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O barco moliceiro
Domingos José de Castro (págs. 9 a 22)

  Reprodução do desenho de Domingos José de Castro, pág. 9.  
 

Aspecto inicial e corte do barco moliceiro.

 

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O Barco Moliceiro é o tipo de embarcação destinada à colheita e transporte da vegetação da Ria de Aveiro, ocupação conhecida pelo termo popular de apanha do moliço, e serve eventualmente ao transporte de mercadorias ou gado. A área geográfica da sua actuação abrange toda a superfície da Ria desde Ovar a Mira, variando as suas dimensões conforme as zonas onde navega.

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De um modo geral regulam, respectivamente, por 15 metros de comprimento, e medem entre as cavernas de água, ou seja na sua maior posse, 7,50 m.

De costados muito baixos, particularidade que muito facilita a colheita e o carregamento, estes barcos são, também, sensivelmente abertos, medindo de boca 2,50 m. Têm, de pontal, 1 metro, e 21 cavernas, a maior das quais muito chegada para o lado da proa. A sua deslocação anda por 5 toneladas.

De fundo plano e de pequeno calado, em consequência da pouca profundidade de muitos pontos da Ria e de seus canais, onde a natureza dos fundos, com frequentes bancos de areia, impede a navegabilidade a barcos de quilha, concorre, também, essa característica para a facilidade na arrumação do moliço e nos respectivos trabalhos da descarga.

Reprodução do desenho de Domingos José de Castro, pág. 10.
Nomenclatura do barco moliceiro

Construído em madeira de pinheiro — espécie que povoa grande parte da região — leva ordinariamente 25 dias a construir, por 2 homens, e resiste, em média, sete anos ao serviço. A cor do costado é, inicialmente, amarelada por efeito do embreamento a pez louro donde sobressai a cinta embreada a pez negro; mas logo que sofre a primeira amanhação para o que geralmente se aproveita a época do defeso, o costado é totalmente embreado a pez negro, menos oneroso e mais eficiente na sua vedação e protecção. Exceptuam-se, evidentemente, neste segundo aspecto, os painéis da proa e da ré que, apesar de reparados, conservam o mesmo carácter decorativo. /.../

Os meios de propulsão do barco moliceiro são: a vela, a vara ou a sirga, que os tripulantes traduzem por meio dos termos popularizados de "andar à vela, andar à vara e andar à sirga".

No primeiro caso, que é o meio de propulsão habitual do barco, a vela é de formato trapezoidal e usualmente de lona, com a superfície média de 24 metros quadrados. Para o seu manejo tem, em primeiro lugar, a verga, vara de "pinho" com o comprimento de 4 metros onde, por meio de "cordéis" que se chamam envergues, se prende a vela içando-a em seguida com o cabo ostaga até à extremidade do mastro — que é desmontável e da mesma qualidade, com a altura de 8 metros em regra, — onde fica transversalmente; outros dois cabos, troça e amura — prendem-na, respectivamente, na parte superior e inferior daquele.

Reprodução do desenho de Domingos José de Castro, pág. 10.
Nomenclatura do barco moliceiro

Através dos ilhós abertos nas costuras do pano, a que chamam rizes, passam pequenos cabos que têm o mesmo nome, e servem para a redução da superfície da vela. Para orientar o barco de modo a ganhar barlavento, têm o bolinão, cabo que vem prender-se no moitão da bica da proa; e para obter maior ou menor velocidade, serve-se o arrais de outro cabo, que se chama escota, com o qual, ao largar ou retesar, consegue dar respectivamente, mais ou menos pano à embarcação que chega a atingir andamento pouco vulgar em barcos de vela, mesmo à popa, bolinando também com extrema facilidade.

A escota vem prender-se a um varão fixado interiormente por estibordo da ré; este varão arma na respectiva fêmea colocada a bombordo em local correspondente; fora das ocasiões desta serventia, e com o fim de facilitar a / 14 / passagem aos tripulantes, arma, então, numa outra fêmea que se vê, também, a estibordo.

Reprodução do desenho de Domingos José de Castro, pág. 11.

Reprodução do desenho de Domingos José de Castro, pág. 13.

Tanto a altura do mastro como a exagerada elevação da vela têm, como imediato objectivo, alcançar vento de cima, especialmente quando atravessam os canais da Ria ou a parte navegável dos Rios Vouga ou Águeda. Nas romarias fluviais, /.../ as velas aparecem com um aspecto festivo de gracioso efeito e originalidade, realizado por meio de aplicações multicores e desenhos recortados, onde predominam cruzes e vasos floridos, entre outros, de curiosa inspiração. /.../

Eventualmente usam à proa um outro pano mais pequeno, de tipo e qualidade igual, o traquete que armam por meio de verga no mastaréu. Este pequeno mastro também de "pinho" ajusta-se na reentrância da vertente do castelo, onde se vê um argolão que serve simultaneamente para sua segurança e para calcar o traquete.

Reprodução do desenho de Domingos José de Castro, pág. 15.

Com frequência adoptam, porém, a pá da borda, ou toste, que lhes serve de quilha quando bolinam. É colocada no bordo do barco, por sotavento, meio mergulhada e segura por cordas que a partir de ambos os orifícios abertos na sua extremidade superior vão enlaçar-se na parte inferior do mastro.

Cada embarcação possui três tostes, qualquer delas de "pinho" e encabeçadas, com o comprimento de 2,30 m, mas entre si com a largura 0,70 m., 0,80 m. e 1 metro. /.../

   
 

Aplicação da pá da borda, ou toste...

 

Estas tostes dão, também, serventia de prancha; os tripulantes atravessam-nas no barco, de bordo a bordo, e andam sobre elas durante a apanha do moliço, o que lhes facilita a manobra com os ancinhos; com este fim um dos lados é aparelhado com breu pulverizado de serradura para lhes evitar o escorregamento.

O segundo sistema de propulsão conseguem-no os moliceiros por meio de varas de "pinho", de 4 a 6 metros, que firmam no fundo e empurram a peito, descalços, em repetidos passeios desde a proa até próximo da ré; para esse efeito, o castelo da proa e os bordos vêm do estaleiro aparelhados pela mesma forma das tostes, com breu e serradura.

   
 

Pormenores da deslocação por meio de vara.

 

Por último, a deslocação por meio da sirga, cabo de sisal ou esparto de 0,025 m de espessura, verifica-se, especialmente, na passagem dos canais mais estreitos ou junto das margens da Ria, sempre que navegam contra a maré ou contra o vento, e tem por fim apressar a sua condução em tais circunstâncias. Urna das extremidades da sirga é amarrada aos golfiões e a outra leva-a o respectivo tripulante, que segue a pé pela margem.

Há ainda outra modalidade de condução pela sirga usada em plena Ria, longe das margens: prendem-na numa das extremidades do xarolo, fazem-na passar, seguidamente, pelo moitão da bica da proa e amarram-na por fim na outra extremidade do mesmo. Daqui resulta que ambos os tripulantes podem, ao mesmo tempo, trabalhar com as varas ou com os ancinhos dispensando-se um deles no leme que, por este modo, governam de qualquer ponto onde se encontrem. /.../

/ 15 / O barco moliceiro trabalha sempre de dia, e só excepcionalmente de noite, quando vai recolher a vegetação nos cabeços descobertos pela baixa-mar. Nalgumas localidades leva a reboque um pequeno barco de 3 metros de comprimento, /.../ a que chamam matola ou ladra, manejado à vara, e utilizado para o carregamento do moliço colhido em locais onde não possa chegar o moliceiro, como por exemplo, nalgumas praias ou sítios de pouca profundidade./.../

A tripulação de cada barco compõe-se de dois homens ou de um homem e um rapaz; em qualquer dos casos, patrão e moço. As suas atribuições confundem-se, porquanto um como o outro podem exercer simultaneamente as mesmas funções; / 16 / enquanto um retira os ancinhos e arruma o moliço nas cavernas, o outro governa o leme e manobra a vela com admirável perícia, na condução do barco em zigue-zague pelas zonas de maior abundância de vegetação, para o afastar dos pontos de menor profundidade e evitar a possibilidade de um encalhe. Mas, se o vento está de feição, trabalham então ambos nos ancinhos, repetindo-se, quanto ao leme, a utilização da sirga já citada.

Os dias mais penosos são os de calmaria; a deslocação só pode realizar-se à vara e, como logicamente se deduz, a colheita resulta muito menor pela dispersão de trabalho dos tripulantes a que esta circunstância obriga. /.../

O ponto mais elevado da proa e da ré do moliceiro termina por uma peça recurvada que, possivelmente inspirada no bico de certos palmípedes, se designa pelo nome de bica, termo generalizado em toda a Ria. É articulada por meio de uma dobradiça que lhe permite reduzir a altura toda a vez que o barco, conduzido à vara, tenha de passar sob qualquer ponte baixa. /.../

No seu prolongamento inferior, e já sobre a cobertura do castelo da proa, elevam-se duas peças de madeira, diametralmente opostas, com as dimensões de 0,22 m. de altura por 0,06 m. de largo e 0,08 m. de espessura, que se designam pelo nome de golfiões e servem, simultaneamente, para amarração da sirga, descanso dos ancinhos, das varas, da fateixa ou do respectivo cabo, quando fundeado o barco.

Nas extremidades do costado, à proa e à ré, por ambos os bordos, situam-se os painéis decorativos e respectivas legendas; um pouco mais aquém, do lado da proa, a inscrição do número de matrícula pintado a branco sobre um rectângulo preto, inscrição que também é de uso legal trazer na parte superior da vela.

Por estibordo, junto à cinta da embarcação e anteriormente ao painel da proa, vê-se uma peça de madeira, de configuração uniforme em todos os barcos, conhecida pelo nome de orelha; acima desta e fixada na própria cinta há uma pequena corrente de 0,30 m. que termina por um gancho adaptável a uma argola igualmente fixada na mesma à distância de 0,20 m. aproximadamente. Esta peça, no seu conjunto, tem a dupla serventia de prender o barco ao moirão e evitar que este danifique o costado pejo atrito resultante da agitação das águas. Este moirão não é mais do que uma simples vara, ou estaca de "pinho" com 4 a 6 metros de comprimento por 8 centímetros de diâmetro, que se fixa ao fundo em qualquer local onde pretenda deter-se a embarcação.

   
 

Utensílios da baldeação: o lambaz e o escoadoiro.

As falcas.

 

No extremo da ré, o leme, de grandes proporções, é atravessado na parte superior por uma vara conhecida pelo nome de xarolo; nas extremidades desta vara de "pinho", com 2 metros de comprimento médio, prende-se a sirga pela forma anteriormente referida; um pouco abaixo deste local costuma o construtor desenhar, por ambos os lados, a sua divisa colorida.

No prolongamento da linha de contorno do leme, encontra-se a meia altura uma reentrância designada com o curioso nome de chança, recorte de simples / 17 / efeito decorativo generalizado nestas embarcações.

   
 

Serventia da tamanca e da forcada.

Utensílios domésticos de bordo.

 

No interior do barco, o castelo da proa, aparentemente desprovido de interesse, tem significação e tem utilidade. Inteiramente coberto e fechado com porta e chave, serve de câmara de tripulantes e de paiol de mantimentos. /.../ Abrem-lhe a porta e ali se deitam sobre esteiras nas horas de folga ou nas noites de estágio na Ria. A cada um dos lados, a meia altura, duas prateleiras, a que dão o nome de cheleiras, pelas quais distribuem os mantimentos, os utensílios domésticos e a roupa da proa; na cheleira de estibordo, logo à entrada, há uma pequena gaveta a que chamam portinhola, fechada com chave, para arrecadação dos documentos de bordo e algum outro objecto de maior valor.

Nas extremidades desta câmara, o pique, que é o seu ponto mais estreito, tem a serventia singular de arrecadar o pão e a vela do barco.

/ 18 / A cobrir as duas primeiras cavernas há um estrado dividido em duas partes iguais a que chamam painas, ajustadas no sentido do comprimento e ao mesmo nível do piso da câmara, como se fosse sua continuação. Este estrado tem a função de lareira; é ali, junto ao local da "habitação" e da "copa" que os tripulantes preparam e servem a sua alimentação quotidiana.

O castelo da ré, despido completamente de ornamentações, é preenchido por um espaço, coberto com tampa móvel e fechado à chave, espécie de degrau alteado que serve de assento ao arrais e se designa pelo nome de entremesa; serve ao acondicionamento do barril da água e arrecadação das forcadas e tamancos que adiante se referem.

Por detrás deste assento, na parte mais estreita e elevada da ré, há um outro compartimento, também de cobertura móvel, sem chave, onde se deposita o sal para consumo de bordo.

Num espaço semelhante ao ocupado na proa pelas painas há, na ré, sob o lugar do arrais, um estrado a que chamam paneiro, peça inteiriça, excepto a última tábua a que dão o nome de costaneira volante, desligada com o propósito de facilitar o seu levantamento.

É bem singular toda a distribuição interior deste pequeno barco, onde nada esquece, nem mesmo a apropriada lanterna em folha com vela de estearina, única iluminação de bordo em qualquer ocupação nocturna.

E, mais tarde, quando inutilizado para as funções que exerce, ainda lhe aproveitam o madeiramento para o fogo das lareiras; só lhe poupam apenas, algumas vezes, para a excêntrica serventia de galinheiro, cortelho ou canil, a parte monumental: o seu castelo da proa. /.../

A construção dos barcos moliceiros /.../ é uma indústria tradicional que só existe nesta região, especialmente nos concelhos da Murtosa e Ílhavo, tão tradicional que se verifica a hereditariedade na profissão, encontrando-se famílias de construtores que se sucedem desde longínquas datas. /.../ Por entre centenas de embarcações do mesmo tipo, as que mais se excedem em pureza de linhas e beleza de aparato são, fora de dúvida, procedentes dos estaleiros da Murtosa.

Arte vinculada que honra a profissão.

   
 

Aspectos de um estaleiro.

 

Os estaleiros, ao contrário do que seria natural supor, são sempre no interior das povoações, distanciados da Ria; daqui resulta a condução do barco para a margem, ornamentado com galhardetes ou bandeirinhas de cores variadas, que o barqueiro arvora nas duas bicas em pequenas hastes provisórias, rematadas com ramos de flores silvestres, carreado sobre duas zorras, que têm o aspecto dos pequenos carros da lavoura, tiradas a três juntas de bois.


Condução de um barco moliceiro para a Ria.

Esta a sua primeira apoteose.

Apetrechados com a utensilagem apropriada às construções, e a laboriosa imaginação dos seus mestres, nada falta desde o mais insignificante instrumento até à mais formal disciplina nestes estaleiros magos, — oficinas-presépios dum / 19 / apostolado profissional que data de séculos e é sempre juvenil.

Para exprimir o lançamento de qualquer barco à água, emprega-se nesta região o termo popular de bota-abaixo. Pela forma anteriormente referida, o barco é conduzido à Ria onde entra até o ponto marginal indicado para o seu lançamento; desatadas as cordas que ligam as duas zorras entre si, é retirada primeiramente a zona de vante puxada pelo próprio gado e, em seguida, a da ré, retirada a pulso pelos homens que a acompanham, pelo que fica desde logo o barco a flutuar. Dali é então conduzido à vara para junto do cais, onde recebe a aparelhagem náutica e o equipamento completo para a apanha do moliço.

O lançamento efectua-se inalteravelmente aos sábados, regra-geral observada seja qual for o dia em que se haja completado o seu acabamento. Pois este lindo / 20 / barco, de linhas harmoniosas e sugestiva decoração, que é o encanto da Ria e o principal modo de vida das populações marginais, nasce duma pequena vara, "uma varinha mágica" quadrangular, de 0,020 m de face, na base, até 0,015 m na extremidade, conhecida pelo nome simples de pau dos pontos, que, no seu metro e meio de comprimento, tem marcadas por incisão todas as dimensões que orientam o mestre em qualquer embarcação que constrói; uma curiosa régua rudimentar de cálculo que é, por assim dizer, ao mesmo tempo, planta, alçado, risco e projecção, e tem por imediato auxiliar um cordel qualquer e nada mais.


Barcos abicados no Cais do Bico (Murtosa – Ria de Aveiro).

A fotografia acima publicada, colhida no Cais do Bico (Murtosa), mostra um interessante friso de moliceiros abicados; para este fim serve a fateixa, espécie de âncora de quatro braços, dois dos quais são enterrados, para segurança, no próprio areal.

No que propriamente respeita a decorações, trabalho de embelezamento que o caracteriza entre todas as embarcações do País, a parte monumental do barco é, evidentemente, a proa. Ali se reúnem as principais figuras que são o símbolo dos elementos mais em contacto com a ocupação profissional, decompostos em curiosas expressões geométricas. O movimento das águas, expresso por uma faixa ondada, intercalada com fragmentos de moliço, tem preferência que pode dizer-se geral, no friso superior que remata na bica; seguem-se-lhe as conchas, duas filas verticais, paralelas, de semi-círculos, alternados na sua disposição.

Estes, os atributos marítimos evocados, compreensivelmente, na extremidade da proa. Do lado oposto, os frisos que limitam este mesmo painel no seu prolongamento pelo costado, cedem lugar aos elementos campestres, as flores, especialmente as de maior predilecção popular.

Ao centro do painel — lugar de honra — aparece quase sempre um monarca ou uma figura equestre; em volta desta algumas plantas floridas a preencher os espaços disponíveis.

Esta parte central do painel é sempre sublinhada por uma legenda, ou dístico, relacionada ou não com o motivo desenhado, e noutras vezes a indicar apenas o nome do construtor do barco, local e data da sua construção. De uma maneira geral, pode mesmo dizer-se sem excepção, nenhum desenho se repete quer por bombordo quer por estibordo; são sempre quatro iluminuras, diferentes entre si no desenho, no colorido e na própria legenda que as sublinha. /.../

As cores habitualmente empregadas na composição destes painéis são as que mais impressionam a retina: o azul, amarelo, verde, vermelho, preto e branco; as gamas intermédias só num ou noutro pormenor aparecem. /.../ A variedade dos painéis, que é infinita, pelo que revela de simbólico, de espirituoso, de popular, constitui uma preocupação do decorador que os realiza espontaneamente sem qualquer interferência dos proprietários das embarcações.

A diferença de construção em relação à proa, limita, na ré, o espaço para as decorações que por esse motivo não se prolongam da mesma maneira, apesar de tratadas com igual cuidado. É precisamente nestes painéis da ré que se revelam os / 21 / mais sugestivos desenhos e as legendas mais espirituosas, o que parece querer compensar em expressão o que reduz em espaço. Têm aqui larga representação as imagens da devoção popular, militares, raparigas e galãs, as profissões regionais, etc.

Citam-se em seguida, pela ordem da sua frequência e com a ortografia usual que na maioria dos casos resulta da própria dicção, alguns exemplos dessas legendas distribuídas pelas espécies em que se estabelece, divide e resume a natureza dos desenhos dominantes:

  EXPRESSÃO USUAL   EXPRESSÃO CORRECTA  
         
            Satíricas      
  As mulheres querce gordas   As mulheres querem-se gordas.  
  E um pexão   É uma formosa mulher.  
  Este vai todo teso   Este vai todo janota.  
  Est' aqui mais num e prati   Está aqui mas não é para ti.  
  Num me toques que me dezafinas   Não me toques que me tentas.  
         
            Românticas      
  Os dois namurados   Os dois namorados.  
  Eu querote amar   Eu quero-te amar.  
  Dame um beijo amor   Dá-me um beijo, amor.  
  Nao negues o que te pesso amor   Não negues o que te peço, amor.  
         
            Profissionais      
  Bamus la para o rio   Vamos lá para o rio.  
  Corre que leva lerpas   Corre que leva pressa.  
  O galo da Ria de Aveiro   O galo da Ria de Aveiro.  
         
            Profissionais      
  Ora bamos la cum Deos   Ora vamos lá com Deus.  
  Sinhora da saudi   Senhora da Saúde.  
         

E assim por diante, interminavelmente, cada painel sua legenda.

O castelo da proa, no seu pormenor gracioso de ingenuidade, expressivo, original, é uma rubrica complementar no carácter decorativo deste pequeno barco. Um friso floral na vertente do castelo; nos golfiões, respectivamente, um galã e a namorada; na base da bica um vaso com uma planta florida, e eis tudo, mas o bastante para exteriorizar a caprichosa imaginação do decorador que na maioria dos casos é o próprio mestre barqueiro.

 

 
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