Costa e Melo, Gente de Toga, Beca e Capinha (Fogachos da lareira forense), CMA, 2000, pp. 71 a 74.

O Luís Regala

Quando, já lá vão mais de cinquenta anos, eu vim para Aveiro, já ele por cá navegava, e bem, a pedir Justiça nos dois Juízos do Tribunal, como se eles fossem canais da sua Ria de Amor onde as tainhas ainda brincavam em loucas correrias e as duas pontes eram palco e camarote de cenas diferentes consoante os hábitos dos seus frequentadores. / 72 /

Era, de certo modo" o menino bem" do foro aveirense a que dava o tom poético da sua "Lavallière" negra e a fama que de Coimbra trouxera como Poeta de inspiração.

Morreu novo, ainda, mas sabe bem recordá-lo naquelas suas variadas facetas de "cagaréu do Alboi", apaixonado, quase doentio, dos xailes de merino das tricanas do tempo que lhe serviam de musas da sua inspiração fácil e nem sempre meramente contemplativa.

Era dotado de um temperamento quase tímido, embora essa timidez não se fizesse sentir na profissão que abraçara e sabia desempenhar, sobretudo no crime onde sempre aproveitava, a preceito, a eloquência das suas frases e voz, ao ponto de poder dizer-se ser capaz de conseguir a absolvição de um Landrú ou João Brandão a quem honrasse com a coroa de apaixonado por uma Deusa qualquer, que tanto podia ser uma Natércia como um saco de libras bem atolhado.

Apesar de toda aquela natural finura e suavidade das palavras, não enjeitava, apesar de crente, os poderes demoníacos de qualquer anjo tresmalhado. Lembro-me da figura tentadora de um Mefistófeles vermelho que sempre o olhava do alto da estante onde os códigos alinhados marcavam posição. E disse-lho, um dia que lá fui e deparei com aquele ídolo de contradições. Respondeu-me que o ajudava muito pois nem sempre era possível filtrar o cliente...

Senti-o várias vezes a meu lado nas lutas pela Liberdade, quer assinando panfletos ou manifestos, quer, mesmo, dando o nome, nem sempre a presença, para confraternizações ou comícios em que Aveiro procurava não desmentir a avoenga dos supliciados do 16 de Maio.

Mas é sobretudo como Poeta que quero recordar, nestas páginas de saudade, alguns versos da sua autoria, na colaboração que prestou, quer no LITORAL, quer no suplemento COMPANHA, tribuna literária que foi farol de cultura e em que todos tivemos a honra e o proveito de contarmos, ao nosso lado, nomes como os de Eduardo do Prado Coelho, Carlos de Morais, Frederico de Moura, Marmelo e Silva, José Tavares, Mário Sacramento, Pinto da Costa, / 73 / Vasco Branco, PalIa e Carmo, Lobo Vilela, Alberto Pimenta, Gaspar Albino, Mário da Rocha, Roberto Nobre e outros, tantos outros, como esse inesquecível João Sarabando que fizeram desse suplemento algo de valioso que só pecou por não ter conseguido durar mais que umas escassas edições.

E é de lá que vou retirar alguns belos versos integrados na "Sinfonia Incompleta" publicada na edição de Novembro de 1959:

"Que negro destino
Te fez ser menino,
Te fez ser Poeta,
Te fez ser cantor?

Rei, Bem-Amado, Menino
Que mais serei eu, agora?

Que insondável desatino
De Menino ou Não-Menino
Se deplora?

Quis devorar o Destino
Mas ele é quem me devora!!


E é para completar o romântico que o Luís Regala foi, como Poeta, que vou buscar uns tantos versos ao seu Poema CÂNTICO DE AMOR (1), que viu a luz pela mão editorial da já citada COMPANHA.


São significativos, eles:
"Não sei dizer ao certo
O tempo que passou,
Que, em mim, também morri!
73

Porém, quando partiste,
Toda a noite, no Lago,
O rouxinol cantou:
Toda a noite se ouviu
Chorar seu canto triste."


E é caso para perguntar, nesta chamada de Luís Regala à galeria das Gentes ao Toga, Beca e Capinha, se, realmente, as Musas fazem mal aos doutores.

Creio bem que não!

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(1) - Percorremos todas as páginas de "Companha", mesmo as que não chegaram a ser publicadas, mas não conseguimos localizar este poema de Luís Regala. Em compensação, conseguimos localizar nas páginas do espaço «Aveiro e Cultura» um artigo em que nos é mostrada uma fotografia de Luís Regala - ██

 

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