Tive contactos estreitos com ele quando, já eu instalado em Aveiro,
comecei a mostrar os meus pruridos de escrevinhador de jornais e por ele
fui convidado a colaborar, regularmente no ARAUTO DE OSSELOA, essa
curiosa revista de sua propriedade e direcção, composta e impressa na
Lusitânia, essa que foi ovo, mãe e ama do LITORAL, jornal quase do meu
sangue e que ainda vive vivo, com sangue velho e novo misturado, já com
o peso dos 43 anos e mais de 2000 edições paridas.
Estávamos em pleno reino da Censura e o Vasco sabia bem quem eu era e do
que era capaz o meu atrevimento, mas não hesitou nem no convite que
formulou, nem em aceitar a proposta que então lhe fiz e era:
− Estou pronto a colaborar no teu jornal, se me deres um lugar certo,
não importa em que página, e em que eu tenha plenos poderes. Entregarei
na Tipografia a colaboração, farei a revisão das provas e tu, Vasco, só
me lerás depois do jornal composto, impresso e distribuído.
E qual não foi o meu espanto quando o Vasco, em aceitação à minha
atrevida proposta, me ofereceu o lugar de honra na segunda página, a
duas colunas, com o título COLUNA-2 que passei a utilizar nas 8 edições
em que lá colaborei, com respeito absoluto do Vasco em relação ao
combinado.
E foi da minha parte que começou a haver aproveitamentos ilegítimos ou, pelo menos abusivos, do espaço concedido.
O primeiro, quase meigo, foi sobre a função do jurista, em que
transcrevi do Bastonário Adelino da Palma Carlos, as seguintes palavras:
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"A função do jurista não é dizer qual é a Lei, mas qual deve
ser a Lei."
Abordei, no número seguinte, pela rama funda e pelas raízes, o problema
moral do uso das bombas em geral e da de Hiroxima em especial.
Seguidamente vieram, como não podia deixar de ser, os símbolos míticos
de D. Quixote e Sancho Pança em palavras dirigidas a Miller Guerra, um
Quixote desse tempo negro.
Era o começo dos "corninhos de fora" e o quarto artigo, "Quinzena de
três picos" abordava Nixon, Pompidou e, de novo, Cazal Ribeiro, dele
dizendo que "nem por ser desassombrado no que diz, deixa de ser
ensombrado pelo que diz".
E foi no seguinte, o Nº 7, que a coisa começou a azedar quando um
leitor, por acaso até amigo e colega, passou a dizer e escreveu que "O
Arauto de Osseloa soava a rachado e não lhe interessava" devolvendo-o.
No seguinte, que foi o último da minha colaboração, foram Miller Guerra,
Homem de Mello e, de novo, Cazal Ribeiro, os alvos das minhas políticas
bicadas, sobretudo quanto ao "nazi de trazer por casa" que o último era.
Corria então o ano de 1973 − ainda faltava um!!!
Foi então que se deu uma chamada do Vasco, ao Governo Civil.
Medricas como era, o Vasco procurou-me no Café Palácio que
frequentávamos, para me contar os seus receios.
E foi lá que eu o tentei consolar com esta frase mefistofélica,
mas bem impregnada de sorrisos se amizade:
− Deixa lá, Vasco! Se fores preso só tens que me dizer qual a
cadeia e a marca de cigarros que fumas!
E lá foi "tremeliques" sem, à volta, ter de me indicar a cadeia
e a marca dos cigarros.
O
Vale Guimarães
era amigo dos dois!
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Mas o Vasco, o VASCO MOURISCA era, sobretudo, um Poeta e de tal valia
que não me furto ao prazer de aqui deixar mais umas quantas linhas a
caracterizá-lo como tal e como homem que às vezes até procurava ser
advogado.
Ainda que Licenciado em Direito, com banca montada e presenças, ainda
que esporádicas em Tribunais, o VASCO não era um Advogado. Pairava alto
demais o borbulhar vulcânico da sua fantasia.
Quando dava ou o faziam dar por si, já os pés não tocavam o firme chão e
as asas, desalinhadas, da sua fantasia, tinham arrastado a cabeça, por
aí fora em busca de céus novos que tanto podia encontrar no bafiento de
uma qualquer Torre do Tombo como na presença válida mas escorregadia de
um "Arauto de Osseloa" com o qual despejou ar fresco no tradicional da
Imprensa provinciana.
Eu teria assunto para páginas, muitas páginas, baseadas no
VASCO.
O meu Arquivo, mesmo, dispõe de cartas, algumas curiosíssimas, em que o
verde da tinta que ele usava, embeleza a sua caligrafia personalizada
mas legível.
Mas quero-me ficar, aqui e agora, pela Poesia, por, como já disse, o VASCO ser, com todos os seus defeitos e virtudes, um Poeta.
E, como tal, roubar-lhe, para vós, uma dedada do seu talento que ao
tempo não foi compreendida pela força das circunstâncias era 1961... −
mas encantou a minha sensibilidade, apesar de se prender a realidades
geográficas, ao perigo de certas vizinhanças e à esperança que pretendia
semear-se ao lado da cana sacarina e em lugar, se possível, do jogo e da
prostituição desenfreada.
Era Cuba, já a de Fidel de Castro, mas em que os herdeiros de Baptista
pretendiam continuar a clamar pela Paz impondo ou tentando impor uma
guerra que lhes permitisse a liberdade, uma estranha liberdade que fosse
a dos invasores de braço dado com a servidão dos invadidos.
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Chamava-se MAR DAS ANTILHAS, fazia parte do seu livro de poesia MAHALIA
e, por ser pequeno, apesar de enorme, o poema,
não o quero amputar de qualquer dos seus versos:
"Não venhas intervir no meu jardim;
só porque as minhas rosas,
que me agradam a mim,
são, para ti, presenças acintosas!
Cultiva as tuas flores, se
bem te apraz,
Aduba, livremente, a tua terra.
Mas não venhas impor-me a tua paz,
que a tua paz, aqui, chama-se guerra."
E julgo que depois do que aí fica, tudo seria demais para caracterizar o Vasco Mourisca, esse senhor que sem deixar de ser de toga,
foi, sobretudo e acima de tudo, um homem que em vez de Minerva conviveu
com Orfeu. |