natal nota a nota

A existência de lírica, de teatro religioso e de canções ligadas à quadra do Natal e dos Reis tem sido permanente na Península Ibérica desde a Idade Média, segundo Nair Alexandra, presente no VIII Congresso Internacional "A Festa", que já acima citámos. E, entre nós, durante anos, apresentou-se, em algumas localidades, o denominado" Auto do Natal", cujos actores recreavam o nascimento do Menino Jesus. Esta peça, devidamente encenada por populares, envolvia todas as figuras do presépio, incluindo os animais vivos, nomeadamente, o burro, a vaca e as ovelhas.

No que toca a canções de Natal, encontrámos algumas que ainda se entoam por todo o País. Contudo, notámos que em certas regiões as rimas sofreram pequenas adaptações, em nosso leigo entender, com o intuito de as aproximar das formas de linguagem locais, como é o caso de "Ao Deus Menino", cantado no Alentejo.

Do conjunto das canções entoadas por esta altura deixamos o registo daquela que talvez seja uma das mais populares entre todos os portugueses: "Natal de Elvas".

NATAL DE ELVAS

Eu hei-de dar ao Menino
Uma fitinha pró chapéu
E ele também me há-de dar
Um lugarzinho no céu.
 
Olhei para o céu
Estava estrelado
Vi o Deus Menino
Em palhas deitado.
Em palhas deitado,
Em palhas estendido,
Filho duma rosa,
Dum cravo nascido!
 
No seio da Virgem Maria
Encarnou a divina graça;
Entrou e saiu por ela
Como o sol pela vidraça.
 
Arre, burriquito,
Vamos a Belém,
A ver o Menino
Que a senhora tem;
Que a senhora tem,
Que a senhora adora
Arre, burriquito,
Vamo-nos embora.


O «Presépio»

Arranjo gráfico a partir de uma pintura de António Galvão.

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