A casa da quinta onde Soror Mariana
Alcoforado terá nascido (fala-se também num palacete na Rua do Touro) e
na qual de certeza viveu durante a infância e adolescência com os pais
e os irmãos, antes de entrar como noviça para o Convento de Nossa
Senhora da Conceição, em Beja, poderá vir a transformar-se em breve em
Museu (ou sede de uma Fundação com o seu nome) por iniciativa do
proprietário do antigo morgadio, Artur Pais, até há pouco presidente do NERBE (Núcleo Empresarial da Região de Beja) e actualmente
vice-presidente da AIP (Associação Industrial Portuguesa).
A biografia de Soror Mariana AIcoforado
(1640-1723), e a autoria das "Cartas Portuguesas", que lhe deram fama
universal, têm sido motivo de permanente e acesa controvérsia desde que
o livro foi publicado em Paris, no já longínquo ano de 1669, com o
título original de "Lettres Portugaises", e ainda agora não são
consensuais (aliás qualquer personagem ou facto histórico constituem
por regra elementos dinâmicos em permanente mutação), mas quase dois
séculos decorridos poder-se-á escrever sem grande margem de risco que o
destinatário das famosas epístolas foi Noël Bouton, que se intitulava
Marquês de Chamilly Saint-Léger. Era oriundo de uma família nobre da
Borgonha, militar de profissão, e tomou parte nas Invasões Francesas,
tendo integrado as tropas napoleónicas comandadas pelo General Junot que
estiveram a combater no Alentejo.
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Soror Mariana Alcoforado |
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O Marquês de Chamilly |
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Soror Mariana imaginada por Matisse. |
Por detrás das grades do Convento,
Mariana tê-lo-á visto, garboso na sua farda prateada, e apaixonou-se. É
incerto, mas não impossível, que se tivesse chegado a encontrar, como a
então monja "clarissa" deixa entender num das suas acaloradas e
veementes missivas: "Demasiado sei eu que todas a emoções, que em mim se
apoderaram da cabeça e do coração, eram em ti despertadas unicamente por
certos prazeres e como eles, depressa se extinguiam. Precisava nesses
deliciosos instantes chamar a atenção em meu auxílio para moderar o
funesto excesso da minha felicidade e me levar a pressentir tudo quanto
sofro presentemente." |
Ao regressar a França, um ano depois,
Chamilly remeteu-se ao silêncio e nunca terá respondido a nenhum dos
apelos da sua quase inacessível e incómoda apaixonada. Sabe-se, no
entanto, que Chamilly atingiu altos cargos no Exército, tendo falecido
em 1715, aos 79 anos.
No entanto, pelo forte halo romântico
que envolve a história de Soror Mariana e as cartas que escreveu (ou que
alguém escreveu por ela) numa altura em que as mulheres-escritoras, e
sobretudo no seu caso em que era freira, se poderiam contar pelos dedos
de uma das mãos, o seu nome continua a ser objecto de verdadeiro culto
um pouco por todo o Mundo, como acontece por exemplo no longínquo Japão,
de onde chegam a Beja numerosos "fiéis" que se prostram em pose quase
beatífica, de pleno êxtase, junto à janela que teria servido para Soror
Mariana olhar enamorada a figura varonil do jovem Cavaleiro de Chamilly,
algures em movimento ou parado no largo fronteiro ao vetusto mosteiro.
E foram igualmente muitos os pintores
(desde Henri Matisse, Modigliani a Vieira da Silva), aos romancistas,
poetas, dramaturgos e ensaístas que, nas suas obras, se inspiraram na
freira alentejana, aparecendo surpreendentemente nessa imensa lista,
Humberto Delgado, o também famoso, audaz e igualmente trágico "General
Sem Medo", autor de uma peça de teatro, apresentada em 2004 pelo Teatro
Experimental de Cascais, com encenação de João Vasco, e de um ensaio
sobre este pungente drama amoroso.
Um filão romanesco e bibliográfico, sem
dúvida inesgotável, que Beja legou para a posteridade e que esta Casa
/Museu (ou Fundação) irá em boa hora ajudar a perpetuar.
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