Quando, já lá vão mais de cinquenta anos, eu vim para Aveiro, já ele por
cá navegava, e bem, a pedir Justiça nos dois Juízos do Tribunal, como se
eles fossem canais da sua Ria de Amor onde as tainhas ainda brincavam em
loucas correrias e as duas pontes eram palco e camarote de cenas
diferentes consoante os hábitos dos seus frequentadores.
/ 72 /
Era, de certo modo" o menino bem" do foro aveirense a que dava o tom
poético da sua "Lavallière" negra e a fama que de Coimbra trouxera como
Poeta de inspiração.
Morreu novo, ainda, mas sabe bem recordá-lo naquelas suas variadas
facetas de "cagaréu do Alboi", apaixonado, quase doentio, dos xailes de
merino das tricanas do tempo que lhe serviam de musas da sua inspiração
fácil e nem sempre meramente contemplativa.
Era dotado de um temperamento quase tímido, embora essa timidez não se
fizesse sentir na profissão que abraçara e sabia desempenhar, sobretudo
no crime onde sempre aproveitava, a preceito, a eloquência das suas
frases e voz, ao ponto de poder dizer-se ser capaz de conseguir a
absolvição de um Landrú ou João Brandão a quem honrasse com a coroa de
apaixonado por uma Deusa qualquer, que tanto podia ser uma Natércia como
um saco de libras bem atolhado.
Apesar de toda aquela natural finura e suavidade das palavras, não
enjeitava, apesar de crente, os poderes demoníacos de qualquer anjo
tresmalhado. Lembro-me da figura tentadora de um Mefistófeles vermelho
que sempre o olhava do alto da estante onde os códigos alinhados
marcavam posição. E disse-lho, um dia que lá fui e deparei com aquele
ídolo de contradições. Respondeu-me que o ajudava muito pois nem sempre
era possível filtrar o cliente...
Senti-o várias vezes a meu lado nas lutas pela Liberdade, quer assinando
panfletos ou manifestos, quer, mesmo, dando o nome, nem sempre a
presença, para confraternizações ou comícios em que Aveiro procurava não
desmentir a avoenga dos supliciados do 16 de Maio.
Mas é sobretudo como Poeta que quero recordar, nestas páginas de saudade,
alguns versos da sua autoria, na colaboração que prestou, quer no
LITORAL, quer no suplemento COMPANHA, tribuna literária que foi farol de
cultura e em que todos tivemos a honra e o proveito de contarmos, ao
nosso lado, nomes como os de
Eduardo do Prado Coelho,
Carlos de Morais,
Frederico de Moura,
Marmelo e
Silva,
José Tavares,
Mário Sacramento,
Pinto da Costa,
/ 73 /
Vasco Branco,
PalIa e Carmo,
Lobo Vilela,
Alberto Pimenta,
Gaspar
Albino,
Mário da Rocha,
Roberto Nobre e outros, tantos outros, como esse
inesquecível
João Sarabando que fizeram desse suplemento algo de valioso
que só pecou por não ter conseguido durar mais que umas escassas
edições.
E é de lá que vou retirar alguns belos versos integrados na
"Sinfonia Incompleta" publicada na edição de Novembro de 1959:
"Que negro destino
Te fez ser menino,
Te fez ser Poeta,
Te fez ser cantor?
Rei, Bem-Amado, Menino
Que mais serei eu, agora?
Que insondável desatino
De Menino ou Não-Menino
Se deplora?
Quis devorar o Destino
Mas ele é quem me devora!!
E é para completar o romântico que o Luís Regala foi, como
Poeta, que vou buscar uns tantos versos ao seu Poema CÂNTICO DE AMOR
(1),
que viu a luz pela mão editorial da já citada COMPANHA.
São significativos, eles:
"Não sei dizer ao certo
O tempo que passou,
Que, em mim, também morri!
73
Porém, quando partiste,
Toda a noite, no Lago,
O rouxinol cantou:
Toda a noite se ouviu
Chorar seu canto triste."
E é caso para perguntar, nesta chamada de Luís Regala à galeria das Gentes ao Toga, Beca e Capinha, se, realmente, as Musas fazem
mal aos doutores.
Creio bem que não!
_________________________________________________ |