«Das águas do rio que tudo arrastam
todos dizem mal, mas ninguém acusa as margens que as comprimem.»
(Bertold Brecht)
Num poema célebre, Brecht, o dramaturgo alemão, denunciava desta forma a
interacção entre forças opressoras e oprimidas. Embora num contexto
diferente, obviamente uma alegoria política, esta frase poderia ilustrar
as relações entre a natureza e o homem.
Natureza, que ao longo dos tempos,
através de fenómenos naturais tem provocado devastações e tragédias. O
homem, que ora as tem contido, ora as tem ampliado com a sua insensatez.
É quase consensual que o homem é um
predador. Ou melhor, há um lado irracional, ignorante ou primitivo do
homem, mais facilmente levado à destruição do que á construção. E a
razão porque ainda não destruiu completamente o planeta, não será tanto
por falta dos meios necessários, mas pura e simplesmente, porque o outro
lado do homem, o racional, mais consciente dos perigos, o tem impedido.
É frequente os telejornais abrirem os
seus noticiários com imagens de catástrofes naturais, como tremores de
terra, tufões, chuvas torrenciais, etc., ilustradas pelo inevitável
rosário de tragédias pessoais e ambientais. Estas, ou são irreparáveis
ou acarretam uma lenta ou penosa reposição das condições primitivas.
Os mais ingénuos e conformistas são
induzidos a atribuir esses desastres apenas a causas naturais, a
situações que sempre terão existido, algumas bem mais graves do que as
actuais. Sabemos que não é assim. As designadas catástrofes naturais têm
hoje causas cada vez menos naturais e cada vez mais artificiais. É
inegável o aumento da sua frequência, da diversidade de lugares onde
sucedem e da sua escala ou amplitude.
O maior drama é, contudo, a escala
universal desses fenómenos, cujas causas estão, por vezes a milhares de
quilómetros de distância dos locais de origem. Por exemplo, só os EUA, o
país mais gastador de energia e simultaneamente o maior poluidor são
responsáveis por 40% do aquecimento global do planeta, provocando assim
perturbações climáticas à escala planetária. Por acaso, ou talvez não, é
um dos poucos países que não assinou o Protocolo de Quioto sobre a
redução dos consumos energéticos.
O desleixo, o descuido, o egoísmo, a má
utilização das técnicas e ferramentas, de alguns, alia-se às catástrofes
naturais para as agravar e elevá-las a níveis nunca antes imaginados.
Num mundo progressivamente superpovoado
e com alarmantes e irracionais ocupações de espaço, o território é um
bem cada vez mais escasso. É tanto mais importante quanto ele é o
principal suporte físico daquilo que se convencionou chamar muito
genericamente o ambiente. Assim, é fundamental garantir que esse recurso
é utilizado de forma racional, sendo o ordenamento do território um dos
meios mais poderosos de prevenção. Não só porque desta forma não se
agravam os fenómenos naturais, como porque com a "casa arrumada", se
evita o desperdício de energia, de espaço, de tempo, de custos, para não
falar já nas vidas humanas.
Apresentamos em seguida alguns exemplos
de catástrofes que, embora tendo na sua origem fenómenos naturais são,
de algum modo, criadas ou aumentadas por políticas de ordenamento do
território erradas ou mesmo inexistentes:
Excesso de deslocações de pessoas e
bens, provocados por uma errada localização de construções.
Esta é talvez uma das principais
consequências do mau ordenamento do território: a construção das
habitações afastadas dos locais de trabalho, como acontece nas áreas
metropolitanas, onde os empregos se situam em áreas centrais e as
pessoas vivem em dormitórios, nas periferias. Isso provoca inúmeras
deslocações diárias, alternadamente num e noutro sentido, nas chamadas
horas de ponta, com grandes desperdícios de tempo, de combustível, de
dinheiro e até graves danos para a própria saúde.
Cheias e devastações, provocadas por
construções em leitos de cheia.
As boas regras urbanísticas impedem as
construções em vales ou linhas de água de antigas ribeiras, mesmo que
hoje estejam secos. As razões são evidentes. Em poucos instantes, chuvas
torrenciais podem provocar uma poderosa vaga que tudo arrasta, pois o
seu curso natural se encontra cheio de obstáculos. São esses os locais
que os técnicos evitam para a construção legal. Não é por acaso que as
casas arrastadas pelas cheias são normalmente clandestinas.
Derrocadas com origem em construções em
terrenos demasiado inclinados ou escorregadios.
Os escorregamentos de terras têm
normalmente as mesmas origens das anteriores. As águas superficiais ou
infiltradas encarregam-se de, aos poucos, arrastarem as frágeis terras
que suportam essas casas, minando o subsolo até chegarem ao ponto
crítico da ausência de apoios, com a inevitável derrocada.
Derrocadas e destruições provocadas por
construções deficientes.
Embora a lei Portuguesa contemple a
obrigatoriedade das normas de construção anti-sísmica, muitas
edificações ainda continuam a não ter as condições mínimas exigidas. Se
a isto acrescentarmos as deficientes condições da maior parte das
infra-estruturas que as servem, o quadro ainda se toma mais negro. Não
admira por isso que sismos de pequena ou média magnitude se transformem
muitas vezes em catástrofes de sérias dimensões.
Secas e desertificações.
Têm diversas origens, como por exemplo, os incêndios nas florestas, as
culturas extensivas inadequadas, etc. As razões vão desde a falta de
prevenção, limpeza, incúria das populações, até à tomada de decisões
políticas erradas. Os excessivos consumos de águas de rios pelo excesso
de construções, quer de aglomerados habitacionais, quer industriais, ao
longo das suas margens, é também um exemplo comum, embora menos
conhecido. Mas talvez o mais grave dos motivos sejam as alterações
climáticas, cujas causas descreveremos adiante.
Localização errada de fábricas, dentro
ou próximo de aglomerados. O
crescimento em mancha de óleo de muitos aglomerados deixou no seu
interior muitas unidades industriais que, na origem, estavam na
periferia. Sem a filtragem dos gases, essas fábricas provocam, ao longo
dos anos, chuvas ácidas e outras formas de poluição do ar, como por
exemplo, sucedia no Barreiro e outros locais até há pouco.
Alterações climáticas provocadas por
políticas energéticas erradas e consumos excessivos,
pela utilização em excesso de energias poluentes, em detrimento de
energias alternativas, como a do vento e a do sol. Um recente relatório
refere o aumento do dióxido de carbono e outros cinco gases, libertados
para a atmosfera sem controlo, como os grandes responsáveis pelo
aquecimento global do planeta. Este aquecimento, por sua vez, será
responsável pelo brusco degelo dos pólos, por seu lado o principal
causador das chuvas torrenciais, da subida do nível dos mares e muitos
outros fenómenos, que ameaçam a vida de milhões de pessoas. Este consumo
irresponsável de energia a nível mundial cifra-se hoje em 80 milhões de
barris de petróleo por dia.
Falta de tratamento de resíduos.
Os resíduos, orgânicos ou industriais, constituem hoje um dos maiores
problemas, devido ao superpovoamento e incontrolada ocupação do
território. Desde o seu lançamento por unidades industriais mal
localizadas, directamente para rios, provocando a contaminação de águas,
quer subterrâneas, quer superficiais, até as lixeiras a céu aberto,
junto de aglomerados, tudo contribui para a degradação do ambiente, a
falta de qualidade de vida das populações e até mesmo o aumento das
doenças.
Os depósitos de lixos tóxicos ou
nucleares, criminosamente lançados nos mares a esmo ou "criteriosamente
vendidos" a países pobres, são uma fonte de contaminação de espécies
marinhas ou terrestres, fundamentais na alimentação humana.
Através dos exemplos dados, julgamos ter
deixado bem clara a importância de um correcto ordenamento do território
nessa batalha por um ambiente melhor.
Importância essa que, no nosso País, a
lei consagra já hoje de forma inequívoca em vários diplomas. Apesar do
muito que ainda há por fazer em matéria de educação, de controlo e
fiscalização, de respeito pela lei. Isso mesmo se pode constatar no
exemplo que se apresenta em seguida, um extracto do Preâmbulo do DL n.º
380/99, respeitante ao ordenamento do território:
«São delimitadas (neste diploma) as
responsabilidades do Estado, das autarquias locais e dos particulares,
relativamente a um modelo de ordenamento do território que assegure o
desenvolvimento económico e social e a igualdade entre os portugueses no
acesso aos equipamentos e serviços públicos, num quadro de
sustentabilidade dos ecossistemas, de solidariedade inter-gerações e de
excepcionalidade, face ao desaparecimento de pressão demográfica dos
anos 60 e 70, da transformação do solo rural em solo urbano.»
Como afirmámos no início, se é ao homem
(a alguns homens) que devemos as sacar a responsabilidade pela
degradação progressiva do ambiente deste planeta, é também no homem
(certamente outros homens), que reside ai esperança para impedir que
esse suicídio colectivo seja consumado. |